Virou ringue? Ansiedade e pânico por provas podem explicar brigas nas escolas

Com a palavra, os alunos: eles apontam ansiedade, pavio curto e pânico pelo conteúdo pedagógico como fatores para as confusões que viralizam nas redes

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  • Moyses Suzart

Publicado em 7 de maio de 2022 às 07:00

- Atualizado há um ano

Aos 15 anos, Manuel de Jesus* sempre foi considerado o amigão de todo mundo, carinhoso e popular no Colégio Estadual João das Botas, na Barra. No último dia 2 de maio, se atracou com um colega da escola, na típica hora da saída. “Nunca tinha brigado, mas estou de pavio curto depois desse retorno das aulas. Não sei o que é, qualquer coisa me irrita e soube que o cara falou da minha namorada. Quando vi ele, fui pra cima. Apanhei mais que bati, pois nunca tinha brigado na vida. Mas acho que bati também”, disse Manuel, ainda sem entender o que aconteceu com ele para se envolver naquela confusão. A briga não teve feridos, apenas vermelhidão pelo corpo. Contudo, Manuel faz parte de um fenômeno que tem chamado atenção nestes primeiros meses desde o retorno das aulas presenciais: as brigas entre alunos. 

Com a palavra, os próprios estudantes: “a galera está brigando por qualquer besteira, é por causa de namorado, porque olhou torto, brincou na hora errada, pegou a caneta [sem pedir]... É o dia inteiro a gente sendo provocado e provocando. No início foi bem difícil, passava o dia todo escapando de gente caçando briga comigo. Está diminuindo, mas ainda tem.  E não é só aluno. No mês passado (em abril), um aluno deu um murro no porteiro, que revidou. O coitado foi demitido. Ninguém soube porque não saiu na mídia”, lembra Adriana, da mesma escola de Manuel. 

Entrevistamos 15 alunos de cinco escolas, a maioria do ensino médio da rede estadual. O recorte é proposital, pois engloba justamente os últimos acontecimentos que envolveram estudantes desta faixa etária, entre 15 e 17 anos, brigando e viralizando nas redes sociais. É uma fase também desafiadora para a retomada do convívio social no ambiente escolar. Após dois anos isolados, a maioria reportou despreparo emocional e técnico para este retorno sem uma adaptação gradual de ressocialização. Sem contar o Enem batendo na porta. Isto, para muitos, é o principal motivo para ansiedade, medo e brigas. 

Também não significa que os alunos da rede estadual são mais violentos. Eles estão apenas mais expostos e numerosos também. Segundo o último censo estudantil do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2021 as escolas públicas estaduais abrigaram 84,5% dos alunos do ensino médio em todo país. Para se ter uma ideia, o ensino privado teve apenas 15% dos estudantes entre 15 e 17 anos no Brasil. Os demais foram divididos entre municipais e federais.   Pichação 'Massacre Dia 25/04' no espelho do banheiro da escola assustou alunos e professores Nas escolas públicas estaduais na Bahia, 740 mil alunos foram matriculados em 2022, segundo o Governo do Estado. Nas redes municipais, a maioria das escolas trabalham com ensino fundamental I, boa parte crianças fora da faixa etária dos adolescentes. Nas escolas municipais de Salvador, segundo relatório da Secretaria de Educação, foram 146.500 matrículas este ano. 

Voltemos aos alunos. Curiosamente, nenhum dos estudantes entrevistados reportou o bullying como fator decisivo para  as recentes brigas que viralizaram nas redes sociais. O problema atual é outro: o pavio curto. “Isso tudo que vocês viram na TV acontecia demais no início do ano. Imagina todo mundo preso em casa, sem aula, durante dois anos e volta para escola assim, como se nada tivesse acontecido. Está todo mundo louco, nervoso, se irritando com tudo. Tem tempo para bullying com todo mundo sofrendo? Não. É crise na cabeça mesmo”, disse Débora, de 16 anos, do Colégio Estadual Mário Costa Neto, na Federação. 

