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Rodrigo Daniel Silva
Publicado em 12 de junho de 2025 às 05:00
A eleição de 2026 na Bahia tende a ser uma das mais acirradas das últimas décadas. Segundo o cientista político e CEO da Quaest, Felipe Nunes, o cenário no estado está aberto - e isso se deve, em grande parte, à queda de popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). >
O enfraquecimento de Lula, no entanto, vai além das falhas na comunicação do Planalto. Mesmo com as recentes mudanças na equipe responsável por divulgar as ações do governo, os índices de desaprovação seguem altos. Para Nunes, o problema é mais profundo: há um desgaste na imagem do próprio presidente, alimentado pela percepção de que Lula se distanciou das demandas populares e por uma frustração crescente com promessas não cumpridas.>
O governo Lula promoveu mudanças em sua equipe de comunicação, mas isso não se traduziu em uma melhora nas pesquisas de opinião. Pelo contrário: a maioria dos eleitores continua desaprovando a gestão do petista. O problema do governo Lula, então, vai além da comunicação?>
Já tem um tempo que a gente tem avaliado que a comunicação do governo tem um problema, principalmente, porque há uma dificuldade grande do Lula de conseguir se conectar com esse mundo digital. Acho que isso está muito bem documentado. Mas a manutenção dos indicadores de reprovação no patamar alto confirmam essa ideia de que sim, o governo está com dificuldade para além da comunicação. E a dificuldade tem a ver com o quê? Eu acho que, primeiro, com um certo desgaste de imagem do próprio presidente, uma ideia de que ele se desconectou da população, de que ele hoje compreende menos os anseios, os desejos da população. Dois, uma incapacidade do governo de cumprir suas promessas. Três, que eu acho o elemento mais importante, que é a incapacidade do governo de dar respostas e ser de fato capaz de mudar a percepção que, pra mim, é a mais relevante de que o Brasil está indo na direção errada. 61% dos brasileiros acham que o país não está indo na direção certa. Isso é muito difícil quando você está pensando num projeto de poder de futuro. Não é sobre o que está acontecendo agora. É sobre para onde o governo está levando as coisas. Então, não é só comunicação não. É um problema político muito maior.>
Há ainda um favoritismo de Lula para a eleição de 2026? >
O mais impressionante dessa pesquisa da Quaest (divulgada no dia 4 de junho) é que, se a eleição fosse hoje entre Lula e Bolsonaro, o resultado seria idêntico ao de 2022, três anos depois. Lula teria 41% e o Bolsonaro 41%. Ou seja, estão numericamente empatados, que foi o que aconteceu na eleição de 22. Lula é um incumbente. É o nome mais conhecido no Brasil, é o nome que mais disputou eleição no Brasil, tem recall, tem imagem, tem tudo isso. E o incumbente sempre é favorito nas eleições nacionais. Então, ele continua sendo o homem a ser desafiado. Agora, essa competitividade vem diminuindo ao longo do tempo, e outros nomes, como Tarcísio (Freitas), (Romeu) Zema, (Ronaldo) Caiado, Michelle (Bolsonaro), começam a aparecer como nomes que podem enfrentar o Lula em pé de igualdade. Eu acho que essa é a grande novidade da pesquisa, que mantém o Lula como o cara a ser batido, mas que dá força a esses outros nomes para chegar a competir. >
O que os candidatos da direita precisarão para derrotar Lula em 2026? Ou, ao contrário, o que Lula precisará evitar para garantir sua reeleição?>
Hoje, você tem basicamente 10% do eleitorado em disputa. O que eu quero dizer com isso? Você tem ali os eleitores lulistas, que, com certeza, vão votar no Lula, e os eleitores bolsonaristas que, com certeza, vão votar no candidato antipetista. E aí, no espectro, você tem aquele eleitor que não tem posição. Não consegue se classificar como lulista, bolsonarista, como de esquerda, de direita. Vai ganhar o presidente que conseguir conquistar corações e mentes desses 10%. É isso que está em jogo. Quem são eles? Estamos falando da população adulta, classe média, uma população majoritariamente marcada por um público masculino e esse povo tem um desejo claro: eles querem melhorar sua qualidade de vida. Então, quem conseguir vender a ideia de que vai melhorar a qualidade de vida para esse público - esses 10% - vai sair em vantagem. Aí vai depender de quanto o Lula consegue empregar isso nos próximos dois anos com credibilidade ou quanto a oposição consegue fazer o mesmo. >
Há alguma chance, na sua visão, de Lula desistir da reeleição?>
A pesquisa mostra que 66% dos brasileiros acham que o Lula deveria não ser candidato. Esse é um número que vem aumentando a cada nova rodada de pesquisa e vem aumentando de maneira significativa. O que obviamente é o resultado do desempenho dele, mas também de um certo cansaço de produtos. Acho que esse é um dado relevante para a conversa. Agora, o Lula é um animal político que se alimenta de política, se alimenta da disputa do conflito. O Lula sempre gostou disso, e o PT não tem outro nome. Eu acho que esse é o maior desafio que a esquerda tem. Se o Lula não quisesse ou não pudesse, as alternativas não são tantas. Então, por conta disso, acho que a chance dele manter a candidatura é maior, embora a pressão tenha aumentado para uma desistência. >
Felipe Nunes
diretor da QuaestO senhor afirmou que Lula não contará com o apoio dos evangélicos em 2026. Segundo dados do IBGE divulgados na semana passada, esse grupo já representa 26,9% da população brasileira. É possível vencer uma eleição presidencial sem o apoio desse eleitorado?>
Dá. Na última eleição, o Lula já não teve o apoio dos evangélicos em 2022. A maioria dos evangélicos já estava votando contra o Lula. A mesma coisa aconteceu em 2018 quando o (candidato do PT à Presidência foi Fernando) Haddad perdeu. Então, sim. Em 2022 , Lula venceu por pouco, mesmo tendo o apoio deles. O que faz a diferença agora é que o crescimento contínuo deste público vai aumentando os desafios do governo. Não conseguindo falar com eles, não conseguir se conectar com eles, o que o governo está fazendo é aos poucos indo perdendo base. Tinham 22%, agora são quase 27%. Se considerarmos apenas a população adulta - ou seja, aqueles com 16 anos ou mais, que já têm direito ao voto - o percentual de evangélicos é ainda maior. Esse número pode chegar a 29% ou até 30%. Então, com esse número crescente na sociedade, o Lula vai aos poucos diminuindo o contingente de votos para ele. Isso, para mim, é o desafio que vai explicar, em grande medida, o resultado de 2026.>
O ex-presidente Jair Bolsonaro corre o risco de perder capital político caso demore a definir e anunciar um nome para apoiar na disputa presidencial de 2026?>
Sim. O que está acontecendo é que, com o passar do tempo, os candidatos da direita estão conseguindo crescer o seu desempenho eleitoral sem apoio do Bolsonaro, caso do Tarcísio, Zema, Caiado. Eles estão crescendo nas pesquisas, e aos poucos estão ficando cada vez mais competitivos, e Bolsonaro passa a ser irrelevante, se ele não definir logo o que vai acontecer. As pessoas já estão pensando no futuro. Estão começando a se identificar com outros nomes. Isso está tirando dele a oportunidade de fazer a indicação. O timing político de Bolsonaro vai ser importante daqui para frente.>
Felipe Nunes
diretor da QuaestO eleitor pode estar mais focado em tirar Lula do poder do que em quem vai substituí-lo?>
A eleição de 2026 vai ser sobre o governo Lula, sem dúvida nenhuma. A disputa está dada: Lula continua ou Lula sai. Se a disputa for contra o Bolsonaro, a chance da eleição ser sobre rejeição é muito grande. Lula sabe que se ele enfrentar o Bolsonaro, ele tem mais chance por causa da rejeição (do ex-presidente da República). Agora, se Lula enfrentar um outro nome da direita, mais moderado, sem a rejeição acumulada do Bolsonaro, aí não vai ser uma eleição de rejeição. A gente caminha num cenário diferente. O que estará em disputa são os programas. É uma disputa que depende da concorrência.>
