Xô, covid! Cidades baianas endurecem medidas para frear aumento de casos

Pelo menos 6 municípios proibiram a venda de bebidas, inclusive por delivery, para evitar festas

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  • Daniel Aloísio

Publicado em 27 de maio de 2021 às 05:15

- Atualizado há um ano

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Proibição da venda de bebidas alcoólicas, lockdown completo e aumento da fiscalização. Essas são algumas medidas que pequenas cidades baianas adotaram para lidar com a pandemia. Em meio ao cenário de aumento de casos, mortes e internações nos leitos municipais, prefeituras, de cidades como Coronel João Sá, Monte Santo, Pedro Alexandre, Adustina, Iaçu e Ribeira do Pombal impuseram um isolamento rígido.

Em Ribeira do Pombal, a situação é classificada pelos profissionais de saúde como um pré-colapso. O município de cerca de 50 mil habitantes é o quinto da Bahia com o maior número de casos ativos, ou seja, de pessoas atualmente infectadas pela covid-19. No total, são 399, deixando Ribeira do Pombal atrás apenas de Salvador, Feira de Santana, Barreiras e Paulo Afonso, de acordo com os dados da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab).  

Atuando na rede municipal de saúde da cidade desde o início da pandemia, o médico Carlos Domini chegou a comparar a realidade da cidade com a vivida em Manaus no início do ano.   “Tá um inferno aqui, eu nunca vi um negócio desse não. Se você ver, aqui a situação é de Manaus mesmo”, disse.  Em Ribeira do Pombal, até 150 pessoas são atendidas por dia com sintomas de covid-19. Até a terça-feira, 25, 255 pacientes aguardavam resultado dos testes RT-PCR enviados ao Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen). Os nove leitos e cinco respiradores disponíveis na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) voltada para covid estão constantemente ocupados. Há ainda o risco de desabastecimento de medicamentos para intubação, como Propofol, Rocorunio, Dormonid, Fentanil, Heparina e Enoxieparina. 

“É uma situação calamitosa. Transferimos oito, 10 pacientes por dia e a UPA toda hora lotando. A sorte é que temos uma usina de oxigênio, se não já teria morrido gente com falta de ar. O estado tem sido parceiro e feito as transferências. Mas nossa preocupação é dos hospitais de Salvador e Feira de Santana não conseguirem mais absorver a demanda, o que vai fazer com que haja mais mortes”, lamenta Domini.

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Até o momento, 51 pessoas morreram de covid em Ribeira do Pombal, cinco apenas nos últimos sete dias. Visando melhorar a situação, uma unidade de saúde do município passou a atender como gripário e um lockdown completo – com o comércio funcionando apenas por delivery - foi determinado até hoje. Mas, segundo o médico que atende o município, as medidas de isolamento serão prorrogadas pelo menos até a segunda-feira (31). “Depois, acho que vai ter que prorrogar mais alguma coisa. Tem que abrir de forma escalonada”, argumenta.   Mesmo cansado, Carlos Domini continua na linha de frente de combate à covid-19 (Foto: Arquivo pessoal) Outras cidades estão em situação complicada 

Assim como Ribeira do Pombal, Coronel João Sá, no nordeste baiano, optou por medidas mais duras, como a proibição da venda de bebidas alcoólicas, que por lá vai até, pelo menos, a próxima quinta-feira, 3 de junho."A gente foi percebendo que as pessoas, no geral, não consomem sozinhas as bebidas. Na zona rural do município, tem muitas aglomerações em bares, por exemplo”, explicou Almy Rozendo, secretário de Comunicação. Segundo o gestor, nas últimas três semanas, o aumento de casos se deu de forma alarmante no município. “Em um único dia tivemos 70 novos casos confirmados. Antes era só um ou dois, quando tinha. Só ontem mesmo foram 42 novos casos”, lamenta.

