Xodó dos baianos, Dulce é santa que mais batiza ruas de Salvador e já virou até apelido

Veja onde estão espalhadas a homenagem à santa baiana, que completa dois anos de canonização nesta quarta (13)

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  • Marcela Vilar

Publicado em 13 de outubro de 2021 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Paula Fróes/CORREIO
Narandiba carrega o nome de Dulce em uma de suas ruas por Paula Fróes

De um total de 8.430 ruas em Salvador, 426 levam o nome de santas católicas. A mais citada dentre elas é Irmã Dulce, a Santa Dulce dos Pobres, que dá nome a oito ruas soteropolitanas. Reconhecida pelo seu papel nas Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), a santa completa, nesta quarta-feira (13), dois anos de canonizada. As ruas se localizam nos bairros de Brotas, Nordeste de Amaralina, Águas Claras, Narandiba, Cajazeiras 6, Areia Branca, Tancredo Neves e Mata Escura.

Para além das ruas, Dulce também está entre as primeiras posições na categoria logradouro, que engloba praças, largos, parques e outros espaços. Santa Dulce ocupa a quarta posição no ranking de santas que possuem logradouros públicos em sua homenagem na capital. Ao todo, ela tem 29 menções, sendo elas divididas entre duas praças, 14 travessas, quatro avenidas, uma vila e as oito ruas que a torna campeã na categoria.

Em primeiro lugar, está Santa Bárbara (com 40 logradouros) e, em seguidas, aparecem empatadas Santa Luzia e Santa Maria (ambas com 36 logradouros). – veja ranking completo no final da matéria. As informações são do levantamento do CORREIO feito com uma base de dados de mais de 21 mil linhas da Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Urbanismo (Sedur). 

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Uma das oito ruas com o nome de Irmã Dulce em Salvador fica no Nordeste de Amaralina, perpendicular à principal do bairro, a Cristóvão Ferreira. Na esquina, tem a lanchonete Vivi Gourmet, que, quando reformou, tirou a placa que indica o nome da santa. Ela é sem saída e, segundo moradores, um local tranquilo, de família. Aos domingos, rola churrasquinho, dominó e baba. É nela também que, todos os dias, a partir das 18h, um grupo de amigos se reúne depois do trabalho para resenhar. 

Dentre eles, está o devoto Evenato Rodrigues, que já conheceu Irmã Dulce pessoalmente e, inclusive, prestou serviço para as Osid, através de sua empresa de refrigeração, a 0 grau. “Conheci ela tem uns 20 anos e era uma pessoa maravilhosa. Criei muitos vínculos de amizade nas Obras Sociais, pelo trabalho, e minha mãe se internou lá, por ser hipertensa”, conta Rodrigues. Ele diz que faz doações regulares à instituição. Os outros também são católicos, mas o vínculo com a beata não passa de admiração.   Os moradores Edmilson Costa (de amarelo), Elenilton Fernandes (de branco) e Evenato Rodrigues (de vermelho) se reúnem todos os dias, final de tarde, na esquina da rua Irmã Dulce, no Nordeste de Amaralina. Crédito: Marcela Villar. No bairro de brotas, a rua Irmã Dulce é residencial. A única exceção é o barzinho de Marcos Ruas, que fica aberto quase que 24h – das 9h às 15h e das 18h até o último ir embora. Segundo moradores, vários assaltos já ocorreram naquela rua, inclusive de carros, e sempre com armas. “Aqui você vai para qualquer lugar, desde o Vale das Pedrinhas a Vasco da Gama”, explica o empresário, que também mora em um dos prédios do logradouro.  

Ele é mineiro e veio para a Bahia após o pai adoecer, há 22 anos. Apesar de não ter especificamente alguma relação com Irmã Dulce, tem uma imagem da Santa entre as caricaturas da parede. Segundo o empresário, alguns moradores querem criar uma capela com um monumento em homenagem à baiana, embaixo de uma mangueira. Enquanto a verba não é arrecadada, eles se contentam com o porta-retrato na parede.   Bar em Brotas, na rua de Irmã Dulce, tem imagem da santa na parede. Crédito: Marcela Villar. Em Águas Claras, a rua Irmã Dulce traz boas e más memórias. Há quem guarde a lembrança de Maria do Nascimento Paim Alves, apelidada de Irmã Dulce, pelas ações de caridade que fazia na comunidade, mãe do motorista aposentado Wilson Paim Alves. Ele nunca viveu em outro lugar.  

