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Paulo Leandro
Publicado em 20 de janeiro de 2021 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Boa oportunidade surge para rubro-negros e tricolores enxergarem-se uns nos outros, como de fato são: dignos de piedade por sua condenação ao cadafalso onde o carrasco poderá colocar seus capuzes antes da decapitação.>
Neste momento especial, ocorre a percepção mais nítida da ilusão fugaz e rasa dos prazeres, sendo a tristeza e a dor as condições definitivas, resumidas as alegrias e a tal felicidade a breves conquistas, aparentes e escapadiças.>
Enfrentar o Athletico do Paraná é a prova dos nove do Bahia, enquanto o Vitória, com Leo Ceará & Cia., viaja a Campinas, para desafiar o indígena Guarani, no calor das 4 da tarde.>
De uma divisão a outra, ambos podem verificar a vontade de permanecer em seu atual recanto, o Vitória, na Série B; o Bahia, na A; da mesma forma como derretem suas identidades ao perceberem, no outro, a angústia de quem some na areia movediça.>
Descerra-se, assim, o véu, impeditivo de enxergamos no outro, nossa própria natureza: o Bahia pode ver-se no Vitória; e o Vitória, no Bahia, unidos pelo sofrimento, o único vencedor, ao final dos confrontos no fútilball e no amargor da vida.>
Os clubes têm sua origem, desenvolvem-se ganhando títulos ou não, arrebanham grandes torcidas, mas enfrentam crises técnicas, dentro de campo, ou arrecadatórias, fora deles, e ao final, sobrevém o rebaixamento inevitável.>
Há períodos nos quais a dor demora, embora sempre prevaleça: os clubes queridos dos baianos passam um tempinho numa série confortável, como o Bahia vem mantendo-se na A, ou caem miseravelmente e permanecem no Tártaro, longo período.>
Ah, sim, tem as estrelinhas, pois é, foram duas, eis os motivos de orgulho, dos quais não se pode esquecer, como escudos contra a realidade, cujo aspecto regular é a luta para evitar descer a fim de seguir sofrendo no próximo certame.>
Os estaduais de três meses servem também como bálsamo, distraindo o torcedor da vocação maior para lutar por oxigênio a fim de buscar bens intermediários, no resto do ano esportivo: fazer boa campanha na Copa do Brasil, na Sula e não cair de novo.>
O princípio do choro une agora os dois grandinhos do nosso fútilball, ao tomarem conhecimento da dor, um do outro, unindo-se em uma só essência, espera-se, desta vez, inspiradora de compaixão e caridade mútuas.>
Exceto, se acreditarmos na inclinação humana para a hidroxicloroquina, a negação de equipamentos básicos para o atendimento médico, diante de uma pandemia, não há espaço, agora, para o ódio, incentivado em conteúdos imorais.>
A crônica esportiva, banhada subitamente em virtudes, voltará a criticar a violência das torcidas, quando estas despertarem do pesadelo pandêmico, por meio da vacina, única chance da humanidade, por isso mesmo, negada e vilipendiada pelos neonazistas BR.>
Pois hoje, lá dentro de Campinas, o Leão tentará não derreter a juba, ao puxar ar para os pulmões, sabendo das dificuldades do coirmão, no comecinho da noite, ao enfrentar os paranaenses.>
Ficar secando adversários, para evitar nova queda, faz parte do sofrimento ao qual estamos acostumados, sabendo do protagonismo da dor, tão bem representado na luta de Vitória e Bahia, de tão raras e breves alegrias, como ocorrem em nosso cotidiano.>
Paulo Leandro é jornalista e professor Doutor em Cultura e Sociedade>