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'Governo Lula não está preparado para a guerrilha digital', afirma Wilson Gomes

Professor da Ufba traça um diagnóstico sobre os desafios do governo Lula no cenário digital

  • Foto do(a) author(a) Rodrigo Daniel Silva
  • Rodrigo Daniel Silva

Publicado em 22 de maio de 2025 às 05:00

Professor titular da Ufba, Wilson Gomes
Professor titular da Ufba, Wilson Gomes Crédito: Arisson Marinho/CORRIEO

O professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e pesquisador Wilson Gomes traça um diagnóstico sobre os desafios do governo Lula (PT) no cenário digital. Ele analisa como a esquerda brasileira falhou em se adaptar ao novo ecossistema informacional dominado pelas mídias digitais e comenta o impacto da inteligência artificial nas campanhas. Também aponta os erros da gestão petista em episódios recentes, como o caso da fraude do INSS.

Wilson Gomes lançou recentemente mais duas obras: “Transformações da Política na era Digital” e “A Imagem Política na Esfera Pública”.

As mídias digitais têm afetado mais a política hoje do que a televisão nas décadas passadas?

Não, de jeito nenhum. A televisão foi uma bomba, afetou enormemente. Se você pegar a literatura (da comunicação política) dos anos 60 e 70, você verá o quanto a televisão impactou a política, do debate eleitoral presidencial à forma de fazer publicidade ou propaganda política. O Jornal Nacional colocava 70% da população no sofá da sala. A televisão ainda hoje tem um impacto muito grande. A televisão, basicamente, coloca a comunicação política midiática no centro da discussão. Tem um impacto tremendo.

A televisão, entre 2016 e 2018, pela primeira vez, enfrentou um desafiante num ambiente em que era hegemônica desde os anos 60. E desde então vemos a prevalência dos ambientes digitais, que absorvem tudo. O meio digital não elimina o outro, ele absorve tudo. É por isso que os meios digitais têm um impacto tremendo. Mas é assim até que apareça uma nova grande mídia ou um novo grande conjunto de recursos digitais que provoque uma transformação.

Muito tem se falado agora da Inteligência Artificial. Já é possível perceber casos concretos da IA na política? E o que podemos esperar?

É sempre bom ter prudência. A questão toda para quem estuda política profissionalmente é entender os usos sociais desses recursos todos. A Inteligência Artificial é uma tecnologia. Então, o impacto depende dos usos que as pessoas, os partidos, as empresas, o governo fazem disso. Já há registro da importância de machine learning em campanhas eleitorais antes mesmo desse boom recente da IA generativa. Já se falava sobre uma profunda datificação, que foi a segunda revolução digital. A primeira revolução digital foi a transformação digital da vida, com os meios de integração e que acontece aí na metade dos anos 90 em diante. A segunda foi o fato de que a gente online produz dados, rastros digitais. E esses dados podem ser tratados e transformados em informação. Essa informação pode ser transformada em inteligência. Aí desenvolvendo scripts adequados, você consegue processar muito rapidamente em um enorme volume de dados, chamado Big Data. E processando um enorme volume de dados sobre a população, você descobre coisas sobre as pessoas, tendências, inclinações, preferências, que podem ter implicação política.

O governo Lula foi muito criticado nos dois primeiros anos por causa de erros na comunicação. O presidente trocou e colocou o publicitário baiano Sidônio Palmeira na Secretaria de Comunicação. Houve, na sua avaliação, mudança significativa?

A comunicação governamental no Brasil é muito ruim de fazer. Por muitas razões, pode atribuir culpas a quem está no comando da comunicação, da Secretaria de Comunicação do governo, ou as suas equipes, se quiser. Mas essa responsabilidade é compartilhada com o próprio presidente, com o próprio governo. Os governos de esquerda, o governo do PT, eles se adaptaram muito pouco à transformação digital das comunicações e às interações sociais. E é curioso porque o PT se adaptou muito rapidamente à transformação da comunicação que se deu por causa da televisão. No final dos anos 80, o PT rapidamente se adaptou à gramática da televisão. Tanto que conseguiu se transformar naquela eleição de 89 na maior força política da esquerda. O PDT que ocupava esse lugar. Mas não fez a mesma coisa com o digital.

