Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Da Redação
Publicado em 13 de janeiro de 2020 às 21:35
- Atualizado há 2 anos
O maior problema vivido pela Região Cacaueira da Bahia é o endividamento dos seus proprietários rurais. As dividas desses imóveis com o sistema financeiro superam de 3 a 5 vezes o valor dos próprios imóveis. >
A situação terá que ter um tratamento especial por parte do Governo Federal, vez que está mais do que provado que o fator indutor da inadimplência foi a chegada da doença vassoura-de-bruxa, num período em que os produtores já estavam descapitalizados pelos baixos preços recebidos pela arroba de amêndoas produzidas. >
No trabalho Paridade de Preços do Cacau na Região Sul da Bahia, período 1975 a 2000, publicado pela UESC, afirma: “Os resultados mostram que os preços do cacau recebidos pelo produtor no período, sofreram substanciais decréscimos, passando de R$ 232,20/@, em termos reais, em 1977 para R$ 24,32/@ em 2000 (preços constantes de 2000”).>
No citado trabalho está demonstrado que os custos de produção continuaram crescendo, enquanto o produtor sozinho arcou com os custos da variação dos preços. Por exemplo, no ano de 1999, para cada @ vendida a um preço de R$ 20,30 (vinte reais e trinta centavos), o produtor gastava R$ 49,55 (quarenta e nove reais e cinquenta e cinco centavos), para produzi-la.>
Considerando que a maioria das plantações de cacaueiros no sul da Bahia está implantada sob as copas de arvores de grande valor econômico, e também, de plantas protegidas por lei, será necessário que o produtor tenha uma recompensa financeira por ser o fiel depositário da preservação do pouco que resta da Floresta da Mata Atlântica.>
Grande parte da mata foi transformada em pasto devido a inviabilidade econômica do cultivo do cacau nos moldes tradicionais.>
A única forma de atrair investidores para a Região Cacaueira será resolvendo o problema do endividamento. Duas alternativas podem ser tomadas: anistia das dívidas ou conversão dos valores das dívidas em equivalência produto pela média histórica de preço recebido pelo produtor ao longo dos 30 (trinta anos) anteriores. >
A anistia permitirá que os imóveis fiquem disponíveis para ser vendidos, isso permitiria a profissionalização da cacauicultura e a diversificação de culturas na Região.>
O presente documento tem como finalidade sugerir meios de se resolver de uma de forma definitiva todas as dívidas do sistema cacau, ou seja: produtor/bancos, produtor/exportador e exportador/ bancos.>
É uma fórmula que definirá regras mais estáveis para pagamento das dívidas passadas, e formalizar novos contratos.>
Nossa sugestão é que se utilize em todos os contratos, antigos e futuros, a equivalência produto, tendo como parâmetro a média histórica dos últimos 30 anos.>
A média histórica dos preços, como todos sabem, é o resultado do somatório dos valores alcançados por um produto em determinado tempo, dividido pelo período. Deve ser o mais longo possível para alcançar os picos de alta e de baixa. Se tomarmos os preços obtidos pelos produtores na praça de Ilhéus-BA, no período de 01/02/1985 a 02/01/2019, essa média será no valor de R$ 145,98/@ ( a preços de dez 2018).>
A equivalência produto pela média histórica seria a moeda para conversão dos financiamentos. O produtor que tomou e/ou vier a tomar o crédito ficará devendo uma quantidade de cacau resultante da divisão do valor financiado pelo valor do Preço Médio Histórico. O governo ou um fundo criado com a finalidade de administrar a variação dos preços: pagando ou recebendo as diferenças que existirem entre o preço do dia e o preço médio histórico.>
Para fixar o entendimento da presente proposta seguem abaixo quatro exemplos, contendo simulação de transações das variações dos preços do dia X preço médio histórico. >
Por exemplo: l - um agricultor que fez um empréstimo bancário para custeio de sua lavoura no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) em 01/02/2003 e sua divida foi convertida em equivalência produto com a @ de cacau ao preço do dia R$ 115,00 (cento e quinze reais), ele ficaria devendo 870 @ de amêndoas de cacau. >
Ao final de 12 meses, o preço do cacau pago ao produtor custava R$ 66,00/@, e o valor do empréstimo corrigido, apenas pela taxa Selic, passaria para R$ 123.345,45. Se o produtor vendesse as 870 @ pactuadas ao preço do dia, conseguiria auferir apenas R$ 57.420,00. Para quitar o valor do empréstimo o produtor teria que vender 1.869 @ de amêndoas de cacau, e não mais as 870 @ inicialmente previstas.>
Pelo modo aqui proposto, pela media histórica, a quantidade da divida, em cacau, seria de 845 @, referente ao valor corrigido do empréstimo. >
ll - Se em 02/01/2008, outro produtor fez um custeio no valor equivalente ao do primeiro exemplo no valor de R$ 221.800,00, convertida em equivalência produto preço do dia R$ 61,00/@, ele ficaria devendo o equivalente a 3.640@.>
Ao final de 12 meses, o preço do cacau pago ao produtor custava R$ 93,00/@, e o valor do empréstimo corrigido, apenas pela taxa Selic, passaria para R$ 247.193,00. Se o produtor vendesse as 3.640@ pactuadas ao preço do dia, conseguiria auferir R$ 247.193,00. Para quitar o valor do empréstimo o produtor teria que vender apenas 2.658@ de amêndoas de cacau, e não mais as 3.640@ inicialmente previstas.>
Pelo modo aqui proposto, pela media histórica, a quantidade da divida, em cacau, seria de 1.693 @, referente ao valor corrigido do empréstimo.>
lll- Se em 02/01/2012, outro produtor fez um custeio no valor, equivalente ao do primeiro exemplo, de R$ 332.971,88, convertida em equivalência produto preço do dia R$ 66,00/@, ele ficaria devendo o equivalente a 5.045 @.>
Ao final de 12 meses, o preço do cacau pago ao produtor custava R$ 63,00/@, e o valor do empréstimo corrigido, apenas pela taxa Selic, passaria para R$ 361.251,80. Se o produtor vendesse as 5.045 @ pactuadas ao preço do dia, conseguiria auferir apenas R$ 317.835,00. Para quitar o valor do empréstimo o produtor teria que vender 5.734@ de amêndoas de cacau, e não mais as 5.045 @ inicialmente previstas.>
Pelo modo aqui proposto, pela media histórica, A quantidade da divida, em cacau, seria de 2.475 @, referente ao valor corrigido do empréstimo.>
lV - Se em 02/01/2018, outro produtor fez um custeio no valor, equivalente ao do primeiro exemplo, de R$ 615.616,00, convertida em equivalência produto preço do dia R$ 112/@, ele ficaria devendo o equivalente a 5.497@.>
Ao final de 12 meses, o preço do cacau pago ao produtor custava R$ 158,00/@, e o valor do empréstimo corrigido, apenas pela taxa Selic, passaria para R$ 665.193,00. Para quitar o valor do empréstimo o produtor venderia apenas 4.147@ de amêndoas de cacau, e não mais as 5.497 @ inicialmente previstas.>
Pelo modo aqui proposto, pela média histórica, a quantidade da dívida, em cacau, seria de 4.488 @, referente ao valor corrigido do empréstimo.>
Como ficou acima demonstrado a Equivalência Produto pela Média Histórica, é uma ferramenta que permitirá ao produtor planejar o seu negócio, e ter confiança em investir na produção e na manutenção da propriedade, e com isso ganham todos: trabalhadores rurais, comerciantes de insumos, industriais e, o meio ambiente que passará a ter o produtor como seu aliado.>
Com ele será possível desatar o nó hoje existente: Bancos com dinheiro, Agricultores sem condições de tomá-lo, e economia regional se esfacelando e empobrecendo.>
DIAGNÓSTICO >
A Região Cacaueira da Bahia mesmo possuindo características avantajadas: solos férteis, boa infraestrutura na área médica/hospitalar, boa infraestrutura educacional, belezas naturais e boa infraestrutura para o turismo na faixa litorânea, porto em Ilhéus, aeroportos em Ilhéus / Porto Seguro, etc., é uma das regiões que menos se desenvolveu nas últimas duas décadas. Vários são os fatores que contribuíram e contribuem para o estado do baixo desenvolvimento da região que tem o cacau como principal fonte de receitas: baixa capacidade associativista e alto grau de endividamento dos produtores, falta de lideranças, pouco uso de tecnologia, alteração da distribuição pluviométrica.>
Segundo a Drª Lourdes Bertol, em sua tese de Doutorado em Geografia, com o título de A Região Cacaueira da Bahia – dos Coronéis à Vassoura-de-Bruxa, onde descreve os 06 (seis) ciclos que a Região Cacaueira do Sul da Bahia passou desde 1746 após a implantação da cacauicultura na Fazenda Cubículo em Canavieiras, até 1989 com a chegada da vassoura-de-bruxa em Uruçuca.>
“Desde 1986, essa região amarga os impactos de uma longa crise de preços devido a uma superprodução mundial de cacau. Para agravar a situação, em 1989 teve início o alastramento do fungo Crinipellis perniciosa, causador da vassoura-de-bruxa. Com esse fato, a crise se aprofundou, os produtores de cacau se endividaram, houve abandono de plantações, aumento do desemprego rural e urbano. Muitos municípios chegaram a perder população nos anos 1990, como foi o caso de Camacan, entre outros” (L. Bertol 2007).>
“A cultura do cacau tem sofrido crises cíclicas ao longo de sua história. Na atualidade, parece que se instalou para indicar uma profunda reformulação dos conceitos da agricultura até agora praticados” ( L. Bertol 207).>
“Nesse sentido, Gasparetto (1998, p. 54) faz uma análise das causas que levaram a região cacaueira, de anos de ouro, a um ciclo de crises: passou pelos anos de ouro do cacau, na segunda metade dos anos 1970 para, pouco a pouco, entrar num novo e já longo período de dificuldades.”>
Em todos os citados ciclos, as causas são alheias à vontade ou decisão dos produtores: problemas climatológicos, infestação de pragas e doenças; e as soluções vieram através de medidas do governo federal que, em regra, promoveu ações para resolver o endividamento dos produtores e criou órgãos para combate a pragas e doenças.>
Em nosso entendimento o Sexto Ciclo, que perdura até o presente momento, meados de 2019, é o mais grave, e o que teve menor atenção efetiva em favor da região como um todo, pois as medidas tomadas pelos governos anteriores aumentaram, em muito, o endividamento dos produtores; tornando-os devedores insolventes. Isso ocorreu, por ser o cacau uma commodities, e os preços não estarem relacionados com o custo de produção; e sim, a uma opção das controladoras do mercado internacional.>
As plantações de cacau na Região Cacaueira baiana, em sua maioria, são formadas no sistema Cabruca, plantações de cacaueiros sob as copas das árvores da Mata Atlântica; essa técnica é responsável por preservar grande parte da reserva florestal no sul da Bahia. O custo de produção no sistema Cabruca é maior que o da Derruba Total, pois parte da adubação aplicada na área é absorvida pelas arvores de sombreamento. Nesse sistema o produtor preserva a floresta, sem que seja remunerado para tanto.>
PROPOSTAS>
Equacionar a divida dos produtores e exportadores, com o sistema financeiro, em sua maioria, bancos oficiais. A forma que sugerimos é a Equivalência Produto pela Média Histórica.>
Calcularia a media histórica dos preços pagos aos produtores, desde 1985 até 2018, e converteria todas as transações financiamentos e pagamentos, (credito e debito) em equivalência produto tendo como preço de referencia o preço médio histórico, que foi calculado em R$ 145,98 / @. >
O débito passaria a ser dos proprietários dos imóveis que fizessem o Equacionamento da divida. Isso permitirá que outras pessoas adquiram os imóveis e fiquem responsáveis pelo pagamento das dividas.>
Criar um Fundo Garantidor Equalizador de Preço Médio; O gerenciador do FUNDO seria a Caixa Econômica / Banco do Nordeste ou outra instituição pública.>
A manutenção do FUNDO viria do pagamento de: >
Uma taxa no percentual de 5,0% da transação, que incidiria sobre as vendas das amêndoas no mercado interno. O valor recolhido como taxa seria identificado quem recolheu, e encaminhado ao Banco Gerenciador do Fundo ,que faria duas destinações: para os que possuírem dividas físicas, será abatido dos débitos Equalizados do referido devedor; para quem não for devedor, será aberta uma conta poupança capitalizada com possibilidade de resgate a cada 5(cinco) anos. >
Cobrança de uma taxa, no percentual de 10 (dez) %, sobre as amêndoas de cacau que for importada. A empresa importadora teria um crédito para dedução de impostos equivalente ao valor transferido para o FUNDO. >
Destinação de empréstimo, a longo prazo, do BNDES ao Banco Financiador, Caixa Econômica ou B. do Nordeste, no montante de uma safra, a preço médio histórico, para garantir as operações de empréstimos aos produtores, pela Equivalência Produto pela Media Histórica, para custeio ou financiamento de instalações de beneficiamento da produção.>
Incentivo a formação de Cooperativas Agrícolas Singulares, em cada município produtor;>
Essas cooperativas teriam como objetivo a compra e venda de cacau e seus derivados; Incentivo a formação de uma Cooperativa Central; Essa Cooperativa teria como objetivo adquirir das Cooperativas Singulares as amêndoas de cacau produzidas nas localidades, e poderia industrializa-las e/ou vender no mercado local e internacional. Incentivo ao consumo do chocolate através da introdução na merenda escolar.>
Fazer gestões no Congresso Nacional para aprovação da Lei Lídice da Mata; e Campanha publicitária no país e no exterior para aumentar e/ou incentivar o consumo de chocolate com maior teor de cacau.>
Se essas medidas forem implementadas, por certo será possível resgatar a dignidade do produtor e todos os habitantes da Região Cacaueira da Bahia, que voltará ser um celeiro de prosperidade, como já foi no meado da década de 1970.>
*Roberto Melo de Oliveira é superintendente da CEPLAC na Bahia - [email protected]>