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Polícia

São João: tradições peculiares marcam festejos juninos de cidades baianas

De 'Muquiranas Caipiras' a representação da Guerra do Paraguai, manifestações culturais agitam feriado de pequenos municípios

. Crédito: Prefeitura de Andaraí
. Crédito: Prefeitura de Andaraí

Não é só de atrações famosas que os festejos juninos na Bahia são marcados. Pequenas cidades baianas celebram a tradicional festa de São João com manifestações culturais que resgatam contextos históricos, unem a população e potencializam a economia dos municípios, que celebram o principal evento do calendário no mês de junho. 

Banhada pelas águas do Rio Paraguaçu, a cidade de Iaçu, no centro-norte baiano, com pouco mais de 25 mil habitantes, mantém uma tradição peculiar há mais de 15 anos. Na abertura dos festejos juninos, que costuma variar a cada ano, um vagão de trem faz alusão ao antigo trem Mochila, modal responsável por transportar pessoas que buscavam uma vida financeira melhor em outras cidades, sobretudo do recôncavo para a Chapada Diamantina, que foi desativado em 1977.

O Arraiá do Mochilão, como foi carinhosamente denominada a festa junina de Iaçu, só começa após a chegada do vagão na praça da cidade, em frente à estação ferroviária. Neste ano, a cerimônia com o trem está prevista para o dia 23, com a participação do prefeito da cidade, Nixon Duarte, e outra autoridades locais. Durante toda a folia, moradores e turistas podem desfrutar de passeios de aproximadamente oito quilômetros – saindo da estação até o Balneário das Gambeleiras, com direito a apresentações de sanfoneiros, além do arrasta-pé e da apresentação de quadrilhas no centro do município. 

Filha de ferroviário, a policial militar Mara Lizandra, de 46 anos, chegou em Iaçu em 1981, quando o pai foi transferido de Contendas do Sincorá, e não saiu mais da cidade. Para a PM, a tradição junina traz lembranças afetivas e reforça a identidade do município, que é conhecido por ter surgido às margens da ferrovia.

“É um resgate. O São João é a festa mais importante do nosso município, a principal festa. É um momento que movimenta a economia local, que a gente recebe parentes e turistas, que vêm pela primeira vez e se apaixonam. Dizem que quem bebe a água do Paraguaçu não esquece jamais.” 

“Eu vejo a emoção de meu pai, que faz questão de todos os anos, quando o Mochilão chega no primeiro dia de festa, ele está lá, esperando, com os olhos cheios de lágrimas, para poder relembrar sua própria história. É um momento de recordação profunda”, completou Mara.  Trem Mochilão anima foliões em São João de Iaçu (Foto: Prefeitura de Iaçu) Apesar do vagão ser apresentado com a decoração própria deste ano no dia 23, os passeios só vão acontecer nos dias 24 e 25, a partir das 9h, com restrição de 50 pessoas por viagem. Para participar da tradição, os foliões podem adquirir cada ingresso por 2 kg de alimentos não-perecíveis, que serão distribuídos para famílias que se encontram em vulnerabilidade social, identificadas pela ONG Tudo Por Um Sorriso.

Pertencente à Valor da Logística Integrada (VLI), empresa brasileira responsável por operar nos Sistemas Centro-Norte e Centro-Sudeste do país, em operações ferroviárias, portuárias, rodoviárias e conexões com terminais, o vagão do Arraiá do Mochilão é utilizado somente para os tradicionais passeios de São João. Por outro lado, a Linha Tronco Mapele x Monte Azul, que atravessa Iaçu, ainda está ativada, mas só para transporte de cargas como Combustível (de Candeias a Montes Claros) e minério de ferro (de Licínio de Almeida para Petim).

A prefeitura de Iaçu é responsável pela manutenção do trem, que recebe uma decoração específica a cada ano. 

Outra tradição que marca o Arraiá do Mochilão é o Arrastão dos Candangues, realizado no último dia festa, em homenagem aos passageiros do antigo Mochila, que se deslocavam em busca de qualidade de vida e recebiam esta denominação.Em uma espécie de marchinha junina, os foliões saem do Balneário Três Gameleiras em direção à Praça dos Ferroviários, percorrendo as ruas da cidade atrás de um trio elétrico que é comandado por bandas de forró.

Três Fortes de Barra

A cerca de 490 quilômetros de Iaçu, a cidade de Barra, no oeste da Bahia, também apresenta uma tradição singular durante as comemorações de São João. Há mais de 100 anos, os clubes Curuzu, Humaitá e Riachuelo atravessam as ruas do município com o Desfile dos Fortes, manifestação cultural que faz referência à Guerra do Paraguai.