Em 2022, se falou muito de uma terceira via. Há chance da terceira via em 2026?>
A própria dinâmica da eleição claramente sugere que não. A disputa vai se dar em torno dos polos petista e antipetista. A ideia de terceira via foi fabricada para tentar superar esses dois polos. Lula e Bolsonaro, mesmo não estando na disputa, vão continuar relevantes.>
Quais serão os temas principais da campanha de 2026?>
Pensando no que interessa às pessoas, eu diria que a segurança pública estará no centro do debate. Outro tema que ainda não está muito aparecendo, mas vai aparecer é o mercado de trabalho. Eu acho que vai aparecer muito forte a discussão sobre empreendedorismo, porque as pessoas estão buscando alternativas, formas de empreender, de prosperar, sem necessariamente ser com carteira assinada. Esse debate vai estar colocado. Outro tema que estará, com certeza, é como a gente lida com a inteligência artificial. Vai ser um novo mundo do trabalho, que vai deixar muita gente inútil. A inteligência artificial ocupa uma série de espaços, que eram originalmente do trabalho. Eu diria que segurança, mercado de trabalho e inteligência artificial vão estar no debate, como o Brasil vai lidar com essas questões. >
A anistia vai ser um tema de discussão? >
Não, eu não acredito que esse é um tema central, não. A gente pode ver pela própria mobilização e engajamento da população em torno, por exemplo, do debate que está acontecendo agora no Supremo sobre o golpe. Tem pouco interesse, tem pouca atenção, pouca gente falando disso em rede social. Ou seja, esse tema me parece bem resolvido. As pessoas reconhecem que houve uma tentativa de golpe, não há espaço para uma discussão grande. Então, não parece que esse é um tema que vai mobilizar as pessoas.>
O senhor destacou que Lula teve um papel decisivo na vitória de Jerônimo Rodrigues em 2022. Diante da queda de popularidade do presidente, o cenário eleitoral no estado fica em aberto para 2026?>
Eu acho sim. Se tem um estado que se beneficiou da vantagem que o Lula tem, foi a Bahia. A Bahia sempre foi um estado marcado por essa experiência forte das políticas do governo federal. E perder popularidade acaba abrindo espaço para nova disputa. O PT governa o estado há muito anos. Tem sido efetivo na disputa eleitoral, mas me parece que há espaço, sim, para uma discussão, que seja para além da força do PT, justamente por essa menor influência do Lula e do PT nacional.>
O ex-prefeito de Salvador ACM Neto chegará competitivo em 2026?>
O principal adversário do atual governo é ACM Neto. E as pesquisas mostram que ele está no patamar de disputa parecido com o do atual governador. Eu projeto uma eleição muito acirrada, muito disputada, como foi a de 2022, mas dando tanto ao ACM quanto ao Jerônimo a possibilidade de disputa justamente porque diminuiu a força do Lula como um puxador de votos.>
Quais os desafios da oposição aqui na Bahia?>
O ponto central é compreender se o desgaste que o Lula enfrenta nacionalmente também existe em nível local. Ou seja, se as pessoas já estão cansadas, ou não, do modelo que o PT apresenta no estado. A questão aí é descobrir e avaliar quanto desse cansaço do produto está dado, para tentar de alguma maneira entrar nessa brecha. Acho que a oposição na Bahia tem o mesmo desafio da oposição no Ceará, que é enfrentar uma hegemonia política que está há muito tempo no governo.>
Felipe Nunes é Ph.D. em ciência política e mestre em estatística pela Universidade da Califórnia em Los Angeles. É professor na UFMG, além de diretor da Quaest Pesquisa e Consultoria >