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Gabriel Amorim
Publicado em 19 de novembro de 2020 às 05:30
- Atualizado há 2 anos
Toda semana, um brinde. Foi essa a rotina de pelo menos 4 entre cada 10 adultos soteropolitanos: 40,2% da população adulta, ou 919 mil pessoas beberam ao menos uma vez por semana em 2019. Os dados são da Pesquisa Nacional de Saúde 2019, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta quarta-feira. A porcentagem coloca Salvador como a capital onde o consumo recreativo do álcool é maior no país. Empatada com Salvador está Florianópolis (40,2%), seguida de Porto Alegre (39,4%).>
Olhando para o estado, o número é um pouco menor. A Bahia fica na oitava posição, com 26,7% (42 milhões) dos adultos afirmando consumir bebida alcoólica pelo menos uma vez por semana. Entre os estados, Rio Grande do Sul (34,0%), Mato Grosso do Sul (31,3%) e São Paulo (31,0%) lideram, enquanto as menores proporções de 2019 estavam no Acre (12,6%) e Amazonas (14,4%).>
O engenheiro civil Felipe Duarte, 26, é um dos que se enquadram no perfil de quem consome álcool com a frequência semanal. “Eu comecei a beber aos 18 anos, mas sempre era em momentos de festa e com a intenção de me soltar. Hoje, prefiro uma cerveja gelada ou um vinho, mas sempre com companhia. Acho que, conforme fui adquirindo responsabilidade, passei também a gostar do momento de estar numa mesa com amigos bebendo pra fugir da rotina”, comenta.>
Duarte diz, no entanto, que neste ano, a pandemia acabou alterando os hábitos de consumo e ele deixou de fazer parte do grupo que bebe com constância: “Com o isolamento, meu consumo foi a quase zero, porque não gosto de beber sozinho ou à distância. Por conta da dieta e do trabalho, hoje eu não bebo durante a semana, até porque a bebida atrapalha o rendimento de trabalho e afeta também na dieta”.>
Antes do isolamento, Felipe fazia parte de 51% de homens soteropolitanos que bebiam pelo menos uma vez por semana. Apesar da maioria masculina, 31,8% das soteropolitanas também afirmaram manter o mesmo hábito de consumo semanal. Em Salvador, esse número é maior do que o obtido quando considerado o estado inteiro ou mesmo o país. >
Na Bahia, a pesquisa apontou que 36,6% dos homens e 17,9% das mulheres disseram ter o hábito semanal. No Brasil, como um todo, as proporções foram, respectivamente, de 37,1% e 17,0%. Entre as soteropolitanas está a estudante Vitória Croda, 23, que consome vinho ou cerveja toda semana para relaxar: “Aqui em casa é comum no fim de semana fazemos jantares ou almoços de família e todo mundo bebe. Cheguei a fazer assinatura de vinho para não precisar sair pra comprar durante o isolamento, e também pela economia”. Cuidados Mesmo usando a bebida como válvula de relaxamento, Vitória diz tomar alguns cuidados na hora do consumo: “A gente acha que não, mas álcool é uma droga tanto quanto as proibidas. Então, evito beber em dias de semana, evitar beber quando estou me sentindo triste para que isso não acabe dando uma sensação de que a bebida vai te salvar de alguma forma”.>
Os cuidados como os praticados pela jovem serviram para não incluir Vitória em outra estatística: a daqueles que acabaram abusando no consumo. Em 2019, 28,0% da população adulta de Salvador (640 mil) relataram ter ingerido cinco ou mais doses de bebida alcoólica, em uma única ocasião, nos 30 dias anteriores à entrevista da PNS. >
Foi esse dado que deixou Salvador com o primeiro lugar do ranking preocupante. Foi o segundo maior percentual entre a capitais, praticamente igual ao de Aracaju (28,1%), que liderava nesse indicador. A psiquiatra Sandra Peu explica que não se deve banalizar os efeitos do álcool: “O alcoolismo é uma doença multifatorial e a banalização das consequências negativas do uso de etílicos é um fator social importante para aumento da prevalência desta doença. É absolutamente comum o uso de álcool em comemorações, inclusive infantis, e a associação de bebidas alcoólicas com momentos alegres. Neste contexto, a identificação de prejuízos pode ser tardia e o tratamento menosprezado”. Ela chama atenção para a necessidade de entender que o consumo de álcool não é apenas preocupante quando atinge o nível de alcoolismo:“Mesmo sem haver dependência química, pessoas podem sofrer por agravos físicos decorrentes do uso contínuo ou volumoso de bebidas. O uso de álcool, mesmo sem haver alcoolismo, também está relacionado à maior frequência de suicídio e de violência doméstica”. >
