Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Publicado em 14 de novembro de 2016 às 15:35
- Atualizado há 2 anos
Cem anos se passaram desde que Antônio Muniz, governador da Bahia em 1916, descerrou a placa de inauguração do primeiro relógio público da capital: o relógio de São Pedro. A partir daquele 15 de novembro de 1916, seria ali, onde ficava a antiga Igreja de São Pedro, demolida por ordem de J. J. Seabra para dar lugar à Avenida Sete de Setembro, que a população olharia as horas com o máximo de precisão que o relógio francês manual poderia oferecer.>
Nesta terça-feira (15), o velho relógio encomendado ao fabricante parisiense Henry-Lepaute completa 100 anos. O tempo passou e o relógio, de imediato criticado diante dos frequentes atrasos, virou ponto de referência, até ponto de encontro. E resistiu a tudo: à chuva, aos pombos, ao tempo, às pichações, à ferrugem, ao “atropelamento” por um caminhão, em 1999, e até aos espertalhões que, um dia, prometeram vender o relógio para qualquer desavisado que aparecesse com dinheiro fácil. Relógio ainda é ponto de referência e de encontro no Centro da cidade(Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)É o que garante o mecânico de elevadores Antônio Brito, 66 anos, que disse já ter ouvido muitas lorotas sobre a venda do relógio. Hoje, ele até faz uma defesa ao equipamento, que passou parte do último século atrasado – ou parado. “Até que agora ele está trabalhando certo, depois que foi reformado. Agora mesmo, olha, 10h05”, aponta seu Antônio, conferindo as horas com o próprio relógio de pulso. “Desses relógios antigos, só ele funciona. Aquele mesmo da Secretaria da Segurança Pública na Piedade, coitado, não trabalha”, debocha.>
A verdade é que, desde 1999, o relojoeiro Wilson Alves não deixa mais o relógio centenário atrasar. “Desde 1999, eu venho de 15 em 15 dias fazer a manutenção e de três em três dias eu passo aqui para ver como está”, diz o homem de 51 anos, 36 deles dedicados a botar relógios para funcionar direito. “É um orgulho, porque além e ser histórico e muito bonito, ele é ponto de encontro, de referência para a cidade”, diz.>
CobrançaQuando o relógio dá uma atrasadinha, seu Wilson recebe logo as cobranças. “Os velhos aqui da praça me ligam quando dá algum problema e eu tô sempre passando aqui pra ver. Quando eles não me acham no celular, ligam para a Fundação Gregório de Mattos”, diz Wilson, que é natural de Amargosa, no Centro-Sul da Bahia. Segundo uma ambulante, ele chega lá sempre às 16h30.>
Seu João Pereira da Silva, 75, morador do Engenho Velho da Federação, é um dos observadores do relógio. “Eu vivo olhando pra ele, mas ele atrasa. Atrapalha mais que ajuda”, provoca, entre risos. Trabalhando há seis meses em frente ao relógio centenário, o relojoeiro Antônio Ribeiro, 55, defende o colega. “Relógio de corda atrasa sempre, é normal atrasar. Mas Wilson tá sempre aí. Desde que foi restaurado, ele não deu mais problema”, disse.>
De acordo com a Fundação Gregório de Mattos, responsável pela manutenção do equipamento, o relógio foi restaurado em setembro do ano passado, depois de dez anos sem funcionar. Na ocasião, foram retirados os pontos de ferrugem, feitos reparos na parte mecânica, os vidros foram trocados e foi refeita a pintura. O custo total foi de R$ 40 mil para devolver o maquinário francês, montado sobre escultura do italiano Pasquale de Chirico – o mesmo responsável pelo famoso Caboclo, no Campo Grande. Seu Gilberto, pedreiro, sempre passa olhando o relógio: "Acho importante, bonito"(Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO)O pedreiro Gilberto dos Santos, 73, pouco passa pelo local. Mas em todas as oportunidades está lá, olhando para o equipamento. “Acho importante, bonito. O povo para pra olhar e eu, de vez em quando que passo aqui, sempre olho”, diz o homem, que mora em Tancredo Neves. “A gente olha as horas sempre por ele mesmo e tem sempre turista tirando foto”, diz a vendedora ambulante Jamile Paixão, 26, que trabalha ao lado do relógio.>
Turistas de Brasília, o servidor público Bernardo Luiz da Silva, 29, e a dentista Simone Queiroz, 31, nem se importaram com a chuva. Enquanto passeavam pela Avenida Sete, na manhã desta segunda-feira (14), pararam, curiosos. “Achei bonito, interessante e cheio de detalhes, bem conservado, apesar do tempo”, disse.>
Virada do milênioO arquiteto e historiador baiano Chico Senna discorda que o relógio tenha sido rejeitado quando da inauguração. “Ele sempre foi muito bem recebido e sei que foi um emissário aqui da Bahia na França buscar o relógio. Mas ele só trouxe o maquinário com o mostrador, porque a escultura é de Pasquale de Chirico”, diz.>
Para o historiador, o relógio foi importante para a época não só pela beleza e por ter se tornado desde cedo ponto de referência, mas por ter permitido que a população pudesse ver as horas com precisão. “Esse relógio na cidade realmente era uma referência para as pessoas saberem a hora correta, porque os sinos da igreja guiavam, mas só badalavam de 12 em 12 ou de seis em seis horas, mas não acusavam os minutos”, explica. Relógio de São Pedro em foto do acervo da Fundação Gregório de Mattos (Foto: FGM)Em 1999, um acidente acabou destruindo o relógio: um caminhão passou muito próximo aos fios, que se enroscaram no equipamento e acabaram jogando-o no chão. “Ele se espatifou. Na época eu era presidente da Fundação Gregório de Mattos e mandei recolher todos os cacos e foram duas equipes de trabalho. Uma do relojoeiro que foi contratado para reformar o maquinário e um escultor para toda a parte escultórica”, disse Senna.>
Na época, a população cobrava que o relógio fosse entregue antes da virada do Milênio, para que ele pudesse registrar a hora da passagem. “A gente correu atrás e contratou um relojoeiro que trabalhava na Rua Direta da Piedade e conseguimos entregar na última semana de dezembro, a tempo de ele registrar a passagem para o ano 2000”, lembrou Chico Senna.>