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Da Redação
Publicado em 5 de novembro de 2010 às 06:32
- Atualizado há 2 anos
Bruno Menezes | Redação CORREIO >
Em meio aos números de contabilidade da droga vendida pelo bando que comanda o Nordeste de Amaralina, o criminoso Luís Fernando Anunciação da Cruz, o Camisinha, encontra tempo para amar e para sofrer por amor. Em um caderno apreendido por policiais da 28ª Delegacia (Nordeste de Amaralina) — com apoio da 7ª Delegacia (Rio Vermelho — na noite de quarta-feira, num ponto de venda de drogas no Boqueirão, policiais encontraram um desabafo escrito pelo traficante, que, segundo a polícia, controla pelo menos 60% das bocas de fumo da região.>
Afinal, “o que faz uma mulher despertar o amor de um homem, sem ter a intenção de amá-lo?”, pergunta o criminoso. A resposta, no caderno, é seguida de mais números. No entanto, a frase remete ao depoimento do menor T.C.P., 17 anos, apreendido por fazer parte, junto com Camisinha, da chacina que matou quatro jovens em Itinga, em Lauro de Freitas, dia 7 de outubro. Na ocasião, apenas uma mulher sobreviveu ao ataque de Camisinha e seu bando. >
Sobrevivente Maiara Fernandes da Silva Teixeira, 18 anos, afirmou na época do crime que teria escapado com vida por ter se fingido de morta na situação. Dia 18 de outubro, após o depoimento do adolescente, a versão, confirmada pela polícia, mudou. De acordo com T.C.P., Maiara só foi poupada por ter se relacionado com o chefe do tráfico do Nordeste, principal responsável pela execução.>
Ela, no entanto, não deixou de receber sua punição: pelo crime de tráfico de influência, já que passou informações importantes para rivais, ela teve as duas pernas atingidas por disparos. Maiara foi medicada e liberada em seguida. A irmã dela, Marcela, foi morta na chacina. Nenhum parente da sobrevivente foi localizado para comentar a acusação.>
No mesmo caderno, além da declaração de amor, ou de lamento pelo sentimento não correspondido, alguns números também chamaram a atenção da polícia, que garante que a quadrilha do criminoso movimenta, por fim de semana, cerca de R$ 1 milhão com a venda de drogas em todo o Complexo do Nordeste, que abrange as comunidades do Nordeste de Amaralina, Vale das Pedrinhas, Santa Cruz, Chapada, Areal, Vila Verde e Boqueirão. >
Contas De acordo com informações do Serviço de Investigações da 28ª Delegacia, um dos soldados de Camisinha preso recentemente confessa que movimentava, por fim de semana, a quantia de R$ 300 mil com a venda de entorpecentes. No caderno, apreendido na noite de quarta-feira, estão registradas as saídas diárias de droga - maconha, cocaína e crack.>
Divididos pelo tipo do entorpecente, o material foi analisado pelos investigadores. Em cada página, uma extensa relação de nomes de soldados e “aviões” (vendedores de droga). Ao lado, o valor, em reais, que cada um retirou em mercadorias para a revenda. Quem paga tem seu nome riscado. >
Quem fica devendo ganha um sinal e continua na lista de devedores. Alguns nomes que aparacem nas listas são velhos conhecidos da polícia, como Riquelme, que também atende pelo nome de Betinho. Só em uma das listas, Riquelme aparece retirando mais de R$ 4 mil em cocaína. Outros nomes como o do criminoso Cabeção, Anderson Bruxa, Leandrinho, Raul, o Robichão e outros que fazem parte do exército de Camisinha também aparecem no caderno.>
Localidades No caderno também é possível saber onde atuam e em que locais são vendidas as drogas redistribuídas por Camisinha e seu bando. Perikito Chapada, por exemplo, um dos nomes que consta em várias páginas do caderno, de acordo com os policiais, é o responsável por pegar a droga com o líder e revender o material na Ladeira da Santa Cruz e na Chapada do Rio Vermelho. >
A polícia também faz as contas e comemora o resultado da operação. Só no comércio de cocaína (foram apreendidos mais de dois quilos de pasta base da droga), por exemplo, a quadrilha deixa de ganhar mais de R$ 2 milhões.>
