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Dom Sergio da Rocha
Publicado em 24 de agosto de 2020 às 12:16
- Atualizado há um ano
As restrições impostas pela pandemia têm obrigado as pessoas a repensarem e a reorganizarem sua vida cotidiana, por razões de saúde e de sustentação financeira, fazendo-as redescobrir a beleza e a alegria da simplicidade de vida, um valor a ser resgatado e cultivado em qualquer situação.
Vida simples não decorre da recordação nostálgica de um passado idealizado. O resgate da simplicidade de vida, deve inserir-se no atual contexto sociocultural. Viver uma vida simples não é um modismo alimentado pela busca frenética de novidade, mas algo de validade permanente. A simplicidade torna possível o discernimento do essencial, em meio ao amontoado de supérfluos que tornam a vida pesada e complicada; por isso, permite reconhecer o sentido maior do viver cotidiano. Implica leveza do ser, pois ninguém pode caminhar bem carregando muitas coisas. Viver na simplicidade permite refazer a experiência do valor dos detalhes e apreciar os pequenos gestos, numa cultura marcada pela busca do espetáculo, do fantástico e do extraordinário. Torna possível enxergar a beleza e a grandiosidade escondidas na aparente pequenez das coisas e das pessoas que nos rodeiam.
Além disso, o “simples” costuma ser contraposto a complicado. Seria bom interrogar-se a respeito do que complica a vida. Há questões e tarefas irrenunciáveis que deverão ser inevitavelmente enfrentadas, por quem busca a simplicidade no viver, pois não se trata de vida fácil. Há fatores que dificultam a vida, como a burocracia ou o trânsito, que necessitam do empenho dos poderes públicos, para serem superados. Há, ainda, fatores radicados na própria pessoa, que complicam a sua vida. Por isso, é fundamental a reflexão e o discernimento pessoal a respeito do estilo adotado e dos fatores que tornam a vida onerosa.
Uma vida simples deve ser pensada também numa ótica socioambiental. O atual ritmo de consumo atropela a vida simples e gera falsas necessidades, mostrando-se incompatível com a preservação do planeta, provocando risco de esgotamento de recursos naturais, da poluição e destruição de ecossistemas. O consumismo não se sustenta social e ecologicamente e, por isso, não se justifica eticamente. O bem-estar e a alegria, experimentados pelos que adotam um estilo de vida simples, mostram que não é preciso consumirem-se tantos bens e serviços para ser feliz. As restrições à aquisição de bens, devido ao distanciamento social, neste tempo de pandemia, têm demonstrado que é possível viver bem sem gastar tanto. Contudo, na pandemia ou fora dela, há muitos que não têm o necessário para viver, devido à pobreza e ao desemprego, dentre outros problemas sociais. Por fim, é preciso recordar-se de que a simplicidade é uma característica da vida cristã, que se exprime através da confiança na Providência, do desapego e da partilha.Dom Sergio da Rocha é Cardeal Arcebispo de Salvador