O Costa Neto foi palco de uma das primeiras confusões filmadas em colégios de Salvador no retorno das aulas presenciais. Ocorreu em dezembro do ano passado e alunos apontam que diminuíram bastante desde então, mas ainda acontecem fora dos muros da escola. “Não tem sido com a mesma frequência, acho que as pessoas estão se segurando mais. Mas continuamos com o pavio curto e nem todo mundo segura a emoção. Outro dia vi dois colegas discutindo por causa de facção criminosa, se era certo ou errado. Quase saem no tapa, mas não chegaram a tanto”, conta Gabriela, outra aluna do Mário Costa.

A diretoria do colégio não concedeu entrevista, mas funcionários disseram que a briga foi resolvida com a presença dos pais dos envolvidos e os alunos frequentam normalmente a aula. Eles alegam que são pontuais as brigas e que, geralmente, o clima é de união. Vale lembrar que este mesmo colégio estava ameaçado de fechar em 2018, mas os alunos protestaram e conseguiram evitar o fechamento, juntos. “Muita gente mora perto um do outro, somos unidos na maioria das vezes, pelo menos antes da pandemia. O que está acontecendo hoje é por causa da covid. Todo mundo voltou com paciência zero. Está horrível para muita gente. Precisamos de ajuda”, completa Gabriela. 

O mês de abril bateu recordes de vídeos que mostram alunos brigando. Foram pelo menos cinco episódios amplamente divulgados, como agressões físicas, ameaças de massacres e um caso de infração penal, onde um aluno esfaqueou o outro no Colégio Estadual Helena Celestino Magalhães, no bairro do IAPI. O aluno ferido passa bem. 

Um dos casos de agressão ocorreu no Colégio Estadual Santos Dumont, em Pirajá. Segundo relatos, os dois garotos que brigaram eram primos e aquilo já havia sido consequência de desavenças fora do ambiente escolar. “Foi um caso isolado, mas que nos chamou muita atenção. Depois do episódio, resolvemos trabalhar o lado psicológico dos alunos e já sentimos a diferença. Promovemos rodas de conversa, atendimentos individualizados e trabalhos lúdicos. Se precisar interromper a aula para conversarmos, faremos. Não tivemos mais casos de agressão e discussões após medidas preventivas”, conta o vice-diretor da casa, Vivaldo Marcos.   

Solicitamos à Secretaria Estadual de Ensino os números e registros sobre confusões e brigas nas escolas estaduais, além de programas de prevenções e representantes que falassem sobre as recentes brigas, mas não obtivemos retorno durante duas semanas de pedidos e ligações. A Secretaria não atualiza os indicadores educacionais e o Anuário Estatístico da Educação desde 2015. Cabe, então, aos próprios alunos responderem. Estudante esfaqueia colega dentro de escola pública em Salvador, no IAPI “Eu passei dois anos da minha vida sem estudar. O estudante da rede pública que disse ter mantido os estudos na pandemia é mentira. Ficamos parados. Agora voltamos assim, como se nada tivesse acontecido, com assuntos mais difíceis e sem base nenhuma. Eu passei de ano em 2021 sem estudar. Não estou preparado”, disse Jonas, de 16 anos. “Passei um ano sem saber nada e agora me sinto despreparado psicologicamente para a retomada. Sem contar que não temos condições para um psicólogo, como têm os adolescentes do [colégio] particular. Eu mesmo briguei duas vezes no início do ano. Explodi. Não aguento ver uma prova de matemática na minha frente que dá vontade de bater em todo mundo”, completa o garoto, estudante do Colégio Central, em Nazaré. 

Para a psicóloga e psicopedagoga Ana Krauss, este processo de retorno ao convívio social, após quase dois anos de isolamento, está causando esta sensação de medo e ansiedade nas crianças e jovens, o que pode explicar tanta confusão. Para ela, será preciso um processo gradual de readaptação e desmama. 

“Os jovens e as crianças passaram por um processo, digamos, de enjaulamento na pandemia. Agora a jaula foi aberta novamente, mas eles estão reaprendendo a voar.  É como um passarinho que fica preso e isolado na gaiola. Quando soltamos, ele precisa de uma readaptação de como era o processo de voar. É assim com os jovens. Eles estão reaprendendo o autocontrole, o contato físico, o diálogo com outras pessoas da idade deles. Precisamos de paciência”, disse a psicóloga, que também trabalha  no Grupo Perfil de Educação.

