Vitória de Parasita consagra indústria cinematográfica sul-coreana

Filme fez história no Oscar

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  • Da Redação

Publicado em 10 de fevereiro de 2020 às 17:09

- Atualizado há um ano

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Na madrugada desse domingo (9), o sul-coreano Parasita, de Bong Joon-Ho se tornou o primeiro filme da história do Oscar a vencer o prêmio de melhor filme em mais de 90 anos de cerimônia. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que atribui o prêmio, já havia indicado vários filmes de língua não inglesa ao seu prêmio principal, como A Vida É Bela, de Roberto Benigni; Z, de Costa-Gavras, ou O Grande Ilusão, de Jean Renoir, mas a indicação era a própria recompensa para estes filmes, algo como "reconhecemos que estes filmes ultrapassam o limite do gueto da categoria Melhor Filme Estrangeiro, mas o prêmio principal não dá". Agora deu. 

Os motivos para essa marca podem ser resumidos em dois aspectos. O primeiro é a mudança de perfil da Academia, consequência óbvia da tentativa de diversificação dos votantes. Nos últimos anos, a instituição tem convidado muito mais artistas que fujam do arquétipo de homem branco de terceira idade, o chamado "velhinho da Academia", que prefere histórias americanas e inglesas sentimentais com verniz de filme importante -  ou seja, o votante responsável por consagrar ano após ano coisas como O Discurso do Rei, Uma Mente Brilhante e Conduzindo Miss Daisy.  Cena de Parasita (Foto: Divulgação) Este tipo de filme "importante" continua no radar, mas este ano a ala mais moderna da Academia finalmente conseguiu impor a sua vontade, com a derrota do franco favorito 1917, de Sam Mendes, o velho filme de guerra inspirador. Roma, de Alfonso Cuarón, quase venceu o ano passado e chegou a conquistar o segundo prêmio mais importante, o de Melhor Direção, mas os "velhinhos da academia" conseguiram impedir a consagração do filme da Netflix, que perdeu Melhor Filme para o tradicional Green Book, de Peter Farrelly. Desta vez, em 2020, a disrupção foi até o fim. 

O segundo aspecto é a própria capacidade de comunicação do filme. A Academia vez por outra reconhece filmes fora do seu padrão de gosto, mas Parasita, apesar da sua ironia cortante e do seu ácido comentário político, é tão acessível quanto uma novela das sete. Uma coisa é reconhecer o mérito artístico de um filme de Bergman (Gritos e Sussurros, por exemplo, foi indicado a melhor filme em 1974); outra, bem diferente, é ser arrastado por um uma montanha russa narrativa como Parasita. É um filme complexo e profundo, mas não é preciso prostrar-se diante dele esperando uma revelação; Parasita te puxa pelo braço como um filme de Spielberg nos seus melhores dias, agressivamente, sem espaço para respirar.

Esse grau de comunicação é resultado também da própria indústria cinematográfica sul-coreana, fortemente alicerçada numa cota de exibição nos cinemas para produtos nacionais. O ecossistema, portanto, é equilibrado. Há filmes muito exigentes e artisticamente ambiciosos (como o maravilhoso Em Chamas, de Lee Chang-Dong, que esteve em cartaz recentemente em Salvador) e há os blockbusters locais, como os filmes de Bong Joon-Ho. É uma indústria orgânica, portanto, similar à americana em um certo sentido, e que agora mostra ser capaz de derrotar Hollywood no seu próprio território.

Em tempo: quem não viu quando passou nos cinemas em Salvador pode aproveitar a oportunidade e procurar um dos filmes anteriores do diretor no Netflix. O Hospedeiro, de 2006, está na plataforma e é de tirar o fôlego.

Saymon Nascimento é jornalista e dono da editora Bissau Livros

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