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Da Redação
Publicado em 22 de setembro de 2008 às 12:57
- Atualizado há 2 anos
Ilhado Rato, Água de Meninos, início da tarde. O lugar, infestado de corretores e revendas de veículos, é o paraíso dos carros tipo pokémon em Salvador. Na Bahia, o termo tem um sentido bem menos inocente que os bichinhos com super poderes do desenho animado. Significa um grave golpe contra financeiras, no qual é possível adquirir carros com poucos anos de uso ou até zero-quilômetro, a preços inferiores aos do mercado. >
O CORREIO visitou a Ilha do Rato, seguindo dicas de um revendedor de automóveis com mais de 15 anos de mercado e conhecedor das malandragens que envolvem a venda de carros. >
Em menos de 15 minutos, o primeiro contato. Um corretor que se identificou apenas como 'Semente', aparentando 50 anos , fica sabendo do interesse de comprar um carro que esteja 'passando o financiamento'. É a senha comumente usada para abrir os caminhos rumo à compra de um pokémon. >
Depois de levar a reportagem a uma revenda que só aceita negócios legais - e elas também existem na Ilha do Rato -, vem a oferta: 'Você não tem interesse em comprar um pokémon?', indaga o corretor. Diante da resposta afirmativa, o convite para visitar outra revenda, esta sim especializada no golpe. >
O dono da loja mostra um Audi A4 preto, modelo 2001, bancos de couro, com todos os opcionais –um luxo só. A placa, LNF 1413, aparece como sendo de Irecê, interior da Bahia, mas o revendedor explica quea origemdoveículo é o Rio de Janeiro. O preço? 'R$10 mil, mas tem jogo', informa, mostrando o carro que custaria o dobro no mercado legal. >
RASTREAMENTO >
Carros com placa de outros estados são um indício muitas vezes promissor para a polícia, de acordo com a titular da Delegacia de Repressão a Furtos e Roubos de Veículos (DRFRV), Christiane Xavier. São casos em que a experiência policial ajuda a recuperar pokémons usados na mão de donos. Segundo levantamento da delegacia, de 2007 até agosto deste ano, foram recuperados apenas 28 pokémons em Salvador, que resultaram em 12 autuações em flagrante por estelionato, crime para o qual o Código Penal determina até cinco anos de prisão. 'É raríssimo conseguir reaver um veículo nessas condições', admite Christiane. >
Na Ilha do Rato é possível fazer qualquer tipo de negociação>
Um flagrante da negociata é muito raro. 'Em grande parte dos casos, a polícia também só pode prender alguém se houver um flagrante de venda, pois até então se trata de alguém que não pagou o financiamento, fator estrito à esfera cível', assinala a delegada. >
Tranqüilo, o dono da loja na Ilha do Rato afirma que dificilmente o veículo pode ser identificado, já que é de outro estado. 'Pertencia a um sargento de polícia, que acabou de comprar um pokémon comigo', revela. Ele a ponta para o automóvel recém-negociado, um Crossfox prata completo, placa JGN-6696, ainda com cheiro de novo. O valor foi uma bagatela: R$9 mil, para um veículo com preço cinco vezes maior. >
O revendedor não sabe que se trata de uma reportagem e insiste nas vantagens do negócio: 'Nunca tive problemas e, caso você leve para o interior, aí é que ninguém acha mesmo', garante, com a cara confiável de um representante das Organizações Tabajara>
Golpe é baseado em fraude comum no sistema bancário >
O golpe do pokémon, que lesa as financeiras de veículos e no qual é possível adquirir modelos novos por preços bem abaixo dos praticados no mercado, é baseado em uma fraude bastante comum no comércio e no sistema bancário. Golpistas usam 'laranjas' com ficha de crédito limpa e dispostos a se 'sujar' por alguns milhares de reais, ou falsificam documentos como CPF, RG, contrache que e comprovante de residência. Tudo para conseguir a liberação do financiamento do veículo em prestações mensais. Porém, tais parcelasnuncachegarão a ser pagas. >
Após adquirir o automóvel, o golpista busca um interessado em comprá-lo por uma pechincha. E eles são muitos. É neste momento, quando a revenda é finalizada, que ocorre a transformação em um pokémon. 'Na maioria das vezes, o carro vai parar em outros estados ou no interior da Bahia, onde é muito difícil para a financeira ou para a polícia recuperaro bem', aponta a titular da Delegacia de Repressão a Furtos e Roubos de Veículos (DRFRV), Christiane Xavier. >
De acordo com a delegada, como o carro vai parar em locais onde a polícia, muitas vezes, não fiscaliza os veículos com a mesma regularidade das capitais, o comprador de pokémons pode rodar durante anos sem ser descoberto. A fraude só é identificada caso ocorra um acidente, roubo ou alguém,emumsurto de ingenuidade, tente transferir o documento para o próprio nome. As financeiras têm dificuldade em executar mandados de busca e apreensão, já que os carros somem e as delegacias não têm acesso a todas as ordens judiciais. >
ACASO>
Outra forma de recuperar carros pokémon é apurar a retina. Christiane Xavier lembra de um episódio ocorrido em 2007, quando ela passava pela Avenida ACM e viu um homem com um Fiat Stilo, de porta-malas aberto e com placa de São Paulo, vendendo salgados. 'Não foi uma visão preconceituosa, mas o Stilo que ele estava era um modelodecercadeR$75mil,e acho muito difícil alguém manter um carro destes apenas vendendo salgados'. >
Ao abordá-lo, a delegada conta ter descoberto que o carro estava com mandado de busca e apreensão emitido pela Justiça de São Paulo. 'O cara havia comprado o veículo por R$3 mil e ficou revoltado, achando que estava certo', dispara. Foi preso e ainda responde a processo por estelionato. >
A delegada conta que os golpistas usam outros artifícios, como placas clonadas ou frias, e até desmanches. ADRFRV descobriu recentemente um novo esquema. 'Há uma operação em curso', esquiva- se. A seguir, cenas do próximo desenho animado.>