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Ilhas de Maré, Frades e Bom Jesus: um guia completo da Salvador insular

  • Foto do(a) author(a) Carolina Cerqueira
  • Carolina Cerqueira

Publicado em 29 de março de 2022 às 05:54

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: .

Você conhece as ilhas de Salvador? Para início de conversa, sabe quais são as ilhas que fazem parte de Salvador? No meio da porção de mar formada entre Saubara, Candeias, Vera Cruz e Paripe está a parte insular da capital, composta pelas ilhas de Maré, dos Frades e de Bom Jesus dos Passos. Depois de dois anos mais distantes do que essa terra tem a oferecer, nada melhor do que aproveitar o aniversário da cidade para se reconectar com os cantos e encantos das ilhas, que misturam rotas turísticas com simplicidade e tranquilidade para quem gosta de atividades diurnas e quer se desligar do celular. 

“Ah, eu vim de Ilha de Maré minha senhora / Pra fazer samba na lavagem do Bonfim”, anuncia o samba de Walmir Lima que, na voz de Alcione, levou, em 1977, o nome da ilha para o cenário nacional. Apesar da proximidade com Salvador, a “globalização” por lá custou a chegar. Há cerca de 20 anos, Maré ainda não possuía energia elétrica e, somente em 1999, chegou a água tratada.

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A Ilha, com 11,01 km² e 4.236 moradores, é uma antiga aldeia de pescadores, famosa também pelo peguari. A moqueca de peguari é uma das especialidades da culinária da ilha. Suas praias mais conhecidas são Praia Grande, Botelho e Neves. O local ainda se caracteriza pelas casas simples dos pescadores nativos (que estão sempre reféns da maré propícia para seguir viagem, dando nome à ilha), das marisqueiras e das rendeiras que trabalham com a renda de bilro, que se transforma em peças como blusas, batas, toalhas de mesa e outros acessórios feitos a mão, herança do artesanato popular desenvolvido ao longo de várias gerações. 

Por lá todo mundo se conhece. “Todo mundo é parente, aqui primo casa com primo e é normal. Eu mesma casei com um primo e minha irmã casou com o outro”, conta Dona Evanildes dos Santos, de 58 anos. Ela é uma das marisqueiras da ilha, que aprendeu a tradição com a mãe. Ela conta que desde mocinha sai para mariscar. Ela não tem estudo, nem aprendeu a ler e a escrever. “A rotina é acordar às 4h, pegar a canoa para remar, pescar as coisas, aí chegar em casa para lavar tudo e depois pegar lenha para cozinhar”, conta. Ilhas de Salvador (Foto: Nara Gentil) O grande símbolo local é a Capela de Nossa Senhora das Neves, construída em estilo colonial em 1552 (uma das mais antigas do Brasil) e casa da padroeira da ilha. De acordo com os moradores, a construção do templo aconteceu de forma miraculosa, sem que ninguém presenciasse o processo. O responsável por erguer o templo seria Bartolomeu Fernandes Pires, militar que dono de engenhos na ilha. 

Uma das grandes tradições da Ilha de Maré é a celebração do Dia de Nossa Senhora das Neves, 5 de agosto. Reza a lenda local que a devoção à santa, que traz uma cobra aos seus pés, veio depois que sua imagem apareceu, misteriosamente, ao lado de uma cobra na beira da praia. No mesmo pacote lendário, diz-se que todos os moradores da ilha são imunes à picada das serpentes. 

Albérico Soares, de 81 anos, é um dos moradores mais antigos da Ilha e é devoto de Nossa Senhora das Neves. Mais conhecido como Seu Berico, ele conta que abrigou a imagem de Nossa Senhora das Neves em sua casa para mantê-la em segurança após ter sido roubada. “Foi na década de 1970; levaram as imagens, inclusive a de Nossa Senhora das Neves. A gente se mobilizou e conseguiu achar em São Paulo e aí trouxemos de volta. Ela ficou aqui em casa guardada enquanto o pessoal consertava a porta que foi arrombada no roubo”, conta.

