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Da Redação
Publicado em 8 de setembro de 2013 às 08:51
- Atualizado há 2 anos
Victor Longovictor.longo@redebahia.com.brPaulo Henrique Almeida Lima, 65 anos. Orientação: heterossexual. Estado civil: “bem casado” com uma mulher 30 anos mais nova. Seio familiar: duas filhas já crescidas e parentes cabeça aberta. Profissão: empresário, dono de uma sauna gay, com muito orgulho e sem preconceito. Paulo, que é proprietário da Sauna Fox, é apenas um dos vários empresários heterossexuais de Salvador que têm encontrado no público de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros (GLBT) uma boa oportunidade de negócio. “A ideia de abrir uma sauna gay surgiu porque eu estava num momento de indefinição dos investimentos. Queria entrar num novo estágio de vida, mais produtivo”, contou. “Eu tenho um irmão que é gay e me deu a ideia em 2006. Percebi que havia uma carência de espaços como esse e resolvi abrir a sauna, cerca de dois anos depois”.>
A Fox foi inaugurada em março de 2008 e, com todas as dificuldades, tem ajudado no sustento da família de Paulo. “É um trabalho árduo, como qualquer outro”, disse. A casa, que inclui um bar e restaurante com programação de música ao vivo, sauna seca e a vapor, além de cabines fechadas para o público que deseja ter relações íntimas, hoje enfrenta uma forte concorrência na cidade, devido ao alastramento desse tipo de negócio: já são pelo menos oito saunas voltadas para esse público. Outros negócios com perfil voltado para o público GLBT, como casas de eventos e bares, por exemplo, possuem proprietários, sócios ou consultores heterossexuais. >
Beco da OffNo famoso Beco da Off, onde funciona a boite gay Off, próximo ao Farol da Barra, dois bares majoritariamente frequentados pelo público GLBT – a creperia La Bouche e o bar e restaurante Farol Tropical – também possuem proprietários heterossexuais.Na creperia La Bouche, os proprietários Ricardo Brasil, de 41 anos, e sua esposa, Maria Joana Nascimento, de 35, têm conseguido lotar a casa todas as quintas-feiras com um espetáculo liderado pela drag queen Valerie O’Hara. O show, que começa sempre às 23h30, tem feito sucesso e atraído turistas.A apresentação já se tornou referência no turismo GLS de Salvador e conta com dublagens de músicas nacionais e internacionais, além de esquetes feitos a partir de vídeos famosos na internet.Ricardo conta que, embora a creperia seja voltada para públicos de todas as orientações sexuais, eles escolheram a quinta-feira como um dia gay. “Sou hétero, mas queria que a casa tivesse um dia gay em homenagem ao meu irmão, que era gay e já faleceu”, contou. Para o sucesso do negócio, o segredo foi simplesmente viver o mundo gay, livre de preconceito. “Estamos sempre atentos, procurando sentir o cliente de perto”, explicou Joana. Ricardo completa: “Somos muito amigos dos nossos clientes. Vivemos respirando as tendências do mundo gay: os artistas, as comidas, os shows que parecem interessantes para esse público. Respiramos essas mudanças continuamente”.Para Ricardo, o grande desafio agora é atrair ainda mais o público heterossexual para o local. “Queremos agregar ainda mais os héteros, promovendo uma convivência em perfeita harmonia”, disse.Mas... e como Ricardo e Joana reagem quando os clientes gays e lésbicas resolvem paquerá-los? “No começo, eu ficava meio com vergonha. Agora, levo tudo na brincadeira”, conta Joana.“A gente brinca que é uma troca de sonhos não realizados. As mulheres que eu desejaria para suprir as faltas dela desejam a ela e não a mim. Os homens que ela desejaria para suprir as minhas faltas desejam a mim”, brincou Ricardo, bem humorado.A casa de eventos The Hall, localizada na Avenida Otávio Mangabeira, próximo ao Jardim dos Namorados, também destina parte dos seus eventos para o público GLBT. >
