Violência, educação, minorias sociais e políticas públicas

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Publicado em 13 de setembro de 2018 às 13:45

- Atualizado há um ano

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O Brasil é um dos países mais violentos do mundo, segundo o mapa da violência de 2018, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Segundo a pesquisa, o número de 62.517 assassinatos cometidos no país em 2016 coloca o Brasil em um patamar 30 vezes maior do que o da Europa. São um total de 153 mortes por dia. Estamos falando de mortes violentas.

Esse número de mortes violentas é também um retrato da desigualdade racial no país, em que 71,5% das pessoas assassinadas são negras ou pardas, segundo dados do Ipea. Mas, o que isso tem a ver com a educação?

A violência sofrida em grande parte pela população pobre, especialmente os jovens negros tem tudo a ver com a falta de políticas públicas estruturais, que venham a mexer no estado da desigualdade social do país. Também tem relação direta com nossa história, pois a população escravizada, quando no momento de sua libertação, não teve nenhuma política de assistência. Estamos falando do mesmo descaso público/político de ontem e hoje. As elites que se perpetuam no poder, cujo estudo genealógico mostra a grande continuidade das poucas famílias em cada Estado, acabam ganhando dinheiro e prestígio às custas de grande parte do sofrimento e empobrecida de parte significativa da população. É por isso que a educação é vista como perigosa por grande parte da elite política brasileira, pois ela pode fazer com que as pessoas sejam mais atentas ao mundo em que vivem, mais questionadoras e conscientes de seus direitos, inclusive, protestando contra o “destino social” reservado para ela. Com isso, ela pode ter mais liberdade para operar mudanças em suas vidas. Mas, não estamos falando em transferência de responsabilidade do poder público para o âmbito individual, tão comum em uma época neoliberal. 

Afinal, não devemos nos esquecer que a educação não é uma instância de salvação. É complicado dizer que ela salvará uma nação. As coisas não ocorrem bem assim. Sobretudo, porque, grande parte do sistema educacional, em quase todos os países, acabou servindo para reproduzir as desigualdades sociais que já estão postas. Bourdieu, sociólogo contemporâneo francês, estudando a educação em seu país, chegou à conclusão de que a escola opera uma grande violência simbólica com as classes mais populares, pois sua cultura é muito mais próxima da cultura que os grupos privilegiados já possuem em suas casas. Com isso, muitos jovens da periferia se sentem como “peixes fora da água” no ambiente escolar. Isso é grave, pois se quisermos que a escola represente à diversidade dos modos de vida e ajude a combater a desigualdade, temos de criar currículos e metodologias de ensino que envolvam e representem grande parte da comunidade que se encontra no espaço escolar. Isso tem de ocorrer com a colaboração irrestrita do Estado, senão ficamos no discurso raso de culpar os docentes pelo fracasso da educação. As coisas não são bem assim.

No campo da educação, temos poucos estudos relacionando diretamente violência e educação, mas recentemente, em 2017, o Tribunal de Contas da União do Rio Grande do Sul em parceria com um professor do Ipea, apontou que quem estuda mais tem menos chances de morrer de forma violenta. A chance de alguém que não tem o Ensino Médio sofrer homicídio no Brasil é 15,9 vezes maior do que alguém que tenha nível superior. Isso mostra a importância da educação, mas aponta também que ela não consegue atingir a todos, ou seja, em nosso país com um sistema dual de educação (privada versus pública), ela sempre foi e continua sendo seletiva, classista, racista, misógina, homofônica, etc. Há desigualdades no sistema educativo e isso se deve ao investimento diferenciado na carreira do professor e nas condições de trabalho nas escolas, nas condições de vida das famílias e nas condições de estudo dos/das estudantes. Combater estes preconceitos e desigualdades é uma tarefa urgente para termos chances a uma educação mais igualitária. O que demonstra que a tão propagada educação universal pública, gratuita e de qualidade, ainda é um sonho ou um mito. Melhor dizendo: sonho que se faz mito, a partir do momento em que evocamos constantemente o caráter salvacionista da educação, sem mobilizar esforços, nem as condições infraestruturais e simbólicas necessárias para que as mudanças realmente ocorram. 

Quem mais sofre com tal descaso são as minorias sociais. No atual governo, tivemos um agravamento significativo dos cortes na educação. Se a mencionada correlação entre violência e educação estiver correta, podemos esperar um aumento ainda maior da violência em nosso país! 

Leonardo Rangel é professor de Sociologia do Instituto Federal da Bahia, Campus Salvador (Ifba), doutor em Educação pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) e pós-doutorando em Currículo pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)

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