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Da Redação
Publicado em 29 de julho de 2017 às 20:06
- Atualizado há um ano
[Locação] Velho casarão da Avenida Rio Branco, 817, Jequié, Bahia. Com sete quartos, três salas, sala-varanda, banheiro, cozinha, e longo corredor, foi aí que passei parte da infância e da adolescência.
[Cenas inesquecíveis] 1. No banheiro tosco e úmido que recendia a mofo e a cheiro azedo de roupas sujas: A. Minha irmã mais velha escorregou no chão limoso, feriu fundo o queixo e levou 18 pontos. B. Vi minha mãe nua e a pele alvíssima de minha mãe nua me extasiou, e no cérebro algum neurônio me envenenou: - Corpos dessa natureza não devem ser profanados, Roge! C. Depois de friccionar o pênis como sempre fazia, além do gozo, espirrou líquido gozozo, e, em pânico, pensei que ia morrer: - Roge, que porra é essa? – [Era a própria. Muito prazer].
2. No quarto grande no qual dormia com meu irmão Zé: A. Medroso, antes de dormir pedia: - Fica comigo, mainha. Ela consentia, mas, às vezes, cansada, escapulia antes de eu pegar no sono. B. Após o assassinato de rico fazendeiro em casa das cercanias por jagunços armados de fuzis, passei a olhar embaixo da cama para ver se não havia algum jagunço de tocaia.
3. Na sala-varanda, minhas irmãs, professoras formadas, improvisaram escolinha que socorria alunos relapsos nos estudos com aulas de português e matemática. Tornaram-se mestras disputadas, por seus dotes pedagógicos e, também, pelos olhos verdes de Cecé e azuis de Luíza. Dia desses, garoto dessas turmas, hoje sessentão, me segredou: - Não sabia no que prestar atenção, se no que suas irmãs ensinavam ou se nos olhos lindos delas.
4. No longo corredor, quando toda a família viajava em tardes de domingo, sozinho em casa, sempre amei a solidão, eu colocava o elepê Tropicália para tocar. Depois vestia algum vestido colorido de minhas irmãs, calçava o primeiro sapato de salto alto que achava, usava lençol patchwork à guisa de mantô, segurava vassoura na mão, e porta-estandarte de minha inocência em progresso, sentia-me a rainha do lundu.
5. No quarto de casal pontificava cama de dossel belíssimo e guarda-roupa barroco total. Aos 9, febre tifoide me fulminou. Então meus pais queridos me cederam este leito molhado de afetos para eu me recuperar. Entre outras profilaxias, obrigaram-me a tomar dez injeções diárias por semanas. Quase de hora em hora, vizinho querido chamado Etelvino Torres, um dos muitos anjos negros que pontuaram minha vida, vinha me agulhar as nádegas.
[ZIENDE] Em hipotético filme sobre minha vida esse local seria locação fulcral. Seria. O velho casarão não há mais. Tombou sobre o trote dos tratores a 16 de julho de 2017. Assisti à cena por acaso – se é que existe acaso. Saí para caminhar pelo lado oposto ao que costumo seguir. De repente, na esquina da ex-biblioteca pública, hoje sede da polícia militar, o choque: parte da minha memória virava pó e poeira. [O terreno dará lugar a prédio de dez andares]. [Acontece. Mas desde então ando merencório. Deve ser o frio no sertãobaião.]