Antigamente, a rua era de barro e a casa da família era de palha. Mesmo sem cama para todo mundo, Maria colocava esteira no chão para acomodar quem precisava. “Minha mãe fez muita coisa boa. Ela não aguentava ver ninguém na rua que botava para dentro de casa, acolhia as pessoas sem nem conhecer. Aí botaram o apelido nela de Irmã Dulce”, conta Alves.  

É tanto que Wilson tem cinco irmãos de sangue, mas mais de 50 de consideração espalhados por aí. A mãe trazia a comida que sobrava do trabalho, no matadouro, para alimentar os hóspedes. Antes da rua ser apelidada como Irmã Dulce – em homenagem à Santa e a Maria – a rua nem tinha nome. Ela morreu aos 79 anos, na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Pau Miúdo, há cerca de 20 anos. Hoje, a rua é asfaltada e a casa de Wilson é de tijolo. Mas a placa da rua é improvisada, na porta da casa dele, feita a mão.  Wilson Paim Alves na porta de casa, com a foto da mãe, apelidada de Irmã Dulce. Crédito: Marcela Villar. Muitos moradores resolveram sair dali pelo aumento da violência, gerado pela guerra entre facções ligadas ao tráfico de drogas. Há relatos de mortes, tiroteios e confrontos com policiais. A pedagoga Júlia**, por exemplo, perdeu um familiar, em 2021. Ela tinha um comércio na rua, que é sem saída, mas botou para alugar e mudou-se de bairro. “Só quero vir aqui quando não tiver jeito, porque, sempre quando venho, vivo tudo aquilo de novo”, diz Júlia**, aos prantos.  

Ela morava ali há oito anos. Chegou a abrir, inclusive, boletim de ocorrência na Polícia Civil, mas comunicou aos policiais para não prosseguirem com a investigação. “Não sei quem fez isso, mas entrego à Justiça de Deus, porque a dos homens não faz nada”, acredita. Apesar de ser evangélica, Júlia** diz que tem grande admiração por Irmã Dulce. “Foi uma pessoa que só fez o bem”, afirma.  

Em Narandiba, a rua Irmã Dulce é estreita - carro só entra até certo ponto. Quem mora ali assegura que a rua é segura, familiar e o play das crianças. Além de um bar e uma mercearia, só há casas residenciais. Na esquina, tem o ateliê de Núbia Carneiro, natural da cidade de Riachão de Jacuípe, mas que mora li há 27 anos e costura desde os 15.  

A família é dividida entre católicos e crentes. “Todo dia oro e rezo meu terço, faço minhas orações. Às vezes caio no cochilo, mas sempre estou lendo a Bíblia e fé em Deus não falta”, narra Núbia. Ela também é admiradora de Irmã Dulce. “O que ela fez foi muito importante”, avalia a costureira, que já visitou o santuário da santa, na Cidade Baixa. Na rua principal do bairro, a Silveira Martins, a um quilômetro dali, também existe uma Paróquia dedicada a Irmã Dulce.   Núbia Carneiro (à direita) e a mãe, Alice (à esquerda), no ateliê na rua Irmã Dulce de Narandiba. Crédito: Marcela Villar.  Devoção  Fora das ruas que levam o nome da freira, os devotos relembram a figura da baiana que encantou o mundo com seu trabalho social. A agente de turismo Marla Fontana começou a ser devota de Dulce quando viu a canonização, há dois anos. Ela já era católica, mas se emocionou com o evento e começou a pesquisar mais sobre ela. Foi aí que a relação entre as duas iniciou.  

“Com o anúncio da beatificação, desenvolvi uma ligação mais forte com ela, de uma forma que não consigo explicar. Eu chorava e chorava e me comovia espiritualmente com a história dela, não conseguia controlar. Tenho muta admiração de como ela se doou à Igreja e aos irmãos. Toda vez que falo dela, sinto o desejo de ajudar as pessoas como ela ajudou”, desabafa Marla. Ela e o marido compartilham da mesma devoção.  

A superintendente das Obras Sociais Irmã Dulce, Maria Rita Pontes, sobrinha da beata, nem sabia que a tia tinha tantas ruas em seu nome. “Achava que era só a de Brotas e a praça na Cidade Baixa”, confessa. “Fico feliz em saber, porque é sinal que ela mora no coração das pessoas. É uma prova do respeito e carinho que o povo soteropolitano sempre teve por ela”, completa.  