De acordo com relatos dos moradores, cem barrenses foram enviados ao maior confronto bélico da América Latina, que aconteceu entre 1864 e 1870, e voltaram a salvo. Ao retornarem à cidade natal, os soldados trouxeram em suas bagagens uma quantidade de munição utilizada na guerra e começaram a celebrar a noite de São João com fogueiras e fogos de artifício. 

Após a criação dos clubes juninos Curuzu e Humaitá em 1892 e 1896, respectivamente, uma rivalidade foi instaurada durante a exposição dos fogos. As agremiações barrenses, que levam nomes de fortes da Guerra do Paraguai, disputam a melhor performance a cada 23 de junho, com mais de 200 pessoas cada uma, na rua Dom João Muniz, em um trajeto que vai da igreja matriz até o Palácio Episcopal. Criado em 1905, o caçula Riachuelo representa o confronto naval. 

"O desfile é o ponto crucial, a cereja do bolo de um São João que é muito bom, muito bem organizado. É uma cultura enraizada aqui na nossa comunidade. A gente se dedica, a gente não ganha nada com isso, pelo contrário, temos despesas, gastamos, doamos o nosso tempo em função deste desfile, para que ele saia bonito, para que a gente tenha aquele orgulho no final do desfile, de saber que a gente fez uma boa apresentação, que a gente honrou as pessoas que saíram de Barra para batalhar em uma terra estrangeira", afirmou o engenheiro agrônomo Joaquim José Dantas, atual presidente do Curuzu.  Clube Curuzu no Desfile dos Fortes de 2022 (Foto: Acervo do Clube Curuzu) O Desfile dos Fortes é marcado por carros alegóricos, fanfarras, cavalarias e o famoso buscapé — espécie de tubo de papelão, conhecido popularmente como tubete, utilizado para soltar os fogos. Aproximadamente um mês antes da celebração, os próprios soldados começam a confeccionar o objeto, que possui peculiaridades dos barrenses, como a utilização da própria pólvora. 

A pólvora feita pelos fogueteiros barrenses é composta de carvão vegetal, originado de uma madeira extremamente leve, nitrato de potássio e enxofre. Para dar um brilho específico à comemoração do município, os soldados ainda acrescentam a limalha, pó feito da chapa de zinco. 

Para produzir os buscapés, os clubes recebem o patrocínio da prefeitura de Barra, que destina um valor para a compra do material. No entanto, conforme Joaquim José, os soldados precisam colaborar com uma taxa de inscrição – valor de R$ 120 no Curuzu – para custear outros gastos do desfile. 

Muquiranas de Andaraí 

Na região central do Parque Nacional da Chapada Diamantina, a cidade de Andaraí é conhecida por manter vivo o forró pé de serra nos festejos de São João. Os munícipes e turistas são embalados pelo arrasta pé, que toma conta do Centro Histórico do município. 

Tal qual o bloco ‘As Muquiranas’, do Carnaval de Salvador, um grupo de homens percorre a cidade travestido, atrás de um carro de som, contemplando as seis praças de Andaraí. Com aproximadamente 150 duplas, o bloco sai de uma tenda montada na entrada do município em direção ao espaço oficial dos festejos. A tradição acontece há 30 anos. 

“Essa manifestação cultural é a cara de Andaraí porque ela é extremamente irreverente. A cidade fica cheia de gente. Os próprios filhos da cidade que saem travestidos. Isso marca a diversidade da Chapada Diamantina, a diversidade de Andaraí, que é um lugar que recebe bem todo mundo. Neste dia, As Muquiranas representam a felicidade e a diversidade de Andaraí”, destacou o jornalista Cezar Romero, 49 anos, que sai no bloco há 12 anos.  Bloco desfila na cidade de Andaraí há 30 anos (Foto: Prefeitura de Andaraí) Além do bloco junino, Andaraí resgatou a quadrilha ‘As Furiosas’, composta, em sua maioria, por mulheres que têm mais de 60 anos de idade. A manifestação cultural reúne um grupo de moradoras do município que também realiza outras atividades folclóricas em períodos festivos, como o desfile das pescadoras na Festa dos Reis e a passagem das ciganas, no Carnaval.  Tradição reúne aproximadamente 65 mulheres (Foto: Prefeitura de Andaraí) Alvorada de Riachão do Jacuípe 

Antes do arrasta pé iniciar oficialmente no município de Riachão do Jacuípe, a cerca de 193 quilômetros da capital baiana, os foliões ‘acordam com as galinhas’ e vão fazer o forró nas ruas da cidade. A tradicional Alvorada é o sinal de que São João chegou à cidade e a festa já começou. 

Criada junto com os festejos juninos oficiais, a Alvorada é símbolo do São João de Riachão. No primeiro dia de festa de cada ano, os foliões fazem a concentração antes das 4h, em frente à igreja matriz, para dar início aos festejos juninos. A tradição ainda possui uma peculiaridade similar às comemorações de Andaraí: homens seguem o minitrio travestidos de mulheres e vice-versa. 