Saúde ruim Além do alto consumo de álcool, a Bahia foi também um dos estados em que a avaliação dos entrevistados pela pesquisa sobre a própria saúde foi a pior. No ranking, os baianos ficaram no segundo lugar entre os que achavam sua saúde ruim em comparação com o resto do país: 54,2% ou 6,043 milhões de pessoas maiores de 18 anos, o que deixou o estado atrás apenas do Maranhão (52%). Em geral, a proporção de homens satisfeitos com a própria saúde foi maior que a de mulheres. Na Bahia, 59,7% dos homens avaliaram como boa ou muito boa, e as mulheres, 49,3%. >
Em Salvador, a diferença por sexo foi um pouco menor: 67,8% dos homens consideravam a saúde boa ou muito boa, frente a 62,5% das mulheres. No Brasil, as taxas foram de 70,4% para homens e 62,3% para mulheres. Uma das razões que pode justificar essa percepção é a presença comum de doenças crônicas. Tanto na Bahia quanto em Salvador, em 2019, pouco mais da metade dos adultos tinham diagnóstico de ao menos uma doença crônica não transmissível: problemas de coluna, hipertensão arterial e colesterol alto. Depoimento pessoal O CORREIO falou com Lucas Matos Vinhaes, 27 anos, um cozinheiro profissional e personal chef que se prepara para se tornar um sommelier de cervejas. Vinhaes fala sobre como a bebida se tornou um elemento importante na sua vida profissional.>
Comecei a beber com 17 anos, em festinhas de escola - desculpa a ilegalidade, mas vou ser honesto - e bebia sempre vodka com suco ou refrigerante e bebidas mistas. Nessa época eu bebia para socializar e pelo efeito do álcool, e vez ou outra eu exagerava e passava mal. Com o passar do tempo e a chegada de responsabilidades, eu aprendi a beber com mais controle e comecei beber cervejas e drinks, aprendendo a apreciar as bebidas pelo sabor ao invés do efeito alcoólico. Hoje eu desenvolvi apreço maior por cervejas artesanais e importadas, pretendendo inclusive trabalhar no ramo, mas não deixei de tomar alguns drinks. Posso dizer que bebo por ter desenvolvido gosto pelo sabor das bebidas, mas é claro que o efeito inebriante - consciente e sem exageros - é agradável, principalmente em situações de socialização.>
Nas cervejas, comecei pelas populares da grande indústria, mas não gostava muito do que bebia. Desde 2013 eu vou sempre atrás de cervejas diferentes do comum, e em 2018 descobri que existe um universo muito grande de cervejas. Passei a optar por artesanais, principalmente locais (gosto muito do terroir, do consumo local) e quando sobrava dinheiro, comprava uma ou outra importada. No ano passado fiz uma oficina de produção caseira de cerveja e descobri que uma instituição de ensino que ministra cursos de cerveja por todo o país ia ter um curso de Sommelier aqui em Salvador nesse ano. O curso já teria terminado se não fosse a pandemia, mas foi adiado até conseguir condições seguras para iniciar, o que ocorreu nesse mês de novembro. Lucas Vinhaes estuda para se tornar sommelier de cervejas (Foto: Thiago Melo/@cervanossadecadadia) Já sou cozinheiro, então trabalhar com cerveja não é uma coisa distante. Gosto muito de trabalhar com montagem de menus, e harmonizar com cervejas seria uma experiência incrível, tanto pra mim quanto para um possível cliente. Por esse motivo, e também por gostar muito de cerveja, eu escolhi estudar para me tornar um sommelier.>
No meu dia a dia, eu uso especificamente cerveja como um complemento a uma ou duas refeições semanais minhas, porque gosto de fazer harmonizações entre comida e cerveja. E além disso, por estudar cerveja, estou sempre experimentando e avaliando novos rótulos de diferentes estilos. Isso não quer dizer que eu deixe de beber para me divertir E me relaxar. Devo admitir que ficar em quarentena dentro de casa aumentou consideravelmente meu consumo de álcool nos primeiros meses de pandemia, e foi diminuindo desde então. Eu sempre preferi beber em casa para evitar gastos com transporte, mas estar restrito a beber somente em casa me fez beber em maior quantidade.>
*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.>