Para Maria Rita, o legado de Irmã Dulce pode ser resumido em duas palavras: humildade e amor ao próximo. “Essa canonização trouxe a perpetuação dos valores, dos ensinamentos dela, como um ser humano que viveu a vida toda para amar o próximo, com humildade, abnegação e coragem. Tudo isso a gente precisa seguir, nas Obras Sociais, transformando vidas”, conclui.  

Mais de 2 mil logradouros de Salvador citam religiões  A fama de Salvador como uma das cidades mais religiosas do Brasil é confirmada pelos nomes dos logradouros: 2.144 deles citam alguma religião. Esse montante representa pouco mais de 10,1% do total de espaços públicos da cidade. A maioria se refere à Igreja Católica, utilizando termos como Deus, Cristo, Nossa Senhora, Bonfim, Jesus e nomes de padres e pastores. Os santos estão em primeiro lugar: têm 614 logradouros com seus nomes. Em seguida, estão as santas, com 524 menções. 

As religiões de matriz africana são pouco mencionadas. Quem mais aparece é o nome de Ogunjá, uma das denominações do orixá Ogum, 12 vezes. Já Xangô, entidade, considerado deus da justiça, dos raios, dos trovões e do fogo, fica com o segundo lugar, aparecendo 11 vezes nas ruas, travessas, avenidas e vilas. Os jesuítas são mencionados menos vezes, assim como os judeus, pelas palavras sinagoga, shalom, jerusalém e palestina.

Programação especial dos 2 anos de canonização no santuário  O Santuário Santa Dulce dos Pobres, na Avenida Dendezeiros do Bonfim, terá uma programação especial nesta semana. Além das missas diárias - às 7h, 8h30, 12h e 16h - haverá a pré-estreia do documentário “A Luz na Escuridão”, que conta a história do milagre que canonizou Irmã Dulce, nesta quinta-feira (14), às 19h. 

Para participar da sessão, deve-se retirar o ingresso na secretaria do Santuário, entre os dias 07 a 13 de outubro, mediante a troca de 1kg de alimento não perecível. A aquisição do ticket pode ser feita de segunda a sexta-feira, das 7h às 13h e das 14h às 18h. Todo alimento arrecadado será utilizado na produção de quentinhas que serão distribuídas à população em situação de rua. 

O documentário é produzido pela Mandacaru Filmes e dirigido por Toni Couto. Além do diretor da obra, a pré-estreia contará com a presença do miraculado José Mauricio; da superintendente das Obras Sociais Irmã Dulce (OSID), Maria Rita Pontes; de profissionais da instituição; e de devotos e demais admiradores da vida e obra de Santa Dulce dos Pobres. O documentário foi contemplado pelo Edital de Arranjos Regionais do Fundo Setorial para o Audiovisual (FSA), através da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (SECULT-BA), na chamada pública realizada em 2016. 

Ranking de santas mais citadas nos logradouros de Salvador  1) Santa Bárbara - 40 logradouros, sendo 7 ruas   2) Santa Luzia - 36 logradouros, sendo 6 ruas  3) Santa Maria - 36 logradouros, sendo 7 ruas  4) Irmã Dulce - 29 logradouros, sendo 8 ruas  5) Santa Isabel - 28 logradouros, sendo 7 ruas   6) Santa Helena - 20 logradouros, sendo 5 ruas   7) Santa Clara - 15 logradouros, sendo 6 ruas   8) Santa Rita - 11 logradouros, sendo 5 ruas  9) Santa Mônica - 9 logradouros, sendo 2 duas  10) Santa Lúcia - 8 logradouros  11) Santa Rita de Cássia - 7 logradouros, sendo 2 ruas  12) Santa Verônica - 6 logradouros, sendo 1 rua 

Número de logradouros ligados à religião   Santo – 614   Santa - 524  Cristo - 199   Nossa Senhora - 153   Bonfim - 132   Jesus - 81   Padre - 79   Irmã - 69   Cosme - 49   Deus - 34  Pastor - 27  Bento - 22   Fé - 18   João de deus - 16   Frei - 15   Oração - 15   Jerusalém - 13   Palestina - 13   Monsenhor - 12   Ogunjá - 12  Xangô - 11  Papa - 9   Apóstolo - 6   Ogum - 5  Divino - 4   Missionário - 3   Católico - 2   Bíblia - 1  Oxum – 1  Obaluaê - 1  Sinagoga - 1  Jesuíta - 1  Shalon - 1  Profeta – 1  Total: 2.144 

**A pedido, o nome foi alterado para preservar identidade da fonte 

*Sob orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro