Que comida eu sou? Cinco experts elegem os pratos que mais têm a cara de Salvador

Se Salvador fosse uma comida, qual seria? Acarajé, feijoada, moqueca, caruru ou cozido?

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  • Alexandre Lyrio

Publicado em 29 de março de 2017 às 09:54

- Atualizado há um ano

Eu me chamo Salvador e sou uma delícia. Para quem tem libido, eu sou cozido. Se for de Xangô ou Exu, te lambuzo com caruru. Para gente esperta,  sou moqueca. Depois do baba, feijoada. Se tiver paixão, sou acarajé (ou abará?) com camarão. Sou quente e apimentada. Sou xinxim, bobó, efó e mariscada. Ensopado, vatapá, lambreta e rabada.

Sou uma luxúria de sabores, uma devassidão de temperos, uma orgia de ingredientes. Mas, afinal, que comida eu sou? Qual iguaria mais combina com minhas influências gastronômicas? Cinco especialistas na arte da cozinha opinaram sobre a seleção feita pelo CORREIO. O professor e historiador Elmo Alves, chefe do restaurante-escola do Senac, a quituteira Dadá, a equede Sinha de Xangô, do Terreiro Casa Branca, o antropólogo especialista em gastronomia Raul Lody e a cozinheira Alaíde do Feijão.

Como se vê, só gente com dendê no sangue. Se bem que, nas cinco opções, nem todas são batizadas com o azeite dos orixás. No infinito de pratos, os campeões de sedução: acarajé, feijoada, moqueca, caruru e cozido. Mesmo com a seleção, quase todos hesitaram na escolha. E se alguém acha que o famoso bolinho vendido no tabuleiro foi unanimidade, está enganado.

“Uma moqueca de peixe, negão. Moqueca mista de peixe com camarão é a cara da Bahia. Tem dendê, tomate, tem a cebola, o coentro, o leite de coco e a pimenta de cheiro. Com molho lambão e pirão... Êta porreta!”, largou, de cara, Dadá, soltando sua conhecida gargalhada. “Nada supera o colorido, o cheiro e o sabor da moqueca”, assinala.

Páreo duroMas a risada de Dadá de repente para. Colé negona! Ela se lembrou da maior estrela do nosso fast-food nagô. “Agora, tem o acarajé também, né negão? Muito forte!”, derrapa a quituteira, já em dúvida. “O acarajé é como se fosse nosso hambúrguer. Agora, pensando bem, o acarajé também tem seu lugar. Caiu na boca do povo”. Lá ele, Dadá!

Fomos então ao historiador Elmo Alves, chef de cozinha do Senac do Pelourinho. De primeira, Elmo dá uma gingada. “A comida do dia a dia do baiano é o feijão. Tá no cotidiano. Tá até na forma de expressão, né?.  ‘Vou bater um feijão’. ‘Vou pegar um feijão para comer’”, avalia. Pura mandinga de cozinheiro que prepara quase dez tipos de moqueca por dia.

“Mas quando a gente fala de representatividade, de uma comida que defina nossa identidade, vem muito na cabeça da gente o acarajé e a moqueca de peixe também”, enfatiza, agora sim, Elmo, sem conseguir definir um só prato. “Então, vejo o acarajé e a moqueca como os pratos que mais traduzem Salvador. Eu como Salvador quando eu como um acarajé no Rio Vermelho ou em Itapuã”. Que delícia, painho.

AncestralidadeNa Bahia, o paladar é um sentido que não se fecha em si. Até os sabores aqui têm relação com o sexto sentido. Que o diga Mãe Sinha, do Terreiro Casa Branca, uma cozinheira de mão cheia. Para ela, o prato que representa Salvador tem que ser de santo. “Não é comida baiana. Eu chamo de comida ancestral feita para os orixás, que se transformou na nossa comida do dia a dia”, ensina.

