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Larissa Almeida
Publicado em 10 de dezembro de 2025 às 06:00
Na trajetória de Cau Gomez, as fronteiras nunca foram barreiras. A prova disso é que ele, nascido em Belo Horizonte, fez de Salvador sua casa e deixou que a cidade forjasse o lado ainda mais crítico das charges, ilustrações e cartuns que compõem a sua obra. Prestes a realizar um objetivo há muito sonhado nesta quarta-feira (10), que é o de lançar um livro com algumas das obras mais contundentes sobre racismo, ele conta que o ineditismo do projeto é o resgate de desenhos raros, premiados e outros até mesmo esquecidos. Artes que servem ao propósito pessoal de tornar perene sua criação e fornecer uma gramática visual contra as violências de raça e gênero presentes na sociedade brasileira. >
O lançamento de Sorria, Você Está Sendo… - Cartuns Nada Cordiais Sobre Racismo e Outros Absurdos, acontece às 19h, na Casa Rosa, Rio Vermelho, justamente no Dia Internacional dos Direitos Humanos. A escolha da data não foi ao acaso e, segundo Cau, tem o intuito de reforçar o compromisso do seu trabalho com o enfretamento às desigualdades e às indignidades humanas, questões que o incomodam e motivam seu processo criativo. >
Veja obras de Cau Gomez
Quando questionado sobre a origem desses incômodos, Cau é levado de volta para a infância. “Eu vim de uma família pobre, estudei em escola pública em BH, sou negro e vi minha mãe passar dificuldade para cuidar dos filhos, mas sem nunca deixar faltar nada. Ela sempre foi muito contundente ao condicionar os filhos a não estarem longe da escola. Na comunidade, eu via os vizinhos e parecia que a correção de caráter passava pela violência. Isso me deixava muito sensível, porque nunca foi assim comigo. Então, meu olhar preocupado é fruto da minha educação familiar e da formação em boas escolas”, afirma. >
Graças à formação e à arte, Cau Gomez viu seu talento o conduzir para caminhos que o levaram até o jornalismo baiano, em 1993, quando tinha 21 anos. “Eu tinha referências de Milton Nascimento e Lô Borges, e quando cheguei aqui ouvi Gilberto Gil, Caetano, Novos Baianos... Foi transgressão demais. Isso deu um tempero para a minha arte, na minha maneira de ver o mundo”, diz. >
“Eu fiquei sem fronteiras. Me senti no mundo. As montanhas, em BH, sempre me deixaram muito introspectivo. O mar me trouxe expansão e essa coisa extrovertida. E o humor, para se comunicar, precisa ser extrovertido. Então, tem um mix dos dois nas minhas charges e nos meus cartuns”, acrescenta. >
No livro que será lançado, há obras que foram feitas tanto na Bahia quanto em Minas Gerais, mas que se conectam com o restante do mundo. Uma delas é o desenho A Cegueira das Armas, criado pelo artista durante a pandemia de covid-19, quando passou um período em Belo Horizonte. A obra tem como tema o uso de armas por crianças, cooptadas pelo crime e pelo terrorismo, e foi vencedor do World Cartoon Festival – Silencing the Guns in Africa, recebido em 1º lugar no Quênia, em 2021. >
“Naquele período angustiante da pandemia, eu estive muito criativo. Acho que era pelo temor de perder alguém ou ver você mesmo desaparecer subitamente por conta de um vírus. Então, minha criatividade aflorou muito. Nessa época, fiz esse trabalho sobre crianças que entram em contato com armas pesadas na Nigéria, em países da África e até aqui no Brasil”, conta Cau. >
Outra obra presente no livro é a charge A Cultura do Estupro, ganhadora do 46º Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, em 2024. A escolha da arte para compor essa coletânea de trabalhos foi guiada pela urgência do tema. “A cultura do estupro é algo que a gente ainda não digeriu direito. Algumas pessoas fingem que não acontece e quem sofre com isso são as crianças, principalmente as meninas, diante dos abusos e obrigatoriedade de manutenção de uma gestação para uma criança”, aponta. >
Mirando na ampliação do alcance da denúncia social das suas obras, Gomez ressalta que o principal desafio da sua carreira, atualmente, é a exploração artística nos formatos digitais. Aos 53 anos, ele está no quarto semestre do curso de Licenciatura em Desenho e Plástica da Escola de Belas Artes da Ufba, utilizando a troca com os colegas como uma forma de se atualizar.>
As parcerias no trabalho, como a união com Baiana System para a criação gráfica da capa do álbum premiado ‘O Mundo Dá Voltas’, também têm ajudado a romper as fronteiras tecnológicas, mas criando desafios – como o lugar da originalidade diante do avanço das inteligências artificiais – que, conforme acredita, poderão ser vencidos com artes populares e olhares atentos à humanidade.>
O que: Cartunista Cau Gomez lança primeiro livro autoral no Brasil>
Quando: 10 de dezembro (quarta-feira), 19h>
Onde: Casa Rosa (Praça Colombo, nº 106 – Rio Vermelho)>
Aberto ao público>
Valor do livro no evento: R$ 99>