Terra dos albinos A ilha é fruto de descendentes de diversos povos africanos que chegaram ao local na condição de escravos e, posteriormente, ali formaram quilombos, misturando cultos africanos à celebrações católicas num sincretismo próprio da Bahia. “Há relatos de que os escravos se jogavam dos navios e nadavam até lá e também há a fuga de engenhos, muito presentes na Ilha de Maré e também dos Frades. Mas na de Maré é onde está a resistência negra mais forte”, aponta o historiador Rafael Dantas. De acordo com o IBGE, 92,99% dos 4,5 mil habitantes da ilha se declararam pretos ou pardos no último censo. 

Essa alta porcentagem leva a um fato curioso: Ilha de Maré – mais especificamente, o povoado de Bananeiras – é o lugar onde há mais albinos na cidade e, possivelmente, o maior do Brasil. Apesar de ser uma condição genética rara no mundo, o albinismo tem índices altos em populações afrodescendentes. A incidência do albinismo por lá é de um caso para cada mil pessoas. Quando a frequência é de um para 10 mil, ela já é considerada alta. A descoberta faz parte de um estudo do programa de Genética e Sociedade da Universidade Federal da Bahia. 

Dona Evanildes, a marisqueira, teve dois filhos albinos: Angélia e José Carlos. O menino foi o primeiro da ilha a nascer com essa condição, o que provocou olhares de estranhamento dos moradores. Evanildes e o marido são negros, o que levou a boatos de que a marisqueira tinha pulado a cerca. “Uns me acusaram, mas outros me defenderam. Até que minha avó disse que ela teve um irmão assim e que, então, podia ser de família”, diz Evanildes.

Ilha dos Frades

Apesar de ter a menor população entre as três ilhas de Salvador (733 moradores), a Ilha dos Frades é a maior em extensão, com 13,63 km². Por lá, as grandes áreas são de propriedade privada de famílias da elite local, enquanto a população de baixa renda habita vilas precárias. Com paisagem composta por praias, lagoas, cachoeiras, montanhas e uma vegetação típica da Mata Atlântica, inclusive o pau-brasil, a ilha possui 15 pontas, compondo uma estrela peculiar. Em cada uma delas, fica uma praia. As mais conhecidas são Loreto, Paramana e Nossa Senhora de Guadalupe. 

Além das águas tranquilas e cristalinas que proporcionam um delicioso banho de mar, a Ilha dos Frades abriga construções antigas que ajudam a contar sua história. Duas delas são as igrejas de Nossa Senhora do Loreto e Nossa Senhora de Guadalupe. “As igrejas eram para catequizar. Meus avós contavam que a de Loreto era para os brancos que moravam por aqui e a de Guadalupe era para os negros. Por isso que ela tem aquela escadaria toda para poder chegar, dizem que era para castigar os negros”, diz Fernanda Sales, de 40 anos, nativa da ilha. 

Segundo a lenda local, o nome Ilha dos Frades se justifica pelo fato de que, no início da colonização, naquelas terras foram assassinados dois frades por indígenas Tupinambás por resistência à catequização. “A história que a gente sabe é que os índios eram canibais e comeram esses frades. Mas tem a versão de que os dois chegaram aqui por livre e espontânea vontade e a outra de que eles naufragaram na Baía e vieram nadando”, conta Fernanda.  Ilhas de Salvador (Foto: Nara Gentil) As praias 

A praia do Loreto possui mar calmo e águas transparentes, em meio à vasta mata, onde fica a igrejinha de mesmo nome e o cerimonial Loreto, casarão histórico onde acontecem grandes festas, principalmente, de casamentos celebrados na igreja. Já a praia de Nossa Senhora de Guadalupe é bastante conhecida pela culinária, pelos peixes, lagostas e camarões. É lá onde fica o famoso Restaurante Preta, da chefe Angeluci Figueiredo. A praia tem o selo Bandeira Azul (atestado de qualidade socioambiental). 

Em Paramana, o grande atrativo é o pequeno vilarejo de pescadores. A pesca, principalmente do peguari, é o principal motor da economia. Por isso, Iemanjá é figura reverenciada com festa. A celebração se parece com o 2 de fevereiro do Rio Vermelho, mas acontece no dia 8 de dezembro. Depois da entrega do presente, ali mesmo na Praia de Paramana, tem música, dança e bebida. Perto do píer, uma imagem de Iemanjá abençoa os pescadores e quem chega e sai do local. 

