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'90% do que fiz já não existe mais', diz Kobra, principal representante brasileiro da street art

Ele será o autor de um mural sobre Irmã Dulce

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 8 de janeiro de 2020 às 05:49

 - Atualizado há 2 anos

Por quatro anos, uma parede do chamado High Line, um dos parques elevados de Nova York, foi mais famosa do que o próprio local. Entre 2012 e 2016, gente de todo o mundo vinha para tirar fotos da razão dessa fama: o mural O Beijo, um painel de 11 metros de altura por 17 de largura pintado pelo artista brasileiro Eduardo Kobra. 

Reconhecido mundialmente no cenário da street art, Kobra esteve em 40 países somente no ano passado. Já passou por cidades como Mumbai (Índia), Chicago (EUA) e Amsterdã (Holanda) figuras como Mahatma Gandhi, Martin Luther King, Anne Frank e Albert Einstein. É dele, inclusive, o recorde de maior mural grafitado do mundo: uma homenagem ao chocolate, com 5,7 mil metros quadrados, na Região Metropolitana de São Paulo. Antes disso, o recorde também era seu: o painel Etnias, no Rio de Janeiro, com quase três mil metros quadrados. 

Mas talvez nenhuma obra tenha sido tão icônica quanto O Beijo. No projeto, recuperou um dos mais famosos registros da comemoração pelo fim da Segunda Guerra Mundial – a foto de Alfred Eisenstaedt em que o marinheiro George Mendonsa beija a enfermeira Greta Friedman na Times Square, em 1945. Só que, em sua obra, Kobra adicionou uma explosão de cores, luzes e formas.  O mural O Beijo ficou por quatro anos em Nova York, até ser apagado em 2016 (Foto: Reprodução) Resultado: o mural O Beijo chegou ser um dos 10 locais mais fotografados de toda Nova York. O painel se tornou tão icônico na cidade que a administração local cogitou transformá-lo patrimônio imaterial. 

No entanto, diante disso, o proprietário do prédio onde ficava a obra tomou uma decisão polêmica e criticada por muitos até hoje: apagar o mural.“Alguns murais eu acabo fazendo de novo quando são removidos. Outros não. Porque arte de rua acaba sendo mais efêmera mesmo. De forma geral, 90% do que eu fiz não existe mais”, explica o artista. Faltava, porém, vir a Salvador. Paulista nascido no Campo Limpo, comunidade carente de São Paulo, Kobra nunca tinha trabalhado na Bahia. Agora, ele está na cidade: em entrevista coletiva, na manhã desta terça-feira (7), anunciou que fará sua primeira obra no estado. Na fachada do Shopping Barra, na Avenida Centenário, vai assinar um mural em homenagem a Irmã Dulce, a primeira santa brasileira. 

“Essa obra vem de encontro ao meu projeto Olhares da Paz porque Irmã Dulce representa – não só para Salvador e para a Bahia mas para o mundo – uma pessoa com princípios que seguem inspirando gerações pelo seu trabalho social e pelos valores”, completa. 

Na conversa com jornalistas, Kobra deu detalhes sobre o trabalho, falou sobre como a arte de rua é vista hoje e quais são os maiores desafios para os artistas. 

Confira os principais trechos da entrevista 

O mural de Irmã Dulce será sua primeira obra em um shopping center. A localização de uma obra interfere na concepção do trabalho? No ano de 2019, eu fui convidado para mais de 40 diferentes países. Graças a Deus, hoje tenho o privilégio de escolher os países onde eu vou. Eu gosto de escolher os lugares que eu possa passar algum tipo de mensagem. Esse painel em Salvador está dentro de uma série chamada Olhares da Paz, que tem murais de Dalai Lama, Martin Luther King, Nelson Mandela. 

Eu tenho um princípio no meu trabalho que, para conseguir realizar a obra em tantas cidades os convites partem de diferentes tipos de organizações. Às vezes, eles vêm de particulares, muitas vezes de galerias, muitas vezes de empresas, de governo, como o que acabei de realizar na semana passada nos Emirados Árabes (Unidos). Foi um painel de três mil metros a convite do governo. 

Eu vejo que as empresas com esse ponto de vista de vanguarda são facilitadoras para que minha obra aconteça. O que eu acho mais importante é que que os princípios e valores de meu trabalho sejam preservados. Quem acompanha o meu trabalho vai ver que eu já tenho um conceito de trabalhos voltados relacionados à paz e pessoas que lutaram pela paz. 

