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Publicado em 27 de junho de 2025 às 05:00
Se por muito tempo o transtorno bipolar foi considerado um drama encenado apenas no palco do cérebro, novas pesquisas revelam que o corpo todo participa desse enredo. Agora, cientistas descobriram que proteínas do sangue também entram em cena, conectando a doença a riscos físicos até então pouco explorados. >
Pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) publicaram na revista Trends in Psychiatry and Psychotherapy uma descoberta que amplia a compreensão do transtorno bipolar: a identificação de perfis de proteínas e vias moleculares alteradas em amostras de sangue de indivíduos com a doença, sugerindo que suas manifestações extrapolam o cérebro e afetam todo o corpo.>
Mais especificamente, o estudo analisou amostras de sangue de dez pacientes com transtorno bipolar, todas mulheres divididas em dois grupos conforme grau de funcionamento cognitivo e social, além de cinco controles saudáveis. Utilizando tecnologias como a espectrometria de massa, a equipe identificou oito proteínas que caracterizam exclusivamente o perfil molecular de pacientes com transtorno bipolar de alto funcionamento, enquanto 26 proteínas alteradas foram observadas no grupo com pior funcionamento. Essas proteínas estão ligadas principalmente à cascata do complemento, coagulação sanguínea e metabolismo lipídico.>
No grupo de pacientes com baixo funcionamento psicossocial, o padrão de proteínas identificado e as vias de sinalização também foram associadas a maior risco de doenças cardiovasculares. O resultado é importante porque indica que com a progressão da doença bipolar, podem ocorrer alterações sistêmicas, sugerindo que o transtorno bipolar não é apenas uma doença do cérebro, mas uma patologia que se estende ao corpo, provocando alterações físicas detectáveis.>
“As proteínas encontradas podem ainda ser um elo entre o transtorno bipolar e condições como diabetes, hipertensão e outras alterações metabólicas que levam a doenças cardiovasculares e morte prematura e que são frequentes em indivíduos com o transtorno, cujos mecanismos moleculares ainda são pouco conhecidos”, destaca a equipe.>
Tratamento global >
O estudo observa que pessoas com transtorno bipolar tendem a morrer antes do que pessoas sem o transtorno — não apenas por suicídio, mas por causas naturais, como complicações cardiovasculares. Com as recentes descobertas, cresce a compreensão do transtorno bipolar como uma doença que exige tratamento global, envolvendo tanto saúde mental quanto acompanhamento clínico.>
Outro destaque do estudo é a constatação de que o grupo de pior funcionamento utilizava mais medicamentos, possivelmente refletindo uma maior complexidade do quadro clínico e um possível impacto dos tratamentos nos perfis moleculares. Ainda assim, os autores ressaltam limitações, como o número reduzido de participantes e o fato de todas estarem sob tratamento medicamentoso, fatores que podem influenciar os resultados e precisam ser considerados na interpretação dos achados.>
O estudo é o primeiro a usar análise proteômica — estudo em larga escala do conjunto de proteínas (o proteoma) de um organismo — baseada em espectrometria de massa para mostrar padrões moleculares, vias de sinalização e doenças médicas primárias relacionadas a diferentes estágios do transtorno bipolar. >
Agora, a equipe planeja expandir a pesquisa para outras doenças mentais, como depressão e esquizofrenia, e também para pessoas que realizaram tentativas de suicídio. O objetivo é determinar se as proteínas identificadas são específicas do transtorno bipolar ou comuns a outras condições psiquiátricas.>
“Essa diferenciação é crucial para o diagnóstico diferencial, que atualmente se baseia em avaliações subjetivas e entrevistas clínicas. A identificação de marcadores sanguíneos específicos para cada condição seria um avanço significativo para um diagnóstico mais preciso”, pontua Adriane Rosa, uma das autoras do artigo.>
“Talvez isso traga uma mudança de mentalidade importante, porque as pessoas, quando pensam em transtorno bipolar ou depressão, pensam que é uma doença só do cérebro. Mas o que esses estudos têm nos mostrado, por exemplo, é que no sangue desses indivíduos já conseguimos detectar proteínas do sistema inflamatório, indicando que a patologia já se estendeu ao corpo todo.”>