Outro aspecto que Krauss aponta é o convívio intenso com a morte nos últimos anos. Se imagine com 15 anos, vendo parentes e conhecidos morrerem, o medo de pegar covid-19 e noticiários falando sobre morte e futuro incerto. É intenso demais. “Isso leva a estes fatores psicológicos, como o próprio pavio curto. Os jovens ficaram expostos ao medo da morte e da perda de entes queridos. É preciso compreender que eles passaram por momentos bem intensos. Se não está fácil para nós, adultos, imagina para os mais novos”, completa. 

Este processo de readaptação e as suas consequências, como a violência na escola, é um recorte nacional e não está restrito apenas aos colégios baianos. Segundo dados da Secretaria da Educação de São Paulo, de fácil acesso nas suas plataformas, foram 4.021 casos registrados de brigas e agressões nas escolas estaduais de lá, somente nos primeiros três meses de 2022. Um aumento de 48,5% em relação a 2019. 

Em Recife, Pernambuco, vinte e seis alunos de uma escola estadual tiveram uma crise de ansiedade coletiva e precisaram de atendimento de urgência, no início de abril. Muitos apresentavam quadros de falta de ar, tremor e crise de choro. Guarde bem esta informação: todos eram do ensino médio e estavam em semana de prova. 

“De fato, nós professores precisamos saber o momento de apertar o freio na cobrança excessiva. É uma situação que talvez nenhuma geração viveu e precisamos saber quando é o momento de deixar os alunos respirarem. Não dá para achar que é tudo como antes da pandemia”, disse o professor Marcus Reis, que ensina química em escolas públicas e privadas. 

Marcus conta que não presenciou situações de brigas e agressões nas escolas que ensina. Porém, afirma que é evidente a oscilação de comportamento dos seus alunos, muitas vezes de forma mais destoantes do considerado normal. Ele conta que os próprios alunos, após uma situação inusitada e mais ríspida, voltam a si e pedem desculpas, sem entender aquela atitude.  “Situações que seriam facilmente resolvidas em 2919, acaba tendo um peso maior neste contexto atual, seja na rede pública ou privada”, resume. 

Marcus também aponta a importância maior no cuidado com os alunos da rede pública, pois o fator social também pesa. “Não é questão de certo ou errado, mas existem diferenças sociais que facilitam ou dificultam neste momento. Tenho aluno da iniciativa particular que me conta ter ido para Miami no fim de semana, enquanto alguns alunos da escola pública pedem para acabar mais cedo a aula, pois está com fome e aquela refeição talvez seja a única que ele terá no dia. Agora junte isso com a pandemia… É surreal”, completa. 

Todo este turbilhão também tem levado a casos ainda mais inusitados em Salvador. Além das agressões, ainda ocorreram dois casos de ameaças de massacre nas escolas. No dia 8 de abril, uma mensagem no colégio particular Salesiano Dom Bosco viralizou, alegando que uma aluna do oitavo ano faria um massacre na instituição. Aulas foram suspensas. No dia 25 do mesmo mês, o Colégio Estadual Raphael Serravalle amanheceu com uma pichação que dizia "Massacre Dia 25/04". 

“Minha filha não foi para escola por causa deste ato. Falei com duas mães e com o secretário do Serravalle sobre quais seriam as ações sobre a segurança. Assim, somente três dias depois enviamos nossos filhos”, conta a professora Estela Oliveira. Ela não leciona no Serravalle, mas sua filha estuda lá. Alunos que conversaram com o CORREIO alegaram que, na verdade, o massacre não passou de uma estudante que estava com pânico de fazer prova. O dia que supostamente seria o massacre era dia de avaliação que acabou suspensa. Este pânico não está apenas no Serravalle. 

“Abril foi o mês de avaliações e talvez explique tanta confusão. Eu estou tomando remédio de ansiedade, mas não adianta quando é dia de prova. Criei pânico, pois passei dois anos parada e não estou preparada para avaliações e testes. Vejo gente chorando e tendo ataques de ansiedade em dia de prova. Teve o caso lá de Pernambuco que um monte de aluno teve crise de ansiedade em dia de prova, não foi? Aqui não teve assim, mas muita gente entra em pânico também”, disse Débora, aluna do Colégio Central. 

