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Da Redação
Publicado em 16 de fevereiro de 2016 às 12:31
- Atualizado há 2 anos
Três pacientes baianos ganharam na Justiça o direito de receber a 'pílula do câncer' - droga ainda em fase de teste para tratamento contra a doença, produzida no campus da Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos. Segundo o advogado Joviniano Dourado, responsável pelo processo, a busca por liminares vem crescendo na Bahia.Baiano de Irecê ganhou direito de receber a substância estudada pela USP (Foto: Marcello Casal Jr. / Arquivo Agência Brasil)Morador da cidade de Irecê, um paciente de 45 anos, que não teve o nome divulgado, lutava contra um câncer de intestino em estágio avançado. O paciente, que morreu durante o uso da substância, havia abandonado os tratamentos convencionais por conta da metástase - disseminação do câncer para outros órgãos - e decidiu apelar para a fosfoetanolamina sintética, que ainda é alvo de discussões.>
"Infelizmente, no momento, não existe outra via para conseguir a fosfoetanolamina sintética, a não ser por decisão judicial. Ela não está à venda e tampouco pode ser distribuída sem liminar. A própria USP encaminha as cápsulas para a residência do paciente", explicou o advogado. >
Segundo ele, foi necessário buscar mecanismos legais para tentar garantir a melhoria da qualidade de vida do paciente, ou até mesmo a possibilidade de cura, baseado em depoimentos e relatos de pessoas que fizeram e fazem o uso da substância. Nesse caso, Joviniano ingressou com a liminar no dia 3 de dezembro de 2015, que foi deferida no mesmo dia. Onze dias depois, a substância chegou na casa do paciente.>
"Ele sentia o corpo aumentar a temperatura. Se desse cinco passos parecia que o corpo tava pegando fogo. E não tinha apetite. Quando começou a tomar a substância, tudo isso sumiu. E não teve efeito colateral. Vômito, nada", relata um familiar, que não quis ser identificado. "Quando entramos com a liminar, a médica já tinha tentado a quimioterapia sem sucesso. Ele já estava com metástase na coluna, no pulmão", explica.>
O paciente de Irecê não foi o único a ser beneficiado pela decisão. Uma idosa com câncer de esôfago, também da cidade de Irecê, ingressou com liminar no dia 26 de janeiro e teve seu pedido deferido dois dias depois. Um terceiro paciente, morador de Ibititá, teve sua liminar deferida nesta segunda-feira (15). Os casos têm servido como esperança para outros baianos. Apesar de muitos soteropolitanos terem dado entrada no pedido, a maioria dos processos solicitados ao defensor vem de cidades do interior.>
"É como uma prevenção. Algumas pessoas estão se dando bem com os tratamentos convencionais, mas querem tentar uma outra alternativa. A indústria do câncer movimenta hoje cerca de U$ 2 bilhões em todo o mundo. Tem paciente que faz uso de um medicamento com 28 comprimidos que custa R$ 22 mil", comenta.>
Segundo o advogado, tudo corre na Justiça Federal e dura, em média, três dias para se ter uma resposta. "É um processo rápido e não tem desgaste emocional nenhum para o paciente ou familiares. Vai muito do entendimento do juiz", explica Joviniano.>
Governo testa substânciaO uso da droga divide opiniões e a substância ainda não tem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ela é vista como a cura para diversos tipos de câncer, no entanto, não foi oficialmente testada em seres humanos, por isso, não é considerada um remédio. Os pesquisadores envolvidos no projeto alegavam que a fosfoetanolamina não havia sido testada clinicamente por uma questão de má vontade da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). >
Em novembro do ano passado, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) anunciou que destinaria R$ 10 milhões para pesquisas com a fosfoetanolamina. Do total, R$ 2 milhões foram incluídos ainda no orçamento de 2015 e os outros R$ 8 milhões nos anos de 2016 e 2017.A substância vem sendo distribuída pela Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo (IQSC-USP). Os estudos da eficácia da fosfoetanolamina serão conduzidos por laboratórios parceiros do MCTI, além do Instituto Butantan e de institutos ligados ao Ministério da Saúde. >
O Ministério da Saúde recomenda às pessoas que não usem a substância até que os estudos sejam concluídos. O órgão afirma ainda que os relatos de cura entre pacientes que recorreram à substância não comprovam a eficácia dela contra o câncer.>
Polêmica e relatos de curaA fosfoetanolamina sintética foi estudada pelo professor Gilberto Orivaldo Chierice, hoje aposentado, enquanto ele ainda era ligado ao Grupo de Química Analítica e Tecnologia de Polímeros da USP.>
Algumas pessoas tiveram acesso às cápsulas contendo a substância, produzidas pelo professor, que usaram como medicamento contra o câncer. O instituto disse, em nota, que a produção da droga foi um “ato oriundo de decisão pessoal” de Chierice. Em junho de 2014, a USP reforçou a proibição de produção de qualquer tipo de substância que não tenha registro, caso da fosfoetanolamina sintética.>
Desde então, pacientes que tinham conhecimento das pesquisas passaram a recorrer à Justiça para ter acesso à fosfoetanolamina. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) já havia impedido que uma paciente tivesse acesso ao produto. >
Diante do posicionamento do tribunal, a advogada Cárita Almeida - que representa mais de 1,5 mil liminares com o pedido de acesso à substância - apresentou um recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF) que foi analisado pelo ministro Edson Fachin. No dia 8 de outubro do ano passado, ele suspendeu a determinação do TJSP, liberando o acesso de pacientes às cápsulas.>
Cinco dias depois, a USP se posicionou sobre o assunto. Em nota, pediu cautela. "Essa substância não é remédio. Ela foi estudada na USP como um produto químico e não existe demonstração cabal de que tenha ação efetiva contra a doença: a USP não desenvolveu estudos sobre a ação do produto nos seres vivos, muito menos estudos clínicos controlados em humanos. Não há registro e autorização de uso dessa substância pela Anvisa e, portanto, ela não pode ser classificada como medicamento, tanto que não tem bula".>
Mil voluntáriosO governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, anunciou no início do mês que o Laboratório PDT Pharma, de Cravinhos, será o responsável pela sintetização da substância fosfoetanolamina para testes no tratamento do câncer. A substância será analisada no tratamento da doença em até mil voluntários.>
Depois de produzido, o medicamento será encapsulado pelo laboratório farmacêutico oficial do governo do estado de São Paulo (Furp) e, em seguida, será iniciada a fase de testes em pacientes. Segundo o governador, haverá investimento de cerca de R$ 5 milhões na pesquisa.>