Coronel João Sá não possui leitos para internação por covid. “Ficamos dependentes da regulação”, diz o secretário. Até o momento, 18 pessoas morreram da doença na cidade de cerca de 15 mil habitantes e 122 casos ativos.      

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Já em Pedro Alexandre, ainda no nordeste, desde 29 de abril cresceram as notificações de síndromes gripais, de acordo com a prefeitura. “Os pacientes tiveram piora clinica repentina e queda nos níveis de saturação, por vezes requerendo oxigenoterapia, o que requereu da vigilância em saúde uma mudança do olhar epidemiológico sobre o território de Pedro Alexandre”, disse Lídia Alves, secretária de Saúde. 

No total, o município tem 96 casos ativos e quatro óbitos desde o início da pandemia. “Fomos percebendo a necessidade do aumento de medidas restritivas. Adotamos a barreira sanitária para verificação de temperatura e desinfecção de veículos; estendemos a suspenção da feira livre e fechamento do comércio não essencial; e restringimos os transportes intermunicipais com monitoramento dos viajantes com testagem imediata para os sintomáticos e monitoramento por nove dias para assintomáticos até que seja conveniente a testagem oportuna”, afirmou a secretária.  

Em Pedro Alexandre, também está proibida a venda de bebidas alcoólicas até 5 de junho. Já Monte Santo, que chegou a ficar em lockdown por cinco dias, a venda de álcool se mantém suspensa até, pelo menos, a próxima segunda-feira (31), inclusive para o comércio no formato delivery. A cidade de 50 mil habitantes, também localizada no nordeste, tem 148 casos ativos e outros 80 suspeitos. No total, são 33 mortes desde o início da pandemia.  

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Os outros municípios que endureceram o cerco das medidas de isolamento foram Iaçu, no Centro-Norte baiano, que proibiu a abertura de bares e venda de bebidas alcoólicas até a segunda-feira (31), e Adustina, que instituiu 16 dias sem o comércio de álcool no município, válidos a partir de hoje até o dia 12 de junho. Em Adustina são 45 casos ativos, 87 suspeitos e 16 mortes por covid. Já Iaçu tem 119 casos ativos, 49 suspeitos e 25 óbitos. 

Proibir venda de álcool não é suficiente, diz especialista

Coordenadora do curso de medicina do campus Eunápolis da Rede UniFTC, a epidemiologista Lucélia Magalhães é crítica das medidas que proíbem a venda de bebidas alcoólicas. “Eu não conheço nenhum estudo que compare o impedimento da venda de bebidas alcoólicas com a diminuição da transmissibilidade de covid e, consequentemente, diminuição de casos e mortes”, argumenta.  

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Segundo a médica, o princípio teórico que embasa essa medida está no fato de que, quando as pessoas estão bebendo, ficam sem máscara e mais suscetíveis a não cumprirem o isolamento social. Com isso, os perdigotos, ou seja, as gotículas contaminadas de saliva que saem na hora que a pessoa fala, tosse, espirra ou assoa o nariz, são facilmente espalhadas entre as pessoas que estão consumindo a bebida. “Só que dizer que sem a venda de bebidas não terá festa e, assim, não terá aglomerações não faz sentido, pois impedir a venda não significa impedir o consumo. Depois que a restrição se prolonga, haverá o que a gente chama de mercado negro. As pessoas compram de forma ilegal. Elas vão preferir as bebidas mais baratas, pois o preço vai subir. E quanto mais prolongada a proibição, maior fica o mercado negro”, diz. Para Lucélia Magalhães, do ponto de vista epidemiológico, é preciso que as cidades pequenas foquem em ações de maior controle e assistência à saúde. “A aglomeração sem proteção é um risco, principalmente em local onde não tem ventilação, e deve ser combatida. Mas também é importante identificar precocemente e de forma massiva os portadores da doença. Em cidade pequena isso pode ser mais fácil. Quem tá contaminado, precisa ser isolado, monitorado, vigiado e receber uma assistência médica individualizada e rápida”, defende.

*Com a orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.