Sorridente e doce: Omara Portuondo encanta público em Salvador

Remanescete do Buena Vista Social Club, cantora cubana marcou a última noite do Percpan

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  • Laura Fernades

Publicado em 6 de novembro de 2017 às 06:05

- Atualizado há um ano

. Crédito: Árisson Marinho

Sempre sorridente, brincalhona e doce. A dama da música cubana Omara Portuondo, 87 anos, passou por Salvador deixando essa imagem em muitos dos que tiveram a oportunidade de ter um contato mais próximo com a cantora remanescente do eterno Buena Vista Social Club. Nem mesmo a blindagem em torno da artista, que inspirava cuidados por conta da idade, abalou sua atmosfera doce e bem humorada.

Bastava observar Omara no 22º Panorama Percussivo Mundial (Percpan), na noite de sábado (4), para constatar quem era aquela diva tão aguardada pelo público que lotou o Largo da Mariquita, no Rio Vermelho. Depois de entrar no palco em passos lentos, apoiada pela equipe, a artista apresentou todo o show sentada. Mas Omara não deixou a fragilidade tomar conta e, mesmo com as limitações, dançou durante toda a apresentação.

Com a mão na cintura, rebolou com elegância e sutileza da cadeira onde estava sentada arrancando aplausos e gritos do público. “Ela é um estouro, fantástica. Além da voz e da musicalidade, tem presença de palco. Omara é muito sedutora”, elogiou o professor Robert Slenes, 74 anos, americano radicado no Brasil há 38 anos que saiu de Campinas com a esposa, a médica baiana Eliana Faria, 60, só para ver o show da dama cubana. “Não esperava ver Omara de graça em uma praça!”, comemorou Robert sorrindo. O percussionista Gabi Guedes acompanhou a cubana e destaca a a aproximação sonora de Cuba com a Bahia (Foto: Árisson Marinho)  Mulher de poucas palavras, Omara se dedicou a cantar sucessos dos seus 65 anos de carreira, seja de discos solo como o premiado Gracias, que conquistou o Grammy em 2009, seja com clássicos do grupo Buena Vista Social Club, como Veinte Años e Dos Gardenias, ou com canções do disco que gravou com Maria Bethânia em 2008. “Coro!”, pedia Omara com as mãos levantadas em direção à platéia empolgada. “Não estou ouvindo!”, insistia com um sorriso no rosto. “Que calor!”, brincou satisfeita com a resposta do público.

Espremidas na grade em frente ao palco, duas amigas não escondiam a felicidade em ver o show da cantora cubana em Salvador. “Omara é uma oportunidade única”, comemorou a pedagoga baiana Lúcia Dias, 67 anos, enquanto dançava ao lado da amiga, a também pedagoga Ivanilda Gomes, 75. “Estava sonhando em vê-la”, completou Lúcia empolgada. O motivo de tanta admiração por Omara era simples: “A vida que ela representa. A vontade de viver!”, resumiu Ivanilda sorridente.

Também na primeira fila, desde 18h30, mais duas amigas curtiam a apresentação com o semblante admirado: a psicóloga cubana Camila Mora Melo, 29 anos, e a argentina Rocío Seco Olmos, 30, formada em comunicação social. Radicadas em Salvador, as duas dançavam e cantavam as letras de cor, sem descanso. “Omara é uma referência na América Latina. É um privilégio estar aqui”, justificou Camila. “A música não tem fronteira”, comemorou Rocío. O público lotou o Rio Vermelho para ver a apresentação de Omara Portuondo, 87 anos: teve até bandeira de Cuba (Foto: Árisson Marinho)  Matriz Esse intercâmbio cultural deu o tom do show que misturou a percussão cubana com a percussão baiana, já que Omara estava acompanhada por uma banda de Salvador. Guiados pelo diretor musical paulista Swami Jr., que acompanha a cantora há 13 anos, estavam os músicos baianos Gabi Guedes e Luizinho do Jêje (percussão), Tito Oliveira (bateria), Marcelo Galter (piano) e Ldson Galter (contrabaixo).

“A gente manteve a linha cubana, as levadas, as claves, a rumba, o bolero, mas também inserindo ritmos ancestrais oriundos dos terreiros de candomblé do Brasil. É muito bonita essa mistura de culturas diferentes, ritmos diferentes, que na verdade está em um universo só. Vem tudo de uma só raiz, de uma só matriz”, explicou o percussionista Gabi Guedes, 55, que na noite anterior se apresentou com a Orkestra Rumpilezz.

A familiaridade foi além do aspecto musical, garantiu Gabi, que viu em Omara uma referência próxima. “Quando me deparei com ela no estúdio, vi a minha avó Maria Felipa de Ogum. A mesma fisionomia, a sensibilidade, a pureza da mulher, de uma senhora conhecedora do seu nariz, da sua cultura. Enxerguei a minha avó. Os traços, o jeito de falar... Cada vez mais comecei a me sentir familiarizado com tudo”, contou admirado com a cantora que nasceu em Havana, no bairro chamado Cayo Hueso. A cubana Camila Mora Melo, 29 anos, e a argentina Rocío Seco Olmos, 30, destacam privilégio de ver a cantora na Bahia (Foto: Árisson marinho) Doçura e poder Filha de mãe espanhola e pai cubano, um dos primeiros jogadores de beisebol a jogar fora de Cuba, Omara ficou internacionalmente conhecida a partir do clássico documentário Buena Vista Social Club (1996), dirigido pelo cineasta alemão Wim Wenders. Por que seus pais tinham o costume de cantar depois do almoço, fazendo um dueto, Omara conta que se aproximou da música. “Foi assim que comecei a amar a música cubana”, disse no filme, com seu característico sorriso.

“A voz da Omara Portuondo deveria ser tombada como Patrimônio Imaterial da Humanidade. Ela está no panteão de Edith Piaf, Ella Fitzgerald, Elza Soares. É uma bênção para nós, um brinde aos ouvidos escutar a voz tão doce e tão poderosa da Omara. É uma mistura de delicadeza e doçura com o poder que ela traz da tradição afro-cubana”, elogiou o produtor musical Alê Siqueira, 45, que assina a direção artística do Percpan e produziu dois discos de Omara, incluindo o premiado Gracias.

Responsável por fazer a ponte entre a cantora cubana e artistas brasileiros como Carlinhos Brown e Toninho Ferragutti, com quem gravou algumas músicas, Alê foi quem apresentou Omara para seu atual diretor musical Swami Jr. e montou a banda baiana para o já histórico show de Salvador. “É um encontro bacana, de transculturação, intercâmbio de culturas tão próximas, afro-latinas”, comentou Alê.

Sobre o convívio com Omara, o produtor não poupou elogios. “Omara é extremamente calma, doce, brincalhona. Ela é uma criança no melhor sentido da palavra. O tempo todo fazendo piadinha, brincando com os músicos no ensaio, rindo. Todas as recordações que tenho em todas as vezes que gravei com ela, em Cuba, sempre foi assim. Um ambiente de leveza, sabe? É uma pessoa muito leve e não carrega aquela carga que muitas cantoras carregam. Ela vai e canta! Simples assim. É pra quem pode, né?”, resumiu rindo.