Gilvânia Monteiro, de 43 anos, diz a ilha é seu paraíso. Ela era jornalista, mas, pelo trabalho à forçar a deixar o local onde nasceu, abriu mão. Hoje é dona de uma pousada e também trabalha como professora. “Eu adoro essa tranquilidade, não tem que se preocupar com segurança, pode ficar de porta aberta. Não largo isso aqui por nada! Tem gente que vem da França, da Alemanha, da Argentina só para visitar. Alguns gostam tanto que ficam para morar. Eu vou ser besta de sair daqui? Sou privilegiada de morar onde todo mundo quer vir passar as férias”, diz Gilvânia.  

A tranquilidade à qual Gilvânia se refere é reflexo da simplicidade. Dona Gessonita dos Anjos, de 52 anos, é cria de Paramana e lembra que, até pouco tempo, água e energia elétrica nem se via por lá. “Há uns 20 anos, nem energia tinha aqui, a gente vivia de candeeiro. E até pouco tempo eu tinha que madrugar para buscar água na fonte, com lata na cabeça”, conta ela, que é uma das responsáveis pelas deliciosas moquecas do Restaurante da Ceci, na beira da praia. 

Ilha de Bom Jesus dos Passos

“Senhor Bom Jesus dos Passos, Deus de amor e de candura, lançai piedoso olhar para tantas criaturas”. A reza é decorada por cada um dos 1.465 moradores da Ilha de Bom Jesus dos Passos, a menor da tríade, com 0,45 km². O local vive da agricultura de subsistência e da pesca de peixes e mariscos. Com ruas de paralelepípedo e pequenas e charmosas árvores, carrega a rusticidade de uma colônia de pescadores, à beira de um mar de águas tranquilas, sobre uma mistura de areia e cascalho, ideais para a pesca e esportes náuticos (como windsurf). 

As praias mais procuradas são Pontinha e Ponta do Padre, mas, diferentemente de Ilha de Maré e Ilha dos Frades, não há largas faixas de areia. Próximo ao atracadouro, estão concentrados os restaurantes dos nativos em um corredor com instalações padronizadas. As opções vão de moquecas e outras preparações baianas, à massas e risotos. O Centro Gastronômico Cultural de Bom Jesus foi inaugurado em 2019. 

De acordo com os relatos de moradores, Bonja (apelido da ilha) já foi um importante pólo produtor de embarcações de pequeno porte na Baía de Todos os Santos. Muitos dos barcos atualmente utilizados para transporte de passageiros na porção norte da baía foram construídos em Bom Jesus dos Passos. A atividade, porém, se encontra em declínio e atualmente apenas serviços de reparos em embarcações são realizados em pequenas oficinas/estaleiros.

A ilha também leva o apelido de “princesinha”. É assim que o morador Luís Henrique Santos, de 41 anos, mais conhecido como Nem de Mirinha, se refere ao local. Ele é conhecido por enfeitar as ruas de Bom Jesus. “Eu amo isso daqui e quero sempre deixar a ilha cada vez mais bonita. Um dia tive a ideia de colocar vasos de planta na porta de cada casa. Hoje já tem praticamente na ilha toda, só não consigo mais porque precisa de dinheiro. Os moradores gostam, se alguém não cuida ou quebra, o outro já vem de lá falando ‘Eu vou dizer a Nem, viu?’”, conta. 

Um marco na ilha é a Igreja de Bom Jesus dos Passos, cujo responsável pela manutenção é também Nem de Mirinha. “Isso aqui é um museu, eu faço questão de cuidar. Aí a gente sai arrecadando com os moradores, todo mundo ajuda”, diz ele. O local teve construção iniciada em 1766 e já foi alvo de ataques de holandeses em 1624; muitos deles se estabeleceram por lá, se juntando a portugueses e indígenas Tupinambás. Em todo mês de janeiro, a população local realiza uma grande festa em homenagem ao padroeiro da ilha. O louvor a Bom Jesus dos Passos dura 20 dias. Também em janeiro, acontece a procissão marítima de Nossa Senhora dos Navegantes.

