Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Bruno Wendel
Publicado em 25 de agosto de 2017 às 16:10
- Atualizado há 2 anos
A sanfona chorou, mas não como o público queria. O toque que de costume provoca sorrisos, deu lugar ao lamento e às lembranças do homem tido como bom pai, amigo e filho. O agente penitenciário Thiago Henrique de Melo Muniz, 35 anos, foi enterrado na manhã desta sexta-feira (25), no cemitério Campo Santo, na Federação, ao som do ritmo que mais amava. Thiago foi uma das 18 pessoas mortas no naufrágio da lancha Cavalo Marinho I, na manhã de quinta-feira (24) na Baía de Todos os Santos, na região de Mar Grande, na Ilha de Itaparica. (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) “Ele amava o forró. A paixão começou aos 13 anos e desde então não parou mais. Ele e os amigos frequentaram por muitos anos um forró no Santo Antônio Além do Carmo. Era uma pessoa querida por todos, a prova disso é a quantidade de pessoas presentes ao enterro”, declarou a mãe de Thiago, a aposentada Antônia Muniz Barreto, 60. “Lá em casa está a zabumba dele. Ele arranhava, mas dançava um forró pé de serra como ninguém, pra ninguém botar defeito”, emendou. >
Thiago morava em Barra Grande, era servidor da Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização do Estado da Bahia (Seap) e trabalhava no Hospital de Custódia e Tratamento (HCT), na Baixa do Fiscal, em Salvador. Ele sempre fazia a travessia Mar Grande/Salvador.>
Nesta quinta-feira, seguiu a rotina: acordou cedo e antes de embarcar na lancha das 6h30, se despediu dos filhos – um menino de 2 anos e uma menina de 5 anos. “Ele arrumou a sacola e disse aos filhos: ‘Vou trabalhar para trazer o pão para casa’’, declarou Antônia. >
ACOMPANHE A COBERTURA COMPLETA SOBRE ACIDENTE DE BARCO>
Para ela, enterrar um filho é um dor imensurável. “É uma sensação horrível. Não tenho palavras para descrever o que estou sentindo nesse momento. Só sei que meu filho era um homem trabalhador, honesto, cheio de amor, a vida dele era a família, obediente aos pais, respeitoso. Não tenho o que dizer do meu filho. Deus me deu 35 anos de felicidade, mas estou devolvendo para Ele. Está sendo difícil”, disse a mãe de Thiago, amparada por amigos. >
Antônia lembrou das últimas palavras que ouviu do mais novo de seus quatro filhos. “Anteontem, ele me ligou e disse: ‘Mãe, diga ao meu pai que o amo muito e que vou respeitá-lo para sempre’. Foi praticamente um adeus, como se soubesse que não nos veria mais”, recordou. >
Identificação Por conta do acidente, Thiago sofreu afundamento no crânio e fraturas no rosto – o que incialmente impossibilitou o reconhecimento. “Mas ele foi reconhecido por um anel meu que ele pediu. Ele foi o segundo a ser resgatado do mar”, disse a mãe visivelmente abalada, mas que tinha forças para também consolar outras pessoas.>
“Tenha calma, Deus sabe o que faz, minha filha. Tenho certeza que Thiago está lá em cima, sorrindo, alegrando tudo do jeito dele, e estará sempre olhando para nós”, dizia ela durante um longo abraço na nora, Mariana Muniz. Marina preferiu não falar com a imprensa. >
O pai de Thiago, Eduardo Muniz Barreto, 62, pouco falou durante todo o cortejo. Mas ao final da cerimônia, pouco depois do caixão ser colocado na gaveta, desabafou: “agradecemos a todos pelo carinho, de coração. Oremos também pelas outras famílias que estão nesse momento passando pelo mesmo problema, ou até pior. O legado dele é ter perseverança até o fim e o fato de ser um bom pai. Isso que é importante. Que Deus abençoe a todos”, disse. >
Homenagem No sepultamento, pouco mais de 200 pessoas participaram da cerimônia. O cortejo, que saiu por volta das 11h, contou com parentes, amigos, colegas de trabalho do agente penitenciário e seguiu até a carneira sob o som de uma sanfona e palmas sincronizadas.>
João e Maria, Eu Só Quero Um Xodó, Asa Branca, Sanfona Sentida, entre outras, foram tocadas - somente as preferidas do agente penitenciário. No lugar do xote, lágrimas. “Nos conhecemos há mais de 15 anos. Sempre quando podia, estava num forró, sempre aos domingo. Não perdia um”, disse o engenheiro Daniel Gavazzi, 34, amigo de Thiago. >
O aposentado Roberto Borga Moreira, 64, lamentou a morte do agente penitenciário. “Era meu amigo. Um homem bom. No dia do acidente, além de vir trabalhar, mais tarde ele passaria lá em minha casa, na Ribeira, para assinar um contrato de o aluguel de apartamento porque ele não queria mais fazer a travessia”, disse ele. >
Ainda se acordo com ele, a embarcação Cavalo Marinho I já dava sinais de que o pior poderia acontecer a qualquer momento. “Há três dias, voltava de Mar Grande, porque tenho casa lá, e a lancha que eu estava cruzou com a Cavalo Marinho I, que estava todo emborcada para um lado, como se navegasse sem suportar o peso das pessoas. Era uma tragédia anunciada”, declarou. >