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Da Redação
Publicado em 23 de dezembro de 2021 às 05:30
- Atualizado há 2 anos
A Pituba, o 11º bairro com o metro quadrado mais caro de Salvador, reúne cerca de metade dos casos de trabalho infantil da capital baiana. Essa foi a conclusão da segunda fase da Operação Cinderela, deflagrada pela Polícia Civil, nesta terça-feira (21). Quinze crianças de 0 a 14 anos foram resgatadas das ruas em situação de mendicância e vendendo produtos, considerado crime pelo artigo 232 do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). >
Somente neste ano, em torno de 70 crianças foram tiradas das esquinas da cidade pela polícia. Na primeira fase da Cinderela, 20 foram resgatadas das ruas. Muitas vezes, esses jovens são a fonte de renda da família. Outras vezes, as famílias os exploram para angariar trocados e doações. De uma forma ou de outra, a delegada Simone Moutinho, titular da Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Contra a Criança e Adolescente (Dercca), ressalta que, mesmo acompanhadas dos pais, a lei não permite as crianças estarem nessa situação. >
“Expor crianças a pedir esmolas, mesmo acompanhadas, é crime de exploração do trabalho infanto-juvenil e pode configurar como abandono de incapaz”, explica Simone. A delegada detalha que há conflito de interesses entre o representante legal e a criança. “Aquele que deveria estar promovendo o que a lei determina, como alimentação, lazer e o direito de ser criança, está explorando o trabalho delas. Ao invés de se desenvolverem para ter um futuro melhor, elas repetem a história dos pais e sua infância lhes é roubada”, esclarece. Delegada Simone Moutinho, titular da Dercca, pede para população colaborar com investigações, ligando no 181 (Foto: Marcela Villar/CORREIO) A delegada ainda ressalta os perigos que podem ocorrer com esses jovens – muitas vezes, sozinhos nas ruas. “Essas crianças podem ser cooptadas pelo tráfico, para situação de prostituição ou ainda, em via pública, serem atropeladas ou agredidas”, alerta Simone Moutinho. >
Essa infração tende a aumentar no final do ano, com a chegada do Natal e do espírito natalino. "Já é de praxe que as ruas ficam alastradas de pessoas com crianças para chamar atenção. Tem o espírito natalino que nos invade, a população fica mais sensível e usar crianças para esse expediente é a solução que se tem, mas não é algo justo com elas”, argumenta a delegada titular da Dercca. >
Ela reconhece que a pandemia fez a situação de penúria aumentar na cidade. Por conta disso, a Secretaria Municipal de Promoção Social, Combate à Pobreza, Esportes e Lazer (Sempre), teve que criar uma unidade de acolhimento emergencial com 150 novas vagas e dar conta do aumento da demanda. >
De acordo com a diretora de proteção social especial da Sempre, Kelly Morais, na manhã desta quarta-feira (21), 910 das 1.100 vagas disponíveis das 17 unidades da prefeitura estavam ocupadas. Na Pituba, ela confirma que a maior parte as pessoas nas ruas são por mendicância e não por morarem na rua. >
“Existe uma diferença das pessoas que vivem em situação de rua, que não têm casa para morar e aquelas em situação de mendicância. Na Pituba, na praça do gás, em frente à Rede Mix, é uma célula familiar que reproduz o ato de seus genitores. Desde sempre, eles foram levados para lá e aprenderam a viver de pedir”, diferencia Kelly. >
É lá que mora há um ano uma mulher que não quis se identificar, que tem sete filhos e está grávida de seis meses do oitavo. Desde que o telhado de sua casa desabou, em Pirajá, ela passou a morar na rua. “Ontem, a polícia saiu fazendo um arrastão e levando um monte de criança para o juizado. Eu consegui correr e levar meus filhos para casa, deixei na vizinha tomando conta. Mas eles são sempre muito agressivos”, relata. Pessoa em situação de mendicância na Pituba, nesta quarta-feira (22), trazia os filhos para conseguir comida e cesta básica (Foto: Marcela Villar/CORREIO) Eram cerca de 13h da tarde, ela ainda não tinha comido e tinha arrecadado menos de R$ 2. Sua renda se resume ao bolsa família, que lhe dá R$ 600 por mês. Ela explica que, com os filhos, consegue arrecadar mais dinheiro. “Com os meninos, o pessoal fica com pena e dá cesta básica, traz uma comida cozida. Agora, está mais fraco”, confessa. >
A atuação da Sempre é em direcionar cada criança a uma unidade específica, a depender do perfil dela. Antes, é preciso que elas passem por avaliação do conselho tutelar. A presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescentes de Salvador (CMDCA), Tatiane Paixão, entidade de que reúne os 18 conselhos tutelares da capital baiana, não atende às ligações ou respondeu às mensagens. >
Além disso, o principal papel da Sempre neste tema é conscientizar sobre o crime. “Temos várias ações preventivas em feiras livres, como na Feira de São Joaquim e nas Sete Portas, conscientizando, de forma preventiva, que, se você comprar algo de uma criança, contribui para essa exploração”, conclui Kelly Morais.>
A Operação Cinderela também contou com a participação do Núcleo de Inteligência (NI) do Departamento de Polícia Metropolitana (Depom) e o apoio dos agentes de proteção da 5ª Vara da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça da Bahia. Além da Pituba, as equipes fizeram abordagens no Caminho das Árvores e nas Avenidas ACM e Barros Reis. Para colaborar com a polícia nas investigações, deve-se ligar no 181, central do Disque Denúncia. >
O TJ-BA não disponibilizou fonte ou dados por conta do recesso do Judiciário. O Ministério Pública da Bahia (MP-BA), que também trabalhava em regime de plantão, foi procurado, mas tampouco repassou informações sobre o tema. >