Waldeck Ornélas: pela retomada da posição de Cidade Global

Em meio a avanços e retrocessos, Salvador ainda depende de planejamento para tornar real um novo tempo de protagonismo

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  • Waldeck Ornelas

Publicado em 15 de janeiro de 2019 às 02:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arquivo/Correio

Salvador nasceu planejada, à moda da época, tendo sua planta sido trazida de Portugal por Luiz Dias, na comitiva de Thomé de Souza. Logo tornou-se uma cidade global, pela condição de primeira capital do Brasil e pela importância do seu porto. Nos últimos 40 anos, no entanto, é que talvez tenha vivido seus momentos mais desafiadores. Em 1979, com cerca de 1,5 milhão de habitantes, vivia sob o impacto de uma imigração acelerada – a população triplicara nas duas décadas anteriores – ao mesmo tempo em que se beneficiava da implantação do sistema de “avenidas de vale”, preconizado pelo Escritório do Planejamento Urbanístico da Cidade do Salvador (Epucs), e da Avenida Paralela, nomeada Luís Viana, à Avenida Otávio Mangabeira, que tornara possível a ampliação do seu casco urbano e a absorção dos refugiados da seca, que se concentrariam no Subúrbio Ferroviário e no Miolo. Canabrava 1992, aterro sanitário (Francisco Galvão/divulgação) Esse processo fez com que a cidade se degradasse. Sob o impacto do acelerado crescimento populacional, pudemos assistir, em quatro décadas, agigantar-se o desequilíbrio entre as demandas por infraestruturas, como a abertura de novas vias, pavimentação e drenagem; equipamentos sociais, especialmente os de educação e saúde; habitação popular, do que os programas predominantemente federais nunca deram conta; serviços públicos, como os de limpeza, iluminação e transportes, e a incapacidade fiscal da prefeitura e do estado de atenderem as necessidades. As favelas assim geradas são aqui chamadas de invasões, pela forma como foram produzidas. 

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A reação se deu com a implantação de políticas de desenvolvimento, buscando a criação de oportunidades de trabalho e renda. Os reflexos positivos da implantação do Polo Petroquímico, ao longo da década de 1970, fazia surgir uma nova classe média, trazendo dinamismo e modernidade ao comércio e aos serviços, com a implantação do primeiro shopping center (1975), o segundo do país, símbolo desse novo momento, e começo da formação do segundo centro, proposto pelo Plano de Desenvolvimento Urbano de Salvador (Plandurb), no que é hoje a região da Avenida Tancredo Neves. Parque de Pituaçu, em 1999 (Agnaldo Novais/divulgação) Contando com a energia de Paulo Afonso e a água do Paraguaçu (Pedra do Cavalo), Salvador estava pronta para absorver um ciclo de acelerado crescimento. O sistema de esgotamento sanitário veio com o Bahia Azul, nos anos 1990. Antes, a implantação do aterro Centro houvera permitido o fechamento do antigo lixão de Canabrava, onde está hoje o Estádio Manoel Barradas (Barradão).

Salvador também ganhou, ao longo desse período, um expressivo número de parques públicos, como Pituaçu, Abaeté, São Bartolomeu, Costa Azul e o do Dique do Tororó, que se juntaram ao Parque da Cidade – doado por Joventino Silva e há pouco requalificado. A cidade tornara-se metrópole e mantinha-se como centro de uma vasta região que sempre ultrapassou os limites da Bahia.

O início dos anos 1990 assistiu a um momento mágico para a cidade: a recuperação do Pelourinho, que fora reconhecido pela Unesco como Patrimônio da Humanidade. Roberto Marinho, Jorge Amado e o ex-presidente de Portugal, Mário Soares, foram as personalidades convidadas pelo então governador Antonio Carlos Magalhães para a inauguração de cada uma das primeiras etapas. Desde então, o Centro Histórico, tendo recuperado o seu esplendor, voltou à agenda da cidade, onde retoma o seu lugar de destaque com cada passo que é dado no sentido de redefinir o seu papel na vida urbana. Lagoa do Abaeté 1989, Itapuã (Lucia Correia Lima/divulgação) A recente implantação dos hotéis Fera e Fasano, a instalação da Casa do Carnaval, a criação do Hub Salvador são exemplos de dimensões múltiplas que o “centro excêntrico” a que se referia Milton Santos passa a assumir, em uma cidade cuja população ainda não o adotou, mas que os visitantes de todo o mundo fazem questão de reverenciar.

O turismo, ancorado na força da cultura local, ocupou seu lugar como um importante eixo de desenvolvimento, trazendo dinamismo e visibilidade à capital da Bahia. Em desenvolvimento desde os anos 1970, a evolução tem sido oscilante, e neste momento inicia novo movimento ascendente.

Cidade sem indústrias – direcionadas que foram para a região metropolitana –, o turismo, o comércio e os serviços constituem a sua base econômica. Essa é uma vertente que precisa ser continuamente aprofundada e qualificada. A modernização da orla marítima, a Casa de Jorge Amado, os “fortes” de Caribé e Verger, as obras de modernização do aeroporto, o Cimatec, a implantação do metrô, o novo Centro de Convenções, a Arena Aquática, são signos de uma nova era que a cidade começa a viver.  Retomada das Obras do Metrô na Fonte Nova (Sérgio Pereira/divulgação) Agora, aos 470 anos de sua fundação e com o declínio do ritmo de crescimento populacional, abre-se a oportunidade de Salvador reencontrar-se com o seu passado de glórias e, sobre ele, erguer as bases do futuro, reequilibrando o desenvolvimento urbano, com o fortalecimento de sua rede de equipamentos sociais e infraestruturas, e recolocando-se como cidade global, no contexto tecnológico, econômico e cultural do século XXI, para o que dispõe de condições excepcionais, com a marca de sua cultura singular, diferenciada e diversificada – fruto das características de sua gente, fonte de sua literatura, música, gastronomia, patrimônio e tradições – formada sobre o sólido suporte do que se convencionou chamar de baianidade.

Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional

Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade do autor.