Lindomar Paixão, na dissertação As Ilhas de Bom Jesus dos Passos, dos Frades e Maré, aponta que a ilha ganhou o nome atual depois de uma aparição de Bom Jesus dos Passos - o santo - no século XVIII. “Originalmente, a ilha foi herdada pela portuguesa Rosa Maria Teles do seu pai, um grande dono de engenho em Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo”. Mais tarde, Rosa mudou seu nome, por devoção, para Rosa Maria dos Santos Passos. Ela não teve filhos e seus bens ficaram para a Irmandade do Senhor Bom Jesus dos Passos, fundada por Rosa em 1815.

Como conta Nem de Mirinha e também consta na dissertação, Rosa tinha uma imagem original de Bom Jesus na sua casa e ordenou a construção da igreja para abrigá-la, mas um fenômeno sobrenatural fez o local do templo mudar. “Dona Rosa rezava toda noite e, quando acordava, a imagem do santo já não estava lá, aparecia na praça. Aí ela entendeu como um sinal e mudou o local da construção para onde a igreja está instalada hoje”, diz Nem. 

Lugar: Ilha de Maré

Como chegar: A travessia para a ilha é feita a partir do Terminal Hidroviário de São Tomé de Paripe, no subúrbio de Salvador, dura cerca de 20 minutos e vai dar na Praia das Neves. O transporte custa R$ 8. De lá, é possível pegar barcos para as demais praias com barqueiros independentes. O valor varia de barqueiro para barqueiro e de acordo com a quantidade de pessoas. Destaques: Praia das Neves, Praia Grande, Praia de Botelho Quando visitar: A travessia é feita a todo instante, até às 17h. É possível ir para passar o dia, ou mais, descansando em uma das pousadas da ilha, como Janelas da Gamboa, Salvamar e Casa Azul.

Lugar: Ilha dos Frades

Como chegar: Partindo do Terminal Marítimo de Madre de Deus (é necessário passar por um pedágio que cobra R$ 2,90), saem barcos para Paramana e a passagem custa R$ 5 mais a taxa de embarque, no valor de R$1,40. A travessia dura cerca de 20min. Partindo do Terminal Turístico Náutico, no Comércio, a travessia já dura cerca de 1h e é feita somente com escunas, que vão em direção à Ponta de Nossa Senhora. Os valores variam a partir de R$35. De qualquer uma das praias da ilha, é possível pegar barcos independentes para se deslocar para as demais praias.  Destaques: Praia de Paramana, Praia de Loreto e Praia de Ponta de Nossa Senhora de Guadalupe

Quando visitar: De Madre de Deus, os barcos saem de hora em hora, das 7h às 17h. Do Comércio, as escunas saem pela manhã. É possível alugar um barco em família ou entre amigos em esquema bate-volta ou passar mais dias, descansando em uma das pousadas, como Paramana, Vitória Madre e Pretoca. 

Lugar: Ilha de Bom Jesus dos Passos

Como chegar: O acesso é através de embarcações que partem do Terminal Marítimo de Madre de Deus das 7h às 20h. A travessia dura cerca de 15 minutos e custa R$ 5 mais a taxa de embarque, no valor de R$1,40.  Destaques: Praia de Pontinha e Ponta do Padre Quando visitar: Os barcos saem de Madre de Deus de 30 em 30 minutos das 7h às 20h. É possível fazer a travessia oficial do Terminal ou fretar um barco para um dia de passeio. A visita pode ser esquema bate-volta ou durar mais de um dia, aproveitando as pousadas, como DiLuis, do Custódio e Bomja Village para descansar.

O Aniversário de Salvador é um projeto do Jornal Correio com patrocínio do Hospital Cárdio Pulmonar, Wilson Sons, Salvador Bahia Airport e Unifacs, apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador, FIEB e Sebrae, apoio de Suzano, Abaeté Aviação, Sotero, Shopping Center Lapa, Jotagê, AJL, Comdados.