Baiano cai em golpe que oferecia passagens aéreas por metade do preço

Envergonhado, vigilante descobriu outras vítimas na internet; saiba como evitar

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  • Nilson Marinho

Publicado em 8 de junho de 2018 às 13:30

- Atualizado há um ano

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O vigilante de 29 anos sente vergonha de revelar o nome. Baiano de Salvador, ele só queria fazer um agrado à namorada carioca, à qual resolveu presentear com quatro passagens áreas para que ela o visitasse. Foi em busca de bilhetes mais em conta, coisa que estava sendo difícil encontrar nos sites confiáveis. Até que um anúncio tentador, no Facebook, lhe chamou a atenção: quatro passagens de R$ 1,5 mil pela metade do preço.

Esse valor não tinha como deixar passar. O vigilante fechou negócio com o anunciante, mas nunca recebeu as passagens. Era um golpe, denuncia ele. Foto:Acervo Pessoal O golpista, de acordo com a vítima, utilizava um perfil na rede social com o nome de Nereu Passagens. Em vários grupos do Facebook postava anúncios de passagens com o valor bem menor do que as companhias aéreas oferecem. Algo a se duvidar, mas que, a princípio, não deixou o vigilante com o pé atrás.

A promoção era muito tentadora e o que ele mais queria, naquele momento, era ter a amada ao seu lado. 

O primeiro contato com o suposto golpista aconteceu em abril deste ano, mas o vigilante só fechou negócio um mês depois, em maio. Durante esse período, estabeleceu um diálogo amigável com o representante da empresa, com trocas de SMS e mensagens no WhatsApp. 

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CNPJ e dinheiro na conta Para lhe deixar mais confortável, o anunciante disponibilizou até o CNPJ da empresa que, inclusive, possuía razão social: a Nereu Tour, sob a responsabilidade de Nereu Porto de Oliveira Júnior. 

Agora, a empresa está com o registro cancelado. O CORREIO entrou em contato diversas vezes com o número disponinilizado no registro da Receita Federal, mas ninguém atendeu às ligações. Foto: Acervo Pessoal Durante o período que esteve em contato com o representante, o vigilante chegou a buscar outras ofertas, mas nada era tão tentador quanto aquela promoção. O suposto golpista se manteve solicito o tempo inteiro, dando garantias de que as passagens seriam enviadas após uma transferência bancária. Tudo mudou, no entanto, quando o dinheiro, conseguido a muito custo pela vítima, caiu na conta do tal Nereu Porto.

Ameaças Foram várias as cobranças após a transferência. A namorada e a filha dela tinham que embarcar no dia 30 deste mês e retornar para o Rio no dia 16 de agosto. Nereu, então, 'pegou ar' após a vítima fazer desabafos nas suas redes sociais, denunciando o conto do vigário."Ele me disse que precisava dos dados dos viajantes (namorada e filha dela) para emitir as passagens por um site de uma empresa de aviação. Mas as passagens nunca eram enviadas. Quando eu comecei a procurá-lo, ele passou a me ameaçar", conta a vítima. Em um áudio enviado pelo suposto golpista à vítima, Nereu diz que só devolveria o dinheiro ao vigilante assim que ele apagasse as publicações."Tranquilo, irmão. Não vai receber, não. Só vai receber quando apagar. (...) Pode postar, compartilhar, pode continuar fazendo a desgraça, o que você quiser, mas na hora que eu ver tudo apagado eu deposito", disse o suposto golpista.Difícil mesmo foi o vigilante explicar para a namorada que tinha caído em um golpe e que a viagem dela, ao lado da filha, à Bahia, estava comprometida."Fiquei com muita vergonha de contar, mas fiz. Ela ficou retada e me disse: 'como você pode ter caído nisso? Eu sempre viajo pra Bahia comprando passagens nos sites das empresas aéreas'", lembra.    Outras vítimas A vítima, no entanto, continuou tentando evitar o prejuízo. Pela internet, encontrou outras pessoas que também fecharam negócio com a empresa e não obteveram retorno. Pessoas do estado de São Paulo, Pernambuco e Pará, que também depositaram os valores das passagens na conta de Nereu. 

Uma dessas vítimas foi o publicitário pernambucano André Luiz, 32. Com ele aconteceu assim: o suposto golpista oferecia as passagens utilizando outro perfil, provavalmente falso, com o nome de Alan Olvieira. Para o publicitário, Alan ofereceu milhas promocionais que custavam R$ 500, para qualquer destino nacional. O destino escolhido foi São Paulo, mas André nunca conseguiu embarcar.

Após feito o depósito, só promessas. Alan enrolou, enrolou, até que o publicitário se deu conta de que havia caído, de fato, em um golpe.

Caça ao Nereu Depois disso, André resolveu, por conta própria, iniciar uma investigação para tentar descobrir a verdadeira identidade do suspeito.

"O depósito bancário foi feito em nome de outra pessoa, o Nereu Porto de Oliveira. Segundo o anunciante da passagem, o Alan, o titular da conta era um primo", conta André.

Ele desconfiou. Jogou o nome de Nereu no Google e obteve informações como endereço, currículo e até números telefônicos. Ficou comprovado, para ele, que Alan e Nereu eram uma única pessoa.

Depois disso, o publicitário passou a denunciar o caso nas redes sociais. Até que Nereu entrou em contato, solicitando a retirada do conteúdo que o difamava. Foi a partir dessas publicações que a vítima conheceu outras pessoas que também haviam feito a transferência e não recebido os bilhetes.

Estava mais que claro que Nereu agia em todo o território nacional. O caso foi registrado na Delegacia de Repressão aos Crimes Cibernéticos, no bairro dos Afogados, em Recife (PE)."Conheci muita gente que caiu nessa. Muitos, inclusive, estavam envergonhados de denunciar. Tinha casos de pessoas que nem tinham contado aos parentes, justamente por ter vergonha de dizer que caiu em um golpe. Eu, por exemplo, tenho vergonha porque fui muito ingênuo", desabafa André.Nereu, depois de muita insistência da vítima, acabou depositando o valor na conta do publicitário, mas após um acordo. "Ele queria que eu apagasse tudo. Eu fui até bonzinho, não sou uma pessoa má. Apaguei tudo mesmo", confessa.Investigação Em Salvador, o caso ainda não chegou às mãos do delegado João Cavadas, coordenador do Grupo de Repressão aos Crimes por Meios Eletrônicos (GME). O boletim foi registrado pelo vigilante na 5ª Delegacia (Periperi), mas fica a critério do titular da unidade encaminhar, ou não, o caso ao GME.

No grupo, casos de estelionato são muito comuns, ficando atrás somente de casos de difamação e calúnia nas redes.

De acordo com Cavadas, tudo indica que o crime se trata mesmo de estelionato. A pena pode ser de um a cinco anos de prisão e multa.

Em caso de estelionato nas redes, explica Cavadas, quando necessário, é possível chegar ao criminoso por meio de quebras de sigilo telefônico, e-mail e conta bancária. 

É sempre importante, aconselha o delegado, ficar atento às promoções generosas demais, como foi o caso das passagens aéreas oferecidas pela metade do preço. "Esses estelionatários procuram obter um canal de comunicação que tenha um grande fluxo de pessoas, como é o caso das redes sociais. Esse tipo de crime migrou para a internet", alerta Cavadas.*Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier.