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Agência Einstein
Publicado em 30 de outubro de 2024 às 08:38
O câncer de ovário é a segunda neoplasia ginecológica mais comum, atrás apenas do câncer do colo do útero. Considerando todos os tipos de câncer, é o sétimo mais frequente entre as mulheres. Apesar disso, é um tumor raro e difícil de rastrear – estima-se que 70% das pacientes descobrem a doença em estágio avançado. Há décadas cientistas buscam formas de prevenção e as pesquisas mais recentes apontam para uma cirurgia simples e promissora: a salpingectomia, que consiste na retirada total das trompas. >
Em 2023, a Agência Internacional para Pesquisa Sobre Câncer (IARC, na sigla em inglês) estimou que aproximadamente 313 mil novos casos de câncer de ovário foram diagnosticados em todo o mundo. A expectativa é de que esses números aumentem, com uma projeção de 371 mil novos casos por ano até 2035. A mortalidade é bastante significativa – cerca de 207 mil mortes são atribuídas a essa doença anualmente. >
No Brasil, o Instituto Nacional de Câncer (INCA) calcula que, a cada ano do triênio de 2023 a 2025, haverá 7.310 novos casos desse câncer. Isso corresponde a 6,62 novos casos a cada 100 mil mulheres no país. “O câncer de ovário representa uma das principais causas de morte por câncer em mulheres devido a ausência de sintomas nas fases iniciais, dificuldades para sua identificação na população, detecção tardia, além das características biológicas de alta agressividade”, afirma o ginecologista e oncologista Renato Moretti, do Hospital Israelita Albert Einstein.>
A doença é mais comum em mulheres após os 60 anos. A terapia de reposição hormonal (especialmente com estrogênio isolado) por longos períodos após a menopausa pode aumentar o risco. Endometriose, obesidade, histórico familiar de câncer, incluindo de ovário, mama, colorretal ou endometrial, também são fatores de risco para a doença. “Mas o principal risco ocorre entre portadoras de mutações genéticas herdadas nos genes BRCA1 e BRCA2. Elas têm risco de 10% a 60% de desenvolver câncer de ovário durante a vida”, alerta Moretti. >
Subtipos diferentes>
O câncer de ovário apresenta subtipos, que variam em termos de características biológicas, comportamento clínico e resposta ao tratamento. Cada subtipo tem implicações diferentes em termos de prognóstico, tratamento e sobrevida. Eles são classificados principalmente com base no tipo de célula em que se originam, sendo que os tumores serosos de alto grau são os mais agressivos e letais. >
Segundo Moretti, evidências científicas sugerem que danos genéticos e processos inflamatórios originam células atípicas nas trompas que podem semear o abdômen e o ovário, transformando-se em células danosas. “As células das trompas podem se transformar em células cancerosas e migrar para o ovário. Ao remover as trompas, reduz-se a probabilidade dessas células malignas se espalharem”, explica. >
Essa é uma alternativa menos radical do que a retirada dos ovários e útero, por exemplo. De acordo com o ginecologista, a retirada dos ovários leva à menopausa precoce, o que pode causar efeitos colaterais significativos, como osteoporose, doenças cardíacas e sintomas vasomotores, como ondas de calor e suores noturnos. >
Salpingectomia oportunista>
A salpingectomia oportunista envolve a remoção das trompas de falópio, deixando os ovários intactos. A indicação dessa cirurgia como estratégia de prevenção surgiu depois que cientistas descobriram que o subtipo mais comum de câncer de ovário (seroso de alto grau) começa justamente nas trompas. Esse subtipo representa cerca de 90% dos casos da doença. Antes, acreditava-se que os cânceres de ovário se originavam nos ovários. >
Um dos estudos comprovando os benefícios da retirada profilática das trompas foi feito por uma equipe de pesquisadores da Universidade de Colúmbia Britânica, no Canadá, e publicado em 2022 no Jama Network Open. Os cientistas avaliaram dados de 25 mil mulheres que passaram pelo procedimento entre 2008 e 2017 e compararam essas informações com um grupo controle, composto por 32 mil mulheres que passaram por histerectomia isolada ou laqueadura tubária, durante o mesmo período. >
Nesse estudo, a turma que fez a salpingectomia teve significativamente menos cânceres de ovário serosos e epiteliais do que o esperado de acordo com a taxa em que surgiram no grupo controle. “Esses achados sugerem que o procedimento está associado à redução do risco de câncer de ovário”, observa Moretti.>
Diante dessas evidências, em fevereiro de 2023, a Aliança para Pesquisa em Câncer de Ovário dos Estados Unidos passou a recomendar que a salpingectomia seja realizada em momentos oportunos, durante outras cirurgias ginecológicas de rotina, como histerectomia ou laqueadura. A ideia não é sair operando todo mundo, mas sim beneficiar qualquer mulher que for submetida a uma cirurgia pélvica, mesmo que ela não seja considerada do grupo de alto risco. Dessa forma, elas estariam prevenindo a doença. >
Isso é importante, explica Moretti, porque ainda não existe um método eficaz de rastreamento para o câncer de ovário que seja amplamente recomendado, ao contrário do que ocorre com outros cânceres femininos – como o de mama, que tem a mamografia como excelente forma de rastreio, e o de colo de útero, cujo rastreio ocorre pelo exame regular de Papanicolau. >
Diretrizes brasileiras>
No Brasil, ainda não existe uma diretriz oficial indicando a salpingectomia profilática, mas ela tem ganhado aceitação e se tornado uma prática cada vez mais recomendada em alguns contextos clínicos, especialmente com base nos estudos internacionais que demonstram a eficácia desse procedimento na redução do risco de câncer de ovário. Por isso, várias sociedades médicas e ginecologistas do país recomendam a salpingectomia profilática para determinados grupos de mulheres. >
Desde 2018, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) tem se debruçado em definir orientações clínicas sobre o tema. Em 2020, a entidade publicou um artigo sugerindo a salpingectomia oportunista (no momento da laqueadura ou da histerectomia) como uma cirurgia de baixo risco eficaz para a profilaxia do câncer de ovário. >
“A recomendação oficial pode evoluir conforme novas evidências científicas surgirem. Na prática, muitos ginecologistas brasileiros já oferecem a salpingectomia profilática como uma opção para mulheres de alto risco e durante cirurgias ginecológicas, considerando a estratégia como um meio de reduzir o risco de câncer de ovário”, destaca Renato Moretti.>