Tráfico tem 20 pontos de observaçãoPara se proteger dos ataques da polícia, o tráfico montou pelo menos 20 pontos de observação do crime em todo o complexo do Nordeste de Amaralina. Investigadores e fontes ligadas ao Serviço de Inteligência (SI) da Secretaria de Segurança Pública (SSP) afirmam que um deles, o que fica atrás da Rua Nova República, no Areal, é o mais perigoso, já que está armado com uma metralhadora .50, capaz até de derrubar helicópteros. >
De lá, os traficantes observam a chegada da polícia e se preparam para o ataque, estratégia determinante na operação de quarta-feira, que só não foi mais comemorada pela polícia porque os criminosos alvos não foram presos. Segundo os policiais que estavam na ação, o bando estava numa casa, no Boqueirão, quando começou a troca de tiros, pouco depois das 17h30. >
Com o avanço dos policiais, os traficantes abriram fogo, com fuzis e escopetas. Uma delas acabou apreendida na ação. Também foram recolhidos 92 gramas de crack, 2.180 kg de cocaína em pasta, 5. 473 kg de maconha, 2. 460 kg de maconha embalada para a venda, cinco balanças de precisão e outras duas normais, dois pentes de fuzil Ar-15 (um deles com capacidade para 100 balas), sete radiocomunicadores, munição de calibres .40, 38, Ar-15 e 44, além de quatro coletes à prova de balas (um deles da Polícia Militar). >
No pacote ainda foram apreendidos seis tesouras, duas facas, uma pistola .40, sete pentes de pistola, um revólver 38 de brinquedo, um revólver 38 de verdade, três chips de celular, uma serra e duas bombas caseiras com emulsão em gel. Entre os coletes apreendidos, havia um que também chamou a atenção dos investigadores: sem a placa protetora, ele estava preenchido com concreto. Todo o material foi enviado para a perícia.>
Comparsas foram executadosA notoriedade de Camisinha teve início com uma rixa entre Plácido Santos Teles— o alvo maior da chacina de Itinga — e um outro rapaz conhecido como Léo Cabeça, assassinado por Teles um mês antes, em setembro. Os dois criminosos seriam parte do grupo de Camisinha. A desavença ficou ainda mais grave quando Léo Cabeça atirou contra Teles, que sobreviveu ao atentado. >
Pouco tempo depois, a vingança. Léo Cabeça foi assassinado na praia de Amaralina. Após o crime, Teles foi obrigado a se refugiar e alugou uma casa em Itinga. Além de Teles, mais três pessoas morreram na chacina: Plácido Santos Teles, com a irmã, Marcele Fernandes, 17, o namorado dela, Márcio dos Santos Pires, e a amiga, Luciana de Sena dos Santos, 35. >
Já no dia 31 de outubro, Anderson Sacramento Santos, o Amaral, que liderava o tráfico no Complexo do Nordeste, associado a Camisinha, foi assassinado a tiros em Santa Cruz. Amaral teve o crânio esfacelado pelos tiros e garrafadas que recebeu na cabeça. A polícia investiga se Amaral se envolveu numa rixa interna na quadrilha e se foi morto por comparsas.>
GlossárioLeite - Assim como a cocaína, o leite tem a cor brancaLeite Novo - Cocaína em estado mais puroLeite Malte - A polícia acredita ser o crack, produto da cocaínaÓleo - De cor mais escura, o óleo é usado para simbolizar a maconha>
Tráfico na orla conta até com supervisoresNo caderno de Camisinha, também é possível desvendar a movimentação que os traficantes do Nordeste fazem na orla de Amaralina e Pituba. De acordo com os investigadores, aviões são enviados para a orla, no início da noite, com a missão de vender maconha e, principalmente, cocaína mais perto da praia, onde estão concentrados boates, postos de gasolina e restaurantes. >
Com a chegada da polícia, as lojas de conveniência se transformam em porto seguro para os ‘vendedores’. A prostituição também vira escudo para os meninos do tráfico, que circulam entre os travestis e garotas de programa em busca de clientes. Mas, como os aviões também acabam sendo alvo de assaltantes, supervisores, de bicicleta ou moto, circulam pelo local para garantir as vendas.>