Roberto é aluno do Colégio Sagrado, da rede particular de ensino. Ele também já se envolveu em confusão, mas nada com agressão física. Um colega jogou água nele, ele jogou suco de volta e ficou por isso mesmo. Aos 16 anos, Roberto só comprova o que Débora disse. “Eu não me senti muito abalado por conta da pandemia e já cheguei a ajudar alguns amigos. Realmente, muita gente tem problemas na hora de fazer a prova, como minha melhor amiga. Ela ficou nervosa da hora da prova e não conseguia fazer. Então eu fiz a prova e troquei com ela, que só precisou botar o nome dela. Ajudei da minha maneira, não foi?”, conta. Algumas coisas nunca mudam…

**Os nomes de alunos e alunas, todos  menores de idade, foram alterados.*

*Últimos registros de confusão nas escolas baianas*

13/12/2021 - Dois estudantes foram filmados enquanto trocavam socos e chutes dentro de uma escola estadual, em Salvador. A ação aconteceu no Colégio Estadual Mário Costa Neto, localizado na Federação. 

23/03/2022 - Um estudante foi ferido com golpes de faca dentro da sala de aula no Complexo Integrado de Educação, em Porto Seguro, no extremo sul da Bahia.

04/04/2022 - Uma ameaça de atentado amedrontou os pais de estudantes do Centro Educacional Titânia, em Cajazeiras. Mas, o que parecia ser um ataque violento, suspeita-se de que seja apenas uma brincadeira espalhada em uma rede social.

08/04/2022 - Uma estudante esfaqueou outra jovem dentro do Colégio Estadual Helena Celestino Magalhães, no bairro do IAPI, em Salvador.

08/04/2022 - Alunos do Colégio Salesiano Dom Bosco, em Salvador, ficaram assustados depois que mensagens sobre um suposto "massacre" na instituição viralizaram por meio de um aplicativo de mensagens. O texto dizia que o crime seria cometido por uma aluna do oitavo ano da escola.

12/04/2022 - Alunos do Colégio Estadual Alberto Santos Dumont, localizado no bairro de Pirajá, trocaram tapas e socos durante a briga. O vídeo circulou nas redes sociais.

25/04/2022 - A direção do Colégio Estadual Raphael Serravalle, localizado na Pituba, em Salvador, suspendeu as provas que seriam aplicadas. O motivo seria uma ameaça de atentado pichada no espelho de um banheiro da instituição. Na pichação estava escrito "Massacre Dia 25/04". Alunos alegam que uma aluna, com pânico da prova, resolveu forjar uma suposta ameaça.

*Alunos brigando, o que fazer?*

Especialistas aconselham um cuidado especial em cada envolvido

Alunos Sabemos que não está sendo fácil. Entre os menores, é preciso que os pais se atentem a comportamentos mais agressivos e crises de ansiedade. Nos maiores, geralmente do ensino médio, procurar ajuda quando sintomas psicológicos e mudanças repentinas de humor forem constantes e atrapalharem o convívio e rendimento escolar.  Não caia em provocações e converse com professores e diretores de sua escola. Também se abra com seus pais sobre a carga psicológica que está enfrentando. 

Professores O tempo perdido não volta mais. Lembre-se que os alunos ficaram em isolamento social e nem todos puderam estudar. Aperta o freio quando sua turma apresenta sintomas de ansiedade por conta de uma prova, por exemplo. Fique atento a comportamentos violentos dos seus alunos e reportem aos diretores para uma possível abordagem mais benéfica possível. 

Escola Trabalhos lúdicos, palestras e rodas de conversa devem fazer parte do novo currículo escolar pandêmico. Ajuda a acalmar os ânimos dos alunos. Se possível, tenha sempre de prontidão para um acompanhamento psicológico. Em caso de confusão sem agressão, tente resolver com uma boa conversa, sem culpados. Caso a briga seja física, procure os responsáveis. Em caso de brigas com infrações penais, a polícia deve ser chamada. 

Pais Não entregue toda responsabilidade ao colégio. Crianças e adolescentes conviveram com o medo da morte, isolamento e tudo que a pandemia trouxe ao mundo. Se aproxime da escola, converse sobre o comportamento do seu filho e todas as dificuldades que ele está demonstrando no convívio e aprendizado. Procure ajuda psicológica sempre que possível.