Natural de Riachão, Caio Rudá, 34 anos, enxerga a Alvorada como um momento de reencontro. Assim como tantas outras pessoas, ele deixou a cidade, de aproximadamente 34 mil habitantes, para cursar psicologia na capital baiana.

“A concentração na praça é muito bacana por isso. Você marca com um grupo de amigos, com a família, mas sempre na expectativa de reencontrar colegas, pessoas queridas. É uma festa muito democrática, muito bacana. Você tem gente de toda a classe popular, gente de todo o gosto, de várias identidades”, afirmou.

Neste ano, os festejos de Riachão começam no dia 21 de junho e vão até o dia 25. Como de praxe, a tradicional Alvorada abre o evento oficial, das 4h às 9h. À noite, Del Feliz, Noa, Flor Serena e atrações locais comandam a festa do São João do Riachão. Confira programação completa abaixo:   Alvorada abre festejos juninos em Riachão do Jacuípe (Foto: Ascom Riachão do Jacuípe) Manifestações culturais como reflexo da diversidade sociocultural

De acordo com o professor da Universidade Estadual da Bahia (Uneb) Janio Roque de Castro, pesquisador de festas populares desde 2001, a diversidade das manifestações populares juninas é um reflexo do contraste sociocultural que constitui o povo brasileiro. "As festas populares são vistas por muitas pessoas, muitos sujeitos sociais, como uma perspectiva de ruptura do cotidiano. As pessoas procuram fazer nas festas o que não fazem no seu cotidiano de vivência, no seu dia a dia." 

A cultura do travestir, por exemplo, vista com mais frequência em manifestações carnavalescas, começou a ser adotada em festas juninas porque estas celebrações culturais assumem o posto de principais eventos de muitos municípios. 

"Como o Carnaval é localizado, por exemplo, em algumas grandes cidades, como Salvador, Recife, São Paulo e Rio de Janeiro, ele se restringe a esses contextos geográficos. Já as festas juninas, que acontecem em vários municípios do nordeste brasileiro, em alguns desses municípios para muitas pessoas, a grande festa do ano não é o Carnaval, como se espera em Salvador, mas sim o período junino, que é o momento dessa ruptura do cotidiano e, por isso, essas práticas são aderidas", pontuou o professor Janio. 

Programação das cidades:

Arraiá do Mochilão – Iaçu:

Local: Praça dos ferroviários, em frente à estação de trem

23 de junho

Chegada simbólica do Mochilão na estação: 21h

Concurso de quadrilhas juninas:

Shows noturnos: Mastruz Com Leite, Pegada Dez, Bruno Lima, Roquinho do Forró e Trio Umbuzeiro 

24 de junho

Passeios com o Mochilão (manhã e tarde): a partir das 9h 

Shows noturnos de Arreio de Ouro, Vanzinho Vaqueiro, Toque Dez, Edson Campelo e Trio Nogueira

25 de junho

Passeios com o Mochilão (manhã): a partir das 9h Shows noturnos: Cavaleiros do Forró, Zay Rios e Zumbelê

São João da Barra

São João de Andaraí

Os festejos de Andaraí ocorrem entre os dias 22 e 24 de junho. Vão passar pelo Centro Histórico da cidade as seguintes atrações: Sandrinho do Acordeon, Eloísa Olinto, Reimundinho do Arcodeon, Carlos Vilela, Nilton Freitas, Saul Avellar, Rennan Mendes, Pablo Moura, Flor Serena + Rural Elétrica, Trio Petrolina, Jadson do Acordeon, Encosta N'Eu, Josiel e Zabumbaião. 

Quadrilha As Furiosas: 23 de junho, às 19h, Novo Centro Histórico de Iaçu 

Bloco As Muquiranas: 24 de junho, às 19h, saída da Praça do Sol

São João do Riachão 

Local: Praça Landulfo Alves

21 de junho

Alvorada: 4h

Shows noturnos: Del Feliz, Noa Flor Serena e atrações locais

22 de junho

Shows noturnos: Mari Fernandez, Lucas Aboiador, Márcia Fellipe, Pau na Mulêra e atração local

23 de junho

Shows noturnos: Michel Teló, Calcinha Preta, Fulô de Mandacaru e atrações locais

24 de junho

Shows noturnos: Márcia Castro, Adelmário Coelho, Cristian Luz, Raí Saia Rodada e atração local

25 de junho

Shows noturnos: Zé Vaqueiro, Santana “O Cantador”, Tayrone e atrações locais

Além disso, em todos os dias da festa, às 13h, forrozeiros locais se apresentam em um palco alternativo, na praça Landulfo Alves.

 

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