Você não precisa 'harmonizar' a sua cara

Boas terapias ensinam a conhecer e viver as nossas próprias prioridades

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  • Flavia Azevedo

Publicado em 15 de maio de 2021 às 11:00

- Atualizado há um ano

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Eu acho horrível, tenho medo e nunca vi um único resultado que prestasse. Nunca. Nem nas caras das próprias pessoas que fazem as tais "harmonizações faciais", nem nos/as artistas que pagam os/as melhores profissionais. Mas veja que essa é só uma opinião sobre corpos alheios. Até discutível emitir. Corpo de cada um/a, regras de cada um/a. Nem é um papo sobre manter tudo "ao natural", o que nos levaria a uma conversa sobre o que é natural, de fato.

Intervenções corporais estão aí desde sempre, eu mesma tenho furos (aposentados) de piercing e uma tatuagem, pouco me importando se você acha feio ou bonito meu umbigo ou minha nuca desenhada. Por outro lado, tenho centenas de sardas não "tratadas", os fios de cabelos brancos também estão aqui, "entregando" meus 47 anos e, talvez, me fazendo parecer, para muitas pessoas, "deleixada". Isso, quando não raspo a cabeça, jogando no lixo o conceito padrão de feminilidade. É meu direito, como é seu direito fazer o que quiser com seu corpo. Ou seja, o assunto aqui não é desejo, vontade e gosto pessoal. 

(Boas terapias ensinam a conhecer e viver as nossas próprias prioridades.)

(Também a decidir opiniões que importam e as que são, absolutamente, nada.)

Dito isso, vamos só trabalhar a ideia de que você não precisa seguir a manada. Seja rica ou remediada, tendo dinheiro pra pagar à vista ou precisando parcelar, o fato é que você não precisa "harmonizar" a sua cara. Não precisa. Não tem a menor necessidade. Eu garanto que é tudo bem seu rosto parecer com o seu próprio rosto, sabe? Não tem o menor problema que todos os seus músculos faciais se movam, que você consiga abrir e fechar a boca normalmente e gargalhar promovendo festas de ruguinhas de felicidade.

No entanto, você pode escolher trocar expressão facial por pele esticada, claro. Você pode achar tranquilo perder as sutilezas que os rostos trazem e achar que há como lutar contra o tempo e a lei da gravidade. Mas recorrer a procedimentos estéticos é apenas uma possibilidade e é isso que precisa ficar claro. Andar por aí com seu rosto, como ele é, não significa falta de autoestima, como tentam fazer parecer muitos/as profissionais da área e é isso que eu acho sacanagem: vender mudança de rosto como se fosse "autocuidado". Não é, nunca foi nem será. Esse é apenas mais um produto e, sim, pode ser dispensado.

Ao contrário do que dizem muitos/as "influencers" e dentistas "harmonizadores/as", não existe um momento ideal para começar a mexer no seu rosto, não tem problema se você não tem ou não quer gastar grana e tempo com isso, tá tudo bem se você até tem dinheiro, mas prefere investir na terapia ou no vinho ou no que você achar que deve. Aquelas caras não são "a beleza", você não precisa achar aquilo bonito nem desejar. Aquela cara não lhe garante ser amada nem, sequer, disfarça a sua idade, se ela for uma questão pra você.

É só uma coisa, mais uma. Assim como foram os peitos "turbinados" e, depois, se descobriu que as próteses de silicone causam doença grave. Aí é peitinho ao natural virando tendência de novo. É tudo, tudo fase, produto, mercado. Você não precisa. Pode querer, mas não precisa precisar. Nem precisa fingir que precisa e quer pra não parecer fora de moda, "feia" e gasta. É a sua cara. Ela não precisa ser igual a todas as outras caras. 

Se é uma demanda sua, massa. Só acho que seria bom investigar de onde vem. Às vezes, é do outro a quem você deu mais poder do que devia dar. Também é bom saber que procedimentos podem dar errado em nível absurdo, pode pesquisar. A pessoa entra no consultório com três rugas e sai com produtos injetados que podem causar deformidades irreparáveis. São muitos os casos, dá pena, principalmente quando sabemos da insegurança e do esforço financeiro que levam, principalmente mulheres, até aqueles consultórios. 

Por isso, é necessário falar. Porque é mais um lugar de mulher se lenhar pra cumprir a missão ingrata de lutar contra os processos naturais. Mais uma "necessidade" inventada, entre tantas, porque não cansam de nos convocar para a insegurança, sensação de insuficiência e exercício de futilidade. A gente só serve assim: querendo ter outro corpo e, agora, outro rosto. Até onde é escolha, portanto? Mas isso é outro papo. Por ora, só queria mesmo que você pensasse no que aconteceria se todas nós acordássemos, amanhã, vivendo as nossas próprias prioridades. Duvido, mas duvido mesmo, que fosse tomar injeção na testa. Mesmo que fosse de graça.