Sem rodeios, Sinha! Eu sou Salvador. Que comida eu sou? “Moqueca de peixe com vatapá. Porque é uma bela combinação, como a Bahia, que combina com tudo também. Aí acrescenta o vatapá, que é um prato baiano”, disse a equede, que, da mesma forma, escorrega para o acarajé. “O acará (nome original em ioruba) hoje é o prato da Bahia. As pessoas comem sem nem saber que é de orixá”, diz Sinha, que não esquece de citar o prato dos ibejis. “Mas quem não gosta de um caruru também, né?”, indaga.

O único a não hesitar é tido como um dos maiores pesquisadores da comida baiana e autor de diversas publicações sobre o tema. O antropólogo Raul Lody é direto: “Um bom acarajé, com um molho nagô, feito com pimenta frita e dendê, tem um valor, uma cor e uma qualidade gastronômica diferenciada. Sem dúvida, é o acarajé”. Numa coisa os quatro concordam. Se Salvador fosse uma iguaria, ela teria dendê.

“O dendê é a magia. O dendê é a tinta da gente, o pincel”, poetiza Dadá. “Quando a gente fala de comida à base de dendê, a gente fala da comida que tem uma tradição afro muito forte. O dendê é um elemento emblemático dessa cozinha. A gente sente o cheiro de dendê em cada esquina de Salvador. Quando a gente vê uma mulher bonita, a gente diz que ela tem dendê”, compara Elmo. Eu sou Salvador. Eu tenho dendê! Será?

Grão maravilhaAí entra Alaíde da Conceição, 67 anos, a Alaíde do Feijão. Dona de um restaurante que funciona no Pelourinho há 25 anos, ela sai em defesa da iguaria que incorporou-se ao seu nome. “Não tem outra coisa que o soteropolitano coma e goste mais que feijão. A feijoada é uma mistura, assim como Salvador”, diz Alaíde, que considera a nossa feijoada diferente de todas as outras.

“Nos outros lugares, o povo só coloca mais carne de porco. Aqui em Salvador a gente bota carne de sertão, de boi, calabresa, barriga, vísceras e costela”, enumera a quituteira. E, se precisar de azeite, Alaíde bota. “Agora tá saindo moqueca de feijoada aqui também”, destaca.

Com ou sem azeite, se eu sou Salvador, tenho que ter tempero. “Eu vejo o povo aí botando na comida uma pitadinha de sal, um pinguinho de cominho. Isso é tempero, negão?”, questiona Dadá. “O povo faz moqueca com leite de coco fraco. Minha mãe fazia moqueca com cinco, seis cocos. Ah, negão... Tem que ter tesão”, conclui Dadá. É, Dadá... Sou Salvador. Para me comer, tem que ter tesão mesmo!

Enquete: leitores indicam pratos prediletosMuita gente diz sem pensar: “ah, é o acarajé! Não tem outro!”. Mas ele não é unanimidade. Longe disso. Basta ver a enquete do CORREIO no Instagram e Facebook). O resultado final sai hoje. Participe no nosso site e redes sociais! Por enquanto, as respostas foram mais curiosas do que se imaginava. Claro, destaque para o acarajé, moqueca e o caruru. Mas as sugestões são diversas.

“Sarapatel”, variou Alisson Neri. “Arroz, feijão e carne”, simplificou Cleide Zanluchi. “Pizza!!! Todo mundo gosta”, divergiu Jamyle Chastinet. Mas, na miscelânea de sabores, claro, as comidas que mais identificam Salvador ganharam fácil. Houve muitas sugestões de acompanhamentos.

“Feijão de leite com moqueca de siri catado”, indicou Elcimar Souza. “Cozido”, destacou Marcelo Souza. “Um caruru completo”, elegeu Luis Augusto Sacramento e muitos outros também. E haja moqueca! “Uma deliciosa moqueca de camarão bem apimentada”, escolheu Mariana de Carvalho.

“Uma mariscada, onde coisas diferentes se misturam”, argumentou Flávia Nery. “Feijão doce, arroz e peixe”, misturou Nadja Costa. “Uma feijoada, porque tem vários ingredientes”, incluiu Hudson Medeiros. “Lambreta”, lembrou Cássia Araújo. “Pimenta”, apimentou Elnora Antunes.

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