Apesar de ser administrada por dois homossexuais – Maurício Azevedo, de 26 anos, e Rodrigo Smith, de 32 –, ambos têm como uma espécie de parceiro no negócio o empresário do ramo dos eventos Nagib Daiha, que não é gay. A casa não é voltada apenas para festas GLBT, mas hoje cerca de 30% dos eventos que ocorrem no local têm esse perfil. Nagib era proprietário e administrador da boate Madrre, que funcionava no lugar da The Hall. “Cheguei a fazer eventos voltados para o público LGBT lá”, conta Nagib. Hoje, a The Hall recebe eventos de todos os tipos, desde casamentos a festas empresariais. Diferente de cidades como São Paulo, Salvador não tem um hotel específico para gays e lésbicas, mas os empresários e o governo do estado têm investido em qualificação de profissionais de atendimento para receber bem o público LGBT. “Há três anos, fizemos um treinamento para recepcionistas e funcionários de hotéis que atendem diretamente os clientes sobre como tratar, como receber o público GLS”, conta Silvio Pessoa, da Federação de Hospedagem. “Nesta semana da Parada Gay, estamos fazendo uma atualização, principalmente nos hotéis que vão da Barra ao Campo Grande”, conta Pessoa, que preside o sindicato da hotelaria. Mercado Independentemente da orientação sexual dos sócios, os negócios voltados para o público GLBT têm crescido muito em Salvador. É o que aponta o empresário Aldo Zeck, de 25 anos, proprietário do All Club, bar localizado no Beco dos Artistas, no Garcia. “Há cerca de quatro anos, havia duas boates e uns dois ou três bares. Hoje, já são seis boates e pelo menos oito bares”, contabilizou Aldo. Ele aponta dois movimentos desse mercado: o primeiro é a tendência à diminuição dos guetos, com uma descaracterização dos ambientes exclusivamente voltados para os homossexuais; o segundo, um aumento da aceitação social da homossexualidade, o que traz um novo público consumidor: os “novos gays”.“Uma coisa compensa a outra. Se para nós que temos negócios GLS a tendência de que os gays deixem de frequentar lugares somente GLS pode ser ruim, o aumento da liberdade faz mais gente sair do armário, o que acaba compensando”, explica Aldo. “Para mim, todo cliente será bem recebido, independente de ser homo ou hétero. Os gays agora também precisam aprender a respeitar os héteros, sem assediá-los”, observou. CrescimentoMaurício, da The Hall, tem notado um crescimento da demanda no segmento LGBT. “Nos últimos dois anos, houve um crescimento incrível. Acredito que nossos negócios na organização de eventos LGBT cresceram em 50%”. Um dos empresários de maior sucesso no segmento, André Magal, 34 anos, ilustra bem o crescimento dos negócios do ramo. Ao lado do sócio José Augusto, 30, ele abriu a boate gay San Sebastian em 2009, na Rua da Paciência, no Rio Vermelho. “Foi o nosso primeiro empreendimento no segmento”, contou. Três anos depois, em 2012, eles abriram uma nova boate, a Amsterdam Pop Club, localizada no Largo dos Aflitos (Centro). “Agora, estamos inaugurando o Dom Sushi Lounge, uma casa de comida japonesa mais voltada para o público GLS que não gosta de ir à balada, ou quer comer algo antes”, contou. O restaurante ficará na Rua Oswaldo Cruz, Rio Vermelho. Ainda este ano, a San Sebastian deverá abrir uma nova franquia em uma outra cidade do Nordeste. Para Magal, o que permitiu a abertura de novos negócios foi identificar uma segmentação dentro do próprio grupo LGBT. “A San Sebastian é para um público mais requintado, que gosta de música remixada e quer um atendimento mais exclusivo. A Amsterdam é um club pop, voltado para o gay mais novo, com música discotecada, sem remix”, detalha.Dono da San Sebastian revela segredo do sucessoO empresário André Magal, dono de duas das principais boates da cidade, dá algumas dicas sobre a fórmula do sucesso para os negócios voltados para o segmento LGBT. A primeira é fugir dos estigmas. “Não precisa colocar lá um arco-íris na fachada pra dizer que é uma casa gay. Quando você abre uma casa hétero, não precisa dizer que a casa é hétero. A boate gay não precisa dizer que é uma boate gay”, recomenda. “É preciso trabalhar a identidade, identificar o público que pretende atrair e conhecer os gostos desse público”, orienta. O mais importante para ele, porém, é sentir na própria pele o que seu público sente. “A gente acaba sabendo as necessidades do público gay, porque a gente é parte do público. A gente também sentia falta de sair para um lugar, conhecer uma pessoa, namorar, ir para uma balada bacana”, contou. “Por isso é que acho complicado um hétero fazer uma casa gay e dar certo. Às vezes, você sendo hétero, o que é legal para você não é o que vai agradar a um gay”, opinou. “A alma do negócio é, antes de ser um empresário, você ser o consumidor”, recomendou. Questionado sobre o que recomendaria a um hétero que quisesse atuar no setor, Magal não hesita. “O jeito é virar gay”, brinca.>