Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Da Redação
Publicado em 22 de maio de 2019 às 10:50
- Atualizado há 2 anos
Meu primeiro contrato como professor substituto na FACOM/UFBA foi de 2001 a 2003 e tive poucos alunos negros e de origem humilde. Na época, isso não me chamou a atenção. Era o “natural” daquele ambiente...>
Contudo, quando voltei a dar aula, novamente como substituto, em 2009, a realidade das cotas sociais, adotadas pela UFBA anos antes, já tinha introduzido uma mudança significativa: a quantidade de alunos negros e mulatos, muitos de condição socioeconômica precária era bem maior. A realidade se impôs e me dei conta do quanto aquela havia uma transformação importante em curso.>
Tornei-me efetivo em 2011 e desde então o eixo didático e pedagógico de minha atuação docente também mudou. Os contextos trazidos pelos alunos demandaram a revisão de minha performance. Também tenho aprendido, ainda que seja confrontado com simplismos como quando uma aluna, mestiça, me advertiu que eu não trazia teóricos negros para a disciplina, como se fosse uma escolha minha, quando a área a qual me dedico tem pouquíssima tradição de produção de conhecimento fora da Europa e EUA.>
É simplismo quando não se dá ao trabalho de investigar como tem sido historicamente a produção de conhecimento sobre a área a qual me dedico. É simplismo me acusar como se eu não tivesse tido nenhuma vontade de encontrar autores que não fossem os franceses, americanos, ingleses e australianos que dominam o campo. Não existem nem mesmos pesquisadores brasileiros, africanos ou latino-americanos dedicados ao tema.>
Afirmo que foi simplista pelo modo como foi colocado. Para ela, EU escolhi não trazer autores negros. Tanto que quando lhe respondi esclarecendo sobre como as coisas funcionam, sobre o lugar de subalternidade que a produção acadêmica brasileira ocupa no mundo no campo das ciências humanas e sociais, ela ficou surpresa. E isso revela que pessoas pensam a priori que falta ao outro, rotulado como branco (eu não passaria num teste de branquidade nos EUA ou na Europa ou em qualquer sociedade racialista), o interesse em romper o etnocentrismo.>
E acho que antes de acusar cabe verificar, se informar. As políticas de cotas e inclusão precisam ir além, muito além, a demanda por avanço precisa chegar nesse lugar, da produção de conhecimento e timidamente isso vem sendo alcançado: nos congressos dos quais tenho participado já começam a aparecer negros e negras apresentando artigos, adentrando a esfera da produção científica, o que é muito bom. >
Entretanto, estes também ainda se apoiam - por exemplo - na teoria dos campos de Bourdieu porque ainda não surgiu na sociologia ninguém metodologicamente melhor para organizar pesquisas que o velho mestre francês já falecido. Quanto aos demais comentários, sempre acho que perguntar antes de afirmar é mais gentil e honesto!>
A estrada é longa e espero que esses primeiros passos, dos quais tenho participado, sejam a construção de uma revolução.>
Sérgio Sobreira é professor da Facom/Ufba>
Texto originalmente publicado no Facebook e replicado com autorização do autor>