Então, quando apresentei essa proposta para o shopping, que aprovou, os valores do meu trabalho não tiveram que ser aprovados. A fachada lateral do shopping está sendo utilizada como suporte, como uma tela para o meu trabalho, com as características originais. É um privilégio e é uma forma de fazer com que mais arte aconteça nas ruas da cidade. 

O que da história de Irmã Dulce te chamou mais atenção e pode ser trazido para o painel?  Eu não podia deixar de fazer um painel sobre Irmã Dulce pela sua doação, pela sua caridade, pelo seu exemplo de vida, por tudo que ela proporcionou. Acho que é um exemplo de pessoa a ser seguido por todos nós. As obras que ela deixou ecoam até hoje com tantas vidas sendo transformadas. 

É muito emocionante para mim ser brasileiro e ter uma brasileira da Bahia, de Salvador, tão importante para o mundo e ter o privilégio de retratá-la em um dos meus murais da paz. Eu tenho uma base, mas essa semana vou visitar os lugares onde ela viveu, percorreu. Quero ter mais inspirações para acrescentar alguns elementos. 

Mas geralmente eu faço uma pesquisa iconográfica. Já fiz uma série de pesquisas, encontrei imagens importantes. Agora, de acordo com o andamento, vou poder evoluir e acrescentar outros elementos. 

Esse exemplo de dedicação, abrindo mão de tantas coisas em prol da vida do próximo e mudando assim a realidade a vida de tantas pessoas, assim como tantos líderes da paz mundial fizeram, é um grande ponto. É o ponto para inserir esse mural da Irmã Dulce no conceito dos grandes líderes da paz. 

Já tem alguma ideia do que vai ser feito? Essa lateral tinha um desafio que é uma questão de proporções, de tamanho mesmo. Algumas paredes são mais horizontais, outras mais verticais. Essa daqui tem uma característica que são 33 metros de altura por 9 metros de largura. 

Ou seja, é ela é muito mais alta e mais estreita. Em trabalhos sobre personalidades, faço como o mural que eu fiz do (Mahatma) Gandhi, em Mumbai. Para realizar esse mural, eu fui na casa onde Gandhi viveu, fiz toda uma pesquisa do acervo fotográfico e histórico sobre ele. Da mesma forma fiz uma pesquisa bastante intensa com todas as imagens relacionadas a Irmã Dulce e encontrei algumas imagens. Tem uma que já é minha preferida e que a gente deve partir dela, que é uma imagem em que Irmã Dulce está abraçando uma criança. 

Pode contar como conseguiu os recordes mundiais? Eu nunca procurei essa questão do Guiness (Book, o Livro dos Recordes), aconteceu espontaneamente durante um mural que fiz nas Olimpíadas (do Rio de Janeiro, em 2016). Esse é um mural de três mil metros quadrado. Quando esse mural estava sendo realizado, as pessoas começaram a marcar nas redes sociais que era o maior do mundo. Entraram em contato com o Guinness e as pessoas do próprio Guiness foram até lá. E esse mural também é dessa linha da paz, da união entre os povos e os cinco continentes juntos. 

Na sequência disso, dois anos depois, acabei fazendo um outro painel na Castello Branco, que é uma rodovia em São Paulo. É um mural de seis mil metros que acabou superando esse e ficaram os dois no Guiness. É um exemplo dentro desse conceito porque ele é baseado nos trabalhadores da Amazônia que trabalham com cacau.  O mural de Anne Frank fica em Amsterdã, na Holanda (Foto: Reprodução) O que aconteceu com o mural O Beijo, que foi apagado em Nova York?  Esse mural chegou a ficar entre os 10 pontos mais fotografados de Nova York na ocasião em que foi feito. Mas acontece que o dono do espaço recebeu uma notificação da prefeitura de que o muro seria tombado como patrimônio histórico da cidade. E aí o cara tomou uma decisão e apagou o muro, derrubou o muro, para poder construir um novo prédio. Alguma coisa desse tipo. Hoje, ele não existe. Ele foi apagado pela carta que recebeu da prefeitura.

Você pretende refazer? Eu tentei refazer esse painel. No ano passado, eu estive em Nova York e fiz uma série de 18 murais chamada Cores pela Liberdade. Dentro dessa série, eu tentei refazer, mas por conta de uma autorização, não deu certo. Mas acredito que no próximo ano devo fazer novamente. 

Alguns murais eu acabo fazendo de novo quando são removidos. Outros não. Porque arte de rua acaba sendo mais efêmera mesmo. De forma geral, 90% do que eu fiz não existe mais. 

