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Da Redação
Publicado em 23 de maio de 2010 às 22:53
- Atualizado há 2 anos
Passei a minha vida toda com a percepção de que a escola e a universidade não servem para coisa alguma e agora que tinha dissipado esse mau pensamento, me refazendo desses achaques de ignorância, eis que volto a ter esse desconforto existencial. A recaída ocorreu semana passada, durante um engarrafamento de meia hora, numa dessas filas tríplices de carros, na porta de um conceituado estabelecimento de ensino desta cidade. >
Enquanto tentava sair do gargalo, não pude deixar de refletir sobre o verdadeiro papel da escola e da universidade. Qual é mesmo? Difundir conhecimento. Tenho minhas dúvidas se esse propósito é atingido, afinal conhecimento tem a ver também com educação, cidadania e com a formação do indivíduo, tornando-o apto para conviver na sociedade. E esses valores a escola e a universidade, infelizmente, ainda não conseguiram assimilar (não têm a menor vocação para isso, no atual contexto mercadológico) e muito menos transmitir. >
A fila tríplice de carros na porta de um estabelecimento de “ensino” não é apenas um problema de trânsito, não é uma atribuição da prefeitura, não é uma consequência de um planejamento desordenado da ocupação do solo. É também uma questão de educação, portanto, um problema do estabelecimento de ensino que fecha os olhos, faz ouvidos mochos e lava as mãos, se eximindo de sua responsabilidade. >
A escola assume a sua conivência com a falta de educação dos pais de família. E, com isso, fomenta nas crianças e adolescentes a percepção do comportamento antissocial: o importante é se dar bem, mesmo que subvertendo as leis de trânsito. Para que servem, então, a escola e a universidade se não conseguem passar valores de educação e cidadania aos jovens, através da prática cidadã e não da simples retórica na sala de aula? >
Citei o exemplo da educação cidadã para o trânsito onde a escola prega uma coisa dentro do estabelecimento e pratica outra fora. Mas fico imaginando também a retórica vazia em sala de aula em torno das boas práticas ambientais; enquanto o professor de biologia faz a sua explanação, o ar-condicionado da sala, sem manutenção, faz um barulho enorme. Poluição sonora explícita, sem falar nas consequências para o aluno do aparelho sem os cuidados adequados. Citei um exemplo corriqueiro, as turmas das faculdades e escolas sabem do que estou falando, imagine entrar no mérito das “práticas ambientais” em banheiros. Não vou tripudiar.>
Mas continuo a me perguntar para que servem a escola e a universidade? Apenas para difundir um conhecimento relativo, atrelado à formatação de um suposto formato de mercado de trabalho, na prática desatualizado e superado? >
A escola e a universidade nada oferecem além do conhecimento e da convivência gregária em torno de princípios que eles mesmos, órgãos de ensino, não praticam. Estudamos, em média, 16 anos e no final somos inúteis e ignorantes. Não fomos preparados para a vida e nem para exercer uma profissão. >
Apesar de tudo, sou um otimista. Acredito que o mundo melhora a cada dia, ainda que a nossa percepção sugira o contrário. Imagino a escola e a universidade inseridas de fato no mundo real, não mais repassando apostilas, mas promovendo elas próprias conhecimento, através da reflexão, educação e cidadania, na prática.>
Em todo caso, estou confuso. Da próxima vez que me deparar com uma fila tríplice de carros na minha frente, em “zona” escolar, não sei se chamo o bispo, ligo para a Transalvador, ou bato na porta do colégio para chamar o i(responsável).>
Nelson Cadena é publicitário e escreve às quartas-feiras no CORREIO>