Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Elaine Sanoli
Publicado em 30 de março de 2025 às 06:00
Ao menor sinal de grandes festejos, a estudante Júlia Bidu, 22, corre para planejar alguma viagem e fugir do caos que toma a cidade. Mas, quando se trata de Salvador, qualquer celebração tem potencial para virar uma grande farra. “Eu não tenho o costume de frequentar festas em Salvador, e o que me faz não gostar é justamente a grande muvuca, aglomeração e ‘zoada’. Questões de segurança também influenciam muito”, explica a jovem, que aponta a religião como uma terceira razão para evitar os eventos na capital baiana.>
Mesmo quem escolhe ficar de fora do furdunço acaba vivenciando os transtornos que a folia deixa pelo caminho. Para Júlia, a maior queixa é o caos no trânsito da cidade. “Sempre tem muito engarrafamento, algumas vias são fechadas para determinados eventos, e há uma redução na oferta de transporte público para que as ruas fiquem mais abertas e livres para as festas”, reclama. >
Ao lado da família, ela mora no Pau Miúdo e afirma não sentir tantos efeitos da folia no dia a dia, o que é motivo de alívio. Mas, durante épocas como o Carnaval, São João e Ano Novo, sua estratégia é se programar para não correr o risco de enfrentar a ‘muvuca’ na cidade. “Ou fico em casa, ou viajo para algum lugar diferente, de forma antecipada e planejada, porque até para utilizar os meios de locomoção, como ferry-boat, ônibus e metrô, essa agitação acontece”, diz.>
E se, por um lado, é relativamente fácil encontrar um escape das festas, encontrar sossego é bem mais difícil devido ao grande número de bares que funcionam diariamente, especialmente nos finais de semana. A paisagista Maria Dolores Martins, 62, vive há quase 40 anos no Santo Antônio Além do Carmo, bairro vizinho ao Pelourinho, e quase toda semana precisa lidar com a farra do Centro Histórico. “A minha janela do quarto fica virada para o Pelourinho e a gente escuta todo aquele som. Não tem como dormir direito, porque tem dias que as festas vão até as 4h na Escadaria do Passo”, reclama.>
Nos dias em que a agitação no próprio bairro é grande demais, ela prefere buscar abrigo na casa de pessoas próximas, que vivem em locais mais tranquilos. “Nos dias de festa com mais movimento, fui para Boa Viagem, para a casa do meu namorado e fiquei lá. No Carnaval, também fiquei alguns dias lá por conta do Pelourinho”, lembra.>
O sofrimento é compartilhado pelo trabalhador autônomo George Nunes, 28. “Tem um bar de coroa perto da minha casa que toca música alta nas noites de sexta e sábado. É horrível porque não dá para assistir a um filme direito, sou obrigado a escutar os grandes sucessos de Amado Batista”, brinca. >
Morador do Imbuí, um dos points favoritos dos soteropolitanos em dias de jogos, por exemplos, ele adota uma estratégia comum entre os ‘haters’ da agitação: “Minha solução é viajar sempre que posso. Quando estou em casa, entro no quarto, fecho a porta e a janela para tentar bloquear o som”, diz.>
No verão, Salvador ferve e o termômetro de festas dispara. Mas não se engane: para o soteropolitano, não tem tempo ruim. Só no último ano, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Urbanismo (Sedur) contabilizou 3.155 licenças emitidas, o que equivale a uma média de 8,6 eventos por dia, entre shows, feiras, eventos artísticos, culturais e esportivos. A cidade nunca para.>
Na Barra, por exemplo, um dos bairros mais populares entre os turistas e soteropolitanos, os moradores não têm um segundo de paz. É dela, inclusive, o posto de bairro com mais eventos autorizados pela Sedur. Segundo o presidente da Associação de Moradores e Amigos da Barra (Amabarra), Waltson Campos, uma reclamação recorrente dos residentes é em relação à grande quantidade de eventos, que geram transtornos para a mobilidade viária, além de poluição sonora e ambiental. >
“Sempre estamos tentando limpar a desordem do evento anterior. Montam-se e desmontam-se palcos praticamente todo mês. Não há respeito com a população local. A lei do silêncio é ignorada, especialmente para os moradores nas proximidades do Farol. Grandes eventos exigem estruturas (banheiros, grades, tapumes), e esses transportes causam transtornos, tanto na mobilidade quanto na degradação do espaço público”, argumenta.>
Para quem mora no Campo Grande, o Circuito Osmar durante o Carnaval, a situação não é muito diferente. “Já ouvi vizinhos dizendo que fecham todas as janelas e dormem nas dependências voltadas para o outro lado da rua, onde o barulho chega com menor intensidade. Eles compram protetores auriculares para abafar o som, mas, ainda assim, é incômodo”, relata o designer Maviael Neto, 28.>
Embora Salvador viva a farra o ano todo, até quem detesta a muvuca não ousa arredar o pé dessa cidade. A capital da Bahia, consagrada pelo hábito de nunca ter tempo ruim para festejar, também abriga atrações paradisíacas, história e cultura que encantam qualquer pessoa, seja de passagem ou com raízes fincadas. “Eu costumo ir ao shopping, à praia em dias mais tranquilos e a museus. Gosto de visitar pontos turísticos como Pelourinho, Santo Antônio Além do Carmo e Barra, além de conhecer rodízios e restaurantes de Salvador”, elenca Júlia.>
“Não tenho vontade nenhuma de sair daqui, muito pelo contrário: eu amo esse lugar, é pertencimento”, declara, em concordância, Maria Dolores.>
Morador da Barra há 17 anos, o presidente da Amabarra também é um grande admirador das belezas naturais e históricas do bairro que abriga as praias do Farol e do Porto, essa, que inclusive, já foi considerada uma das praias mais bonitas do mundo em artigo do jornal britânico The Guardian; o Parque Marinho da Barra; e o Morro do Cristo. >
“Pequenos eventos, feiras, atividades culturais e esportivas são bem-vindos, o bairro merece receber coisa bacana e não pode ser só lembrado para a exploração da sua imagem. Respeito é tudo que queremos, com os moradores, comerciantes, frequentadores e com a Barra”, expressa.>