Um de seus trabalhos foi coberto há dois anos pela prefeitura de São Paulo. Como esse tipo de arte é visto aqui no Brasil e visto lá fora? É diferente?  São Paulo é uma das principais cidades do mundo em relação a street art. No Brasil, de uma forma geral, há muitos artistas importantes em várias cidades brasileiras e esses artistas são sempre convidados para pintar em vários locais do mundo. Artistas brasileiros, hoje, pelo tipo de estética, pela criatividade, pelos materiais, têm feito um trabalho diferenciado. 

Acho que já não existe mais aquele preconceito que tínhamos antigamente. Eu comecei a pintar em 1987, comecei realmente de forma ilegal. E era muito mais difícil. Com o passar do tempo, acho que as pessoas já começaram a tomar conhecimento de que não existe diferença entre a arte que é feita numa galeria e a arte que é feita nas ruas. 

Um artista pode nascer em qualquer lugar. Pode nascer numa área simples, carente; pode ter estudado nas melhores escolas ou ser autodidata. A cada dia que passa, eu acho que as cidades estão percebendo a importância desses artistas. E apagar qualquer arte pública é um crime. 

E existe também a questão do próprio respeito nas ruas. Isso já existe entre os artistas e eu creio que agora as autoridades, os governos, as cidades e empresas estão percebendo a importância desse tipo de arte. É arte pública, para todas as pessoas, e contribui com o espaço urbano. É importante para a cidade, modifica um pouco. Dá vida ao caos, ao trânsito, à poluição. Quanto mais arte de rua tiver, para as pessoas e para as cidades, melhor. 

Você já se definiu como ex-pichador. Como foi essa transição da pichação até se considerar um artista? Não é uma questão de evolução. Não posso dizer que eu era X ou Y, ou que sou melhor que X ou que Y. Arte de rua é multifacetária. Existem diferentes formas de se pintar as ruas. Tem gente que pinta de spray, de compressor. Isso é bacana para a arte de rua: as diferenças estéticas e possibilidades infinitas porque cada um pinta da forma que achar melhor. 

Cada um tem sua história, sua trajetória. E cada um se manifesta dentro do que acredita. 

Eu comecei de forma ilegal. Comecei com pichação, em 1987 e fiquei por alguns anos dessa forma. Cheguei a ser detido fazendo isso mas eu já tinha afinidade com desenho. Nasci numa comunidade carente de São Paulo, que é o bairro do Campo Limpo. Eu já desenhava em cadernos, em papel. 

Eu comecei a fazer esses desenhos nos muros, primeiro com a pichação. Fui fazendo de forma ilegal. Depois passei para o grafite, mas o grafite, em si, são desenhos, mas não têm autorização de ninguém. Eu fiz isso também em durante muitos anos. 

Depois, de acordo com a técnica que eu comecei a fazer com luz e sombra, eu levava mais tempo pra pintar. Passou a ser um trabalho de mural. Passei por esses três momentos – de pichação, de grafite e de mural. Mas tenho amigos que começaram a pintar comigo lá atrás e continua na pichação, continua no grafite. É uma decisão de cada um. 

Como acha que deve ser o tratamento dos artistas de rua pelo poder público? A única coisa que os artistas querem é ter um espaço, algum tipo de ajuda, de apoio. Muitos deles fazem isso de forma espontânea, voluntária. Tudo que a prefeitura, o governo, as cidades podem fazer é incentivar esses artistas porque eles têm muita coisa boa para acrescentar para as cidades. Eles só precisam de um espaço, de apoio, de ajuda de tintas e tudo mais. 

Reprimir esse tipo de arte é uma coisa que, nos dias de hoje, não é mais aceitável. Realmente, não há diferença nenhuma da arte que é feita nas ruas de um artista que nasceu muma comunidade carente. Existem tantos talentos nas comunidades esperando algum apoio e acabam não encontrando. Alguns vão para o crime, para as drogas, ou acabam trabalhando em coisas que não têm muito a ver com a sua área de atuação, aquilo que ele tem o dom. Todo artista modifica as ruas para melhor. 

O que você acha da cena de street art em Salvador? Desde o dia que eu disse que estaria por aqui, em Salvador, recebi muitas mensagens de artistas daqui. Ainda não os conheci, mas tenho interesse em conhecer um pouco mais da cena da street art da cidade. Quero ter oportunidade de fazer esse intercâmbio, conhecer os artistas locais e conhecer os locais da cidade. Em muitos locais que eu vou, acabo ficando do muro para o hotel.