Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Larissa Almeida
Publicado em 21 de agosto de 2025 às 05:00
Conhecida por ser uma cidade de maioria católica, Salvador atualmente tem cinco vezes mais terreiros do que igrejas ligadas ao catolicismo. Segundo a Federação Nacional de Culto Afro-brasileiro (Fenacab), 2.800 terreiros estão espalhados pela capital baiana, enquanto apenas 589 igrejas estão presentes no cenário soteropolitano, conforme informações da Arquidiocese de São Salvador. >
O número de terreiros, de acordo com Aristides Mascarenhas, presidente da Fenacab, corresponde ao total de cadastros junto à base de dados da entidade, atualizado pela última vez em 2024. A quantidade não é reconhecida por todas as representações de terreiros da cidade. Segundo Leonel Monteiro, presidente da Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro-Ameríndia (AFA), a estimativa é de que haja pouco mais de 2 mil casas de axé. >
Já a Secretaria Municipal da Reparação de Salvador (Semur), que mantém em sua base de dados informações sobre cadastros de povos e comunidades de terreiros, tem 824 terreiros vinculados, voluntariamente, à prefeitura. É consenso que esse número não reflete o total de terreiros na cidade. Isso porque, em 2008, um estudo feito pelo Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia (CEAO/Ufba) junto com a prefeitura, já havia mapeado 1.165 terreiros em Salvador. >
Embora haja divergência quanto à precisão dos dados, na falta de um levantamento centralizado, é inegável que existe um maior número de terreiros na capital baiana, assim como um crescimento de adeptos de religiões de matrizes africanas. Segundo o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Salvador tinha 59,9 mil pessoas praticantes de umbanda ou candomblé em 2022, número que duplicou desde o Censo 2010. >
Enquanto isso, a religião católica perdeu força na cidade. Pela primeira vez, menos da metade da população da capital se declarou católica – ainda que, em números gerais, a religião siga sendo maioria. Os adeptos da doutrina somam 947 mil pessoas – 44% da população –, o que representa uma queda de 22,5% em relação ao Censo anterior. >
Apesar da maioria numérica, é muito mais comum ver igrejas do que terreiros na paisagem urbana de Salvador. Para Leonel Monteiro, não se trata de mera impressão. Ele explica que, historicamente, as comunidades tradicionais de terreiros foram empurradas para as áreas periféricas da cidade. >
“Isso aconteceu por conta do racismo estrutural e pela necessidade de estar em áreas de difícil acesso, como matas fechadas e colinas, para dificultar a ação das forças de segurança do Estado que eram utilizadas para impedir o funcionamento de templos que não fossem católicos”, destaca. >
Nessa dinâmica, inicialmente, o miolo da cidade foi ocupado pelos terreiros, sobretudo a região que hoje corresponde ao Engenho Velho da Federação e ao bairro da Federação. Posteriormente, houve um novo deslocamento forçado, quando religiosos de matrizes africanas precisaram sair em busca de novas áreas verdes diante do crescimento populacional e ocupação das antigas áreas verdes e faixas litorâneas. >
“Assim, bairros como Cajazeiras, Castelo Branco, Fazenda Grande IV, dentre outros, passaram a ser os bairros possíveis de encontrar alguma área de mata e manancial aquífero, que ainda hoje são muito procurados para a implantação de comunidades de terreiro na capital”, acrescenta Leonel. >
Conheça a Rua Heráclito, que tem 15 terreiros em menos de 1 km
Ele ainda elucida que a existência de tantos terreiros, mesmo para uma população candomblecista e umbandista com menor expressão numérica frente ao total de habitantes, ocorre muito em decorrência da trajetória religiosa dos iniciados. Ao longo desse percurso, é revelado a cada um se a ele é conferido o caminho do sacerdócio. >
Caso esse caminho se confirme, o iniciado, após cumprir os fundamentos de sete anos e receber a autorização dos mais velhos da casa, poderá assumir a liderança sacerdotal de uma comunidade de terreiro. Isso pode ocorrer tanto após uma sucessão de cargo quanto através da construção de um novo espaço religioso. >
“Embora nem todo iniciado venha predestinado ao Sacerdócio, a grande quantidade de terreiros explica o crescente número de novas comunidades de terreiro que vão surgindo ao longo das décadas, onde também vão surgindo adeptos predestinados ao Sacerdócio”, analisa Leonel. >
De acordo com o Mapeamento dos Terreiros de Salvador, coordenado por Jocélio Teles dos Santos pelo CEAO/Ufba, em 2008, a nação Keto correspondia a 57% do total de terreiros de Salvador. Em segundo lugar, aparecia a nação Angola, com 24%. Mesmo anos depois, Aristides Mascarenhas, presidente da Fenacab, afirma que 60% dos terreiros da região central da cidade continuam sendo predominantemente Keto. >
Na época do mapeamento, cinco dos 14 bairros que possuíam mais de vinte terreiros eram os seguintes: Plataforma (58), Cajazeiras (46), Paripe (42), Cosme de Farias (36) e Liberdade (34). A pesquisa mostra que, em Plataforma, o crescimento ocorreu a partir dos anos 90, enquanto, em Cajazeiras, o crescimento foi de dois terreiros anualmente. >
Na atualidade, não há informações atualizadas e unificadas sobre a atual configuração espacial dos terreiros, bem como a linhagem de cada um. Sabe-se que, hoje, o Subúrbio segue tendo a maioria das casas de axé da cidade, seguido por Cajazeiras, onde predomina a nação Keto. >
A informação da nação, conforme esclarece Evilasio da Silva Bouças, presidente do Conselho Municipal das Comunidades Negras de Salvador (CMCN) e diretor de Assistência Social e Cultura da Associação do Terreiro Tumba Junsara (AbenTumba), é importante, sobretudo, para entender a língua em que a fé é professada. >
“Os povos iorubanos, que correspondem a nação Keto, falam a língua iorubá e suas divindades são os orixás. O povo Congo/Angola fala a língua, predominantemente, a língua Kimbundu e Kikongo, e as divindades são chamadas Nkissis. Essa diferenciação é feita pelos cânticos e toques”, finaliza. >