Como viu o episódio em que a primeira-dama Janja criou constrangimento em um encontro de Lula com o ditador chinês Xi Jinping ao falar do TikTok?

Esse episódio é muito revelador da parca compreensão que tem a liderança, a chefia do governo com relação às comunicações digitais. Uma versão diz que Janja pediu a palavra durante a reunião para explicar ao ditador chinês o mal que faz o TikTok apoiando a extrema direita no mundo. Depois a versão de Lula, que, na verdade, ele tinha perguntado, e a Janja pegou e esclareceu. Mas as duas versões são terríveis. Será que Lula e Janja sabem que Xi Jinping é um ditador? Que a internet mais controlada do mundo é a internet chinesa, que controla a vida de todo mundo?

Então, como explicar para um ditador que um aplicativo chinês é usado para manipular pessoas no mundo todo? No Brasil, realmente é uma falta de noção total de compreensão do que está acontecendo. Depois, pedir um consultor, um assessor do companheiro Xi Jinping para vir ao Brasil para ajudar a fazer uma regulação democrática do TikTok. Não tem cabimento pedir um sujeito que viola a democracia, através da internet, para mandar um assessor. É a falta de compreensão total do que está acontecendo no mundo. É muito difícil fazer uma comunicação governamental eficaz nessa condição.

No caso da fraude do INSS, o governo Lula tem perdido a guerra da comunicação?

Nem entrou na guerra. Na verdade, ele perde sem jogar. No caso do Pix foi menos grave porque a mídia de alguma maneira entrou em socorro do governo. A versão que estava sendo difundida pelos detratores do governo e pela oposição era tão horrível e tão falsa, que aí praticamente todos os departamentos de comunicação fizeram campanha de esclarecimento para tentar socorrer, explicar, enfrentar esse tipo de coisa. E mesmo assim foi um 7 a 1 (contra o governo). Quando saiu o vídeo de Nikolas Ferreira, acabou a conversa. O governo e a mídia perderam a batalha da comunicação. Agora, foi ainda pior, porque como os meios de comunicação não correram para socorrer o governo, mas estavam fazendo o seu trabalho de produzir mais informação sobre as denúncias, o governo não respondeu nada. Não tinha ninguém para falar em nome do governo. Demorou para tomar decisões, para apresentar resultados, para disputar narrativas, para oferecer qualquer tipo de coisa.

Quando começa, o primeiro a falar foi justamente o (ministro da Casa Civil) Rui Costa acusando o ministro da CGU (Vinícius Marques de Carvalho) de não ter feito as denúncias em tempo cabível. Aí o ministro da CGU disse que não e afirmou que o governo estava fazendo sua parte. Eu li que a liderança do PT na Câmara dos Deputados fez uma cartilha impressa de 30 páginas para ensinar os deputados a desmentir Nikolas Ferreira. É como diz aquele meme? Você leva uma faca para uma briga de pistolas. Você vai levar uma cartilha impressa para uma guerrilha digital?

O PT erra ao não reconhecer que falhou no caso da fraude do INSS?

Esse é o erro mais fácil de reconhecer, porque o PT não foi acusado de corrupção. Foi acusado de negligência. E é simplesmente reconhecer o erro. É reconhecer a parte que me toca. Podia dizer: ‘demoramos para tomar as providências, puniremos quem quer que seja. Não vamos proteger o ninho. Todo mundo é punível nesse país’. Quando o PT recorre a um padrão, que já é esperado e detestado para a população, que é negar a participação e transferir a responsabilidade, aí perdeu essa guerra. As pessoas já esperam esse tipo de comportamento de quem é culpado.

O governo não está preparado para o mundo da guerrilha digital em que o mundo se organiza entre detratores e defensores do governo. Tem os neutros, mas eles são um grupo menor. Quando você chama um publicitário para fazer a comunicação do governo, você está, de alguma maneira, renunciando aquilo que é mais característico desse momento. A comunicação eleitoral é uma coisa, a comunicação governamental é outra coisa.

