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Da Redação
Publicado em 7 de janeiro de 2013 às 08:40
- Atualizado há 2 anos
Lorena [email protected] cartões-postais, Salvador deve cheirar a acarajé. Talvez os que acessam os sites de turismo imaginem o aroma do mar ou sintam o odor dos temperos nas feiras livres. Mas, quem circula diariamente por aí experimenta muito mais do que as fragrâncias que parecem marcar essa cidade. Além de dendê, maresia e coentro, Salvador hoje cheira a urina, lixo e esgoto. Diante das ciladas olfativas que o cidadão enfrenta, o CORREIO empreendeu uma jornada por locais com cheiros negativamente marcantes. Afinal de contas, de onde vem tantos fedores? Para ajudar no desafio, contamos com a farmacêutica especialista em fragrâncias, Ana Maria Lenz, da empresa de cosméticos VIC Brasil, e com a análise técnica do químico especialista em poluição, Roberto Márcio Santos, que coordena cursos da Faculdade Área 1. Comecemos pelo pior. O cheiro mais desagradável experimentado pela especialista foi o da Estação da Lapa, que exala urina no subsolo. Não foi necessário apurar muito para chegar à conclusão que o lugar é “totalmente deprimente”.“Aqui é sujo. Um cheiro de urina muito forte, muito monóxido de carbono dos ônibus. Um absurdo”, descreveu a farmacêutica gaúcha radicada em Lauro de Freitas e que jamais havia colocado os pés no maior terminal da cidade. Para os usuários, o sentimento não é muito diferente. “É um filme de terror. Olhe ao seu redor”, convidou a aposentada Tereza Cardoso, chamando a atenção para o lixo no chão e o xixi dos próprios passageiros. O químico Roberto Márcio aponta que o cheiro forte da urina vem principalmente da amônia, quando o xixi fica exposto ao ar. A limpeza da estação é de responsabilidade da Transalvador. O órgão informou que o número de funcionários foi reduzido por “questões contratuais”. Assim como na Lapa, pegar um ônibus na Estação de Transbordo do Iguatemi é padecer no inferno de odores ruins. Primeiro porque, abaixo dela, passa um enorme canal de esgoto. Depois, há muita urina. Com a falta de banheiros, usuários aliviam na própria estação, particularmente em uma escada que dá para o canal. A situação revolta quem trabalha ali. “Todo mundo mija na escada porque os funcionários da limpeza não estão recebendo salários e cobram para usar o banheiro”, diz a ambulante Elza de Jesus.Mudando de fragrância, experimente passar pelo canal do Lucaia, na Chapada do Rio Vermelho. O fedor ali é de esgoto concentrado. “Cheiro muito ativo, de fossa”, diz Ana Maria. É tão denso que poderia até ser o que os especialistas chamam de “eau de parfum”, só que às avessas. As fragrâncias eau de parfum duram mais que as outros pela essência mais concentrada. DecomposiçãoO cheiro nesse tipo de situação, diz Roberto Márcio, tem componentes que vêm do enxofre e do nitrogênio. São os chamados “compostos reduzidos”, que surgem da decomposição. Uma das substâncias mais malcheirosas e conhecidas é o ácido sulfídrico. Sobre o Lucaia, a Superintendência de Conservação e Obras Públicas do Salvador (Sucop) informou que está dando sequência aos trabalhos de macrodrenagem da Vasco da Gama, “com a limpeza e requalificação de 800 metros no leito do canal até o Largo da Mariquita”. Lembra do ácido sulfídrico? Não é só no Lucaia que se sente sua presença. Na orla, num dos recantos do Jardim de Alá, apelidado de “Cocô Beach”, ele também se faz presente. Ali, restos de lixo na areia e um cheiro forte de esgoto, vindo do canal do Parque Costa Azul, dão o ar da graça para quem passa a pé, de carro ou pratica esportes ao ar livre. O que gera o mau cheiro são principalmente os dejetos humanos, ou seja: as fezes. “Aquilo ali é um rio que sai no Jardim de Alah, que virou condutor de dejetos humanos”, explica Roberto Márcio. Segundo a Sucop, os canais da cidade têm ligações irregulares de esgoto, caso do Cocô Beach. Em nota, o órgão afirma que “trabalha ininterruptamente na limpeza de rios e canais da cidade”. MiscelâneaEnquanto nas estações de ônibus e canais de esgoto é fácil distinguir o cheiro predominante, na Feira de São Joaquim se torna mais complicado. Os odores são difíceis de caracterizar. Na parte interna, é uma miscelânea de cheiros: flores, verduras, água de cheiro, ervas, carne, gordura, creolina. Já na parte de fora, a sensação desagradável que alguns usuários sentem vem do acúmulo de lixo e de alimentos jogados fora. “Nas feiras, como você tem muito resto de frutas e legumes, há uma mistura de substâncias derivadas do nitrogênio e do enxofre muito malcheirosas. Ainda tem o chorume, outra miscelânea de substâncias”, acrescenta Roberto Márcio. A Limpurb informou que a coleta do lixo na feira é realizada diariamente. Para os que frequentam São Joaquim, como o casal Maria El Sale e Átila Cruz, o cheiro que predomina é o ruim e não o bom.“Quando você vem de algum lugar e vai se aproximando da feira, você já sente aquele cheiro desagradável”, diz Maria Helena, que é dona de casa. Átila completa: “É um fedor indescritível”. Ambos esperam que as coisas melhorem com a reforma da feira. Mas, basta atravessar duas ruas e logo se percebe outro cheiro forte exalando. É o Mercado do Peixe, com odor proveniente dos restos de frutos do mar descartados. Acrescenta-se à lista de pontos malcheirosos outros tantos lugares. Da tradicional Rampa do Mercado, onde há cheiro de esgoto e peixe podre, ao muro da Codeba, no Comércio, dos locais onde mais se urina ao ar livre. Mas no que diz respeito à sua saúde, não precisa se preocupar. Em geral, os fedores de lixo e esgoto não são prejudiciais.Redenção para os narizes: Pelô, tarde na Barra e São JoaquimNo Pelourinho, a especialista em fragrâncias Ana Maria Lenz detectou uma diversidade de cheiros. “Apesar do cheiro de urina nas esquinas, senti um cheiro bom de acarajé no Terreiro de Jesus. Além disso, o amadeirado do casario antigo é muito gostoso”. Outra redenção para os narizes é o fim de tarde e início de noite no Porto da Barra. Dois banheiros químicos estão instalados no calçadão para evitar que a rua vire “mijódromo”, já que a reclamação era constante. “Cheiro de acarajé, de praia, cheiro verde. Um pouco de xixi nos cantos”, diz Ana Maria, sem deixar o detalhe passar. O cheiro de mar, nas fragrâncias, é chamada de “nota ozônica”, diz ela, que também identificou o cheirinho bom do mar no Morro do Cristo, entre a Barra e a Ondina. Até na Feira de São Joaquim, foi possível aliviar o olfato com o cheiros das ervas e das frutas.>