O senhor observou uma vez que a imagem política de Lula foi mudando aos poucos. Qual a imagem política que o presidente tem hoje?

Hoje ninguém tem mais uma imagem. Ou predominante, porque a sociedade está polarizada ideologicamente e polarizada afetivamente. Não é polarização somente em dois polos. Às vezes, tem três, quatro, cinco, seis polos diferentes. E em cada um desses polos funciona como uma lógica grupal. Um sujeito como Lula tem diferentes imagens. Os lulistas e petistas têm uma imagem de Lula positiva. Os anti petistas têm uma imagem terrível de Lula: Lula ladrão. Não importa o que Lula faça. Essa imagem está consolidada.

A oposição hoje é mais dura do que nos dois primeiros governos de Lula?

Não acho que a oposição seja mais dura. A oposição é maior. Se tiver dúvida, só contar os deputados. Você vai ver que a oposição é muito maior. Ela é enorme, é cada vez mais ideológica. Você tinha uma oposição profundamente fisiológica, pronta para se aliar com quem pudesse oferecer o que eles queriam, que era poder do governo, acesso aos recursos do Poder Executivo. Quando os parlamentares têm cada vez mais acesso a recursos do Poder Executivo, por exemplo, como parte do orçamento, passam a depender menos de ocupar cargos do governo. Então, tem uma situação complicadíssima. Esse país é ingovernável nesse modelo.

Mas há impacto das comunicações digitais nisso?

Sempre tem. Nós vimos, a partir de 89, a substituição de uma geração de políticos que eram muito bons em outras atividades políticas, como palanque ou articulação política. Mas que, na época da videopolítica, já não funcionava mais. Então, foram sendo substituídos por figuras mais televisivas. O (Fernando) Collor era um exemplo disso. Era um sujeito de televisão. Versus o (Leonel) Brizola, que era um sujeito de palanque. Então, você vai vendo aí, nos anos 90, a substituição de um sujeito que fala melhor com a televisão, lida melhor com a televisão, sabe usar o recurso das sonoras.

Agora, vem acontecendo a substituição de uma geração que sabe usar melhor os recursos digitais. Tem partidos que sabem usar melhor do que outros. Então, faz parte. Houve uma transformação televisiva da política, que durou dos anos 60 até metade dos anos 2010. E agora está havendo uma transformação digital da política e sabe Deus até quando vai durar mais. Há uma geração inteira de políticos, no mundo inteiro, de tiktokers, de youtubers. E quem não é capaz de se adaptar para essa disputa política, vai ficar para trás. Fatalmente vai ficar para trás. Se o PT quiser ter um futuro, ou a esquerda tiver um futuro, ele tem que rapidamente aprender isso. A extrema direita é nativa digital. A sua ascensão ao poder se deu num ambiente em que já tinha havido a transformação digital e a datificação da sociedade. Políticos da geração de Lula vão ficando para trás. A esquerda sindical vai ficando para trás.

O bolsonarismo tem chance de voltar ao poder em 2026?

Não sei. O Bolsonaro provavelmente será impedido de se candidatar, como aconteceu com Lula em 2018. E isso muda muito. Não há ainda um substituto que possa aparecer. Nikolas Ferreira não tem idade.

Nikolas Ferreira seria um candidato fortíssimo hoje contra Lula?

Nikolas seria um candidato fortíssimo. O que impede Nikolas de ser um grande candidato de oposição a Lula hoje é somente a idade dele. Ele é muito forte digitalmente. Ele tem uma grande influência.

E Lula tem chance de reeleição?

Sim, porque falta um desafiante. Então, assim, inicialmente, pode ser Lula, a não ser que ele meta o pé na jaca ou aconteça alguma coisa. Afinal de contas, Lula já é um ancião e tem muita coisa, não é? Veja o caso (do ex-presidente americano Joe) Biden lá (nos Estados Unidos).

Wilson Gomes é professor de Teoria da Comunicação na Universidade Federal da Bahia, pesquisador e orientador no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da mesma universidade. Mestre e Doutor em Filosofia (Universitas a Scte. Thomae, Roma) e graduado em Teologia (Universitas Gregoriana, Roma).