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‘Guerra das Baianas’, maior polêmica com acarajé, completa 25 anos; relembre

Fim do monopólio de Dinha, com chegada de Regina e Cira ao Rio Vermelho, teve insultos, ameaça de processo e mudou até legislação

  • Foto do(a) author(a) João Gabriel Galdea
  • João Gabriel Galdea

Publicado em 23 de julho de 2023 às 05:01

Dinha e Cira do Acarajé, no Rio Vermelho, no final dos anos 90
Dinha e Cira do Acarajé, no Rio Vermelho, no final dos anos 90 Crédito: José Santos Melo e Claudionor Júnior/Arquivo CORREIO

O fim da guerra pela Independência do Brasil na Bahia completou 200 anos no início do mês, mas talvez as batalhas que garantiram a nossa liberdade tenham sido menos interessantes que os embates ocorridos há um quarto de século nas praças do Rio Vermelho. Se Maria Quitéria, Joana Angélica e Maria Felipa lutaram do mesmo lado, na primeira situação, o trio de mulheres fortes que protagonizou os outros entreveros estabeleceu uma dinâmica diferente: rodar a baiana em causa própria.

No segundo semestre de 1998, Dinha viu seu monopólio do acarajé no bairro da Festa de Iemanjá, que durava décadas, ser quebrado quando Regina desceu da Graça e, logo em seguida, Cira veio de Itapuã, para iniciar a lendária “Guerra da Baianas”, bem mais polêmica que a atual anilina rosa no sagrado quitute.

Pela imprensa, foram muitas as trocas de ofensas entre elas, ocupando os noticiários local e nacional por semanas. Só no Correio da Bahia foram mais de 20 reportagens tratando do assunto, entre outubro e novembro daquele ano.

Tudo começou na segunda semana do Mês das Crianças, quando Regina, que brincava sozinha com seu tabuleiro na Rua da Graça, perto do antigo Colégio Sartre, desceu pro play, ou melhor, pra região do Largo de Santana, do ladinho de Dinha.

No dia 16 de outubro, após reclame da decana do acarajé, o jornal noticiou que Regina decidira sair das proximidades da Igreja de Santana por conta do desenrolar das polêmicas envolvendo a concorrência.

“A disputa de duas das mais famosas baianas de acarajé da Bahia, Lindinalva da Silva, a Dinha, e Regina dos Santos Conceição, por um ponto de venda no Largo de Santana, chegou ao final. Ontem pela manhã, em reunião na Secretaria [Municipal] de Serviços Públicos (Sesp), Regina se comprometeu a retirar o tabuleiro da frente do Restaurante Estação Tatu, próximo ao de Dinha, separado apenas pela igreja e a pista que corta o largo. O acordo foi selado com um grande abraço entre as duas, mas a freguesia, defensora da concorrência, não se mostrou satisfeita com o resultado”, informava a repórter Liana Rocha, na matéria intitulada ‘Dinha do Acarajé permanece no Rio Vermelho’.

Mas o abraço era apenas o início da dissidência, afinal, Regina mudou de ideia e decidiu seguir onde estava (e permanece lá até hoje). Chateada, Dinha chegou a argumentar que o ponto ocupado por Regina, por pouco, não foi de uma irmã sua. Lamentava ter perdido a oportunidade de ampliar os negócios da família, com a chegada da concorrente, e mais ainda pela quebra do acordo pela saída da incômoda vizinha. “Antes era minha avó. Depois ela ficou doente. Com 10 anos assumi meu próprio tabuleiro”, contava Dinha, orgulhosa, sobre os 60 anos de tradição da família no local, requerendo exclusividade e prioridade para expansão.

Com a prefeitura envolvida, Dinha, que faleceu 10 anos depois, ainda evocou um decreto municipal que, no entanto, tinha muitos buracos, pois não estabelecia regras claras para a atuação das baianas.

Processinho

Regina, vendo toda a repercussão na imprensa, declarou-se injustiçada, mudou de ideia e decidiu ficar. O proprietário do antigo restaurante Estação Tatu, Beto Araújo, também saiu em defesa dela, a quem ele próprio convidou para se instalar em frente ao estabelecimento. “Caso a Justiça não atenda às solicitações de Regina, estou disposto a transformar o anexo do restaurante em ponto de acarajé, e ninguém vai poder reclamar”, avisou o empresário.

Com a rivalidade estabelecida, Regina, que chegou a acatar uma sugestão da prefeitura de se mudar para o não explorado Largo da Mariquita, acabou desistindo também disso, e prometeu ir à Justiça. “Dinha vai ter que me engolir. Não tenho nada contra ela, mas eu garanto aquilo que faço. Se ela não se garante, o problema é dela”, alfinetou, reacendendo a polêmica.

Na edição de 22 de outubro, com o tacho já esfriando, Regina desistiu pela terceira vez, agora de processar a concorrente. Temia, na verdade, que Dinha a acionasse, o que não aconteceu.

Ciranda Cira e Dinha

A outra baiana mais famosa da cidade, já estabelecida em Itapuã, aparece no Correio do dia 24 de outubro comentando a brigalhada. ‘Cira de Itapuã considera injusta a divisão do espaço’ é o título da reportagem, na qual a quituteira, falecida em 2020, mete o bedelho na treta das colegas.

Jaciara de Jesus, a Cira, considerou uma vergonha para a Bahia a disputa ter ido parar nas reportagens em rede nacional: “Achei isso uma coisa muito feia”. Ao ser questionada de que lado estava na peleja, posicionou-se a favor da mais veterana. “Neste caso, a concorrência é um problema para Dinha, que já está vendendo seu acarajé ali há muito tempo. Acho que Regina tem que permanecer em seu ponto na Graça ou tentar conseguir outro lugar”, intrometeu-se.

Guerra das Baianas de 1998
Recortes do Correio da Bahia na cobertura da Guerra das Baianas de 1998 Crédito: Reprodução/Arquivo CORREIO

Pouco mais de duas semanas depois, a reportagem ‘Guerra apimentada’, publicada no dia 11 de novembro, avisava: “Cira de Itapuã resolve dividir espaço com Regina e Dinha no Rio Vermelho”.

Convidada pela empresária Graça Boulhosa, do antigo bar Mariquita Bacana, Cira desembarcaria no Largo da Mariquita, o qual Regina não quis ocupar, para virar concorrente direta das demais e entrar de vez na guerra.

Criticada pela quituteira de Itapuã quando resolveu se abancar no Largo de Santana, Regina contra-atacou. “Se fosse uma baiana pobrezinha, tudo bem. Mas Cira já tem um público fiel em Itapuã e não precisava provocar uma nova polêmica”, comentou. Perguntada se não seria incoerente criticar atitude semelhante à que teve, Regina respondeu que ficou no Rio Vermelho “porque o povo quis”.

A briga do trio de ouro do quitute afro-baiano levou a prefeitura a regulamentar a atividade de baiana de acarajé ainda em novembro daquele ano, estabelecendo normas específicas de conduta e critérios para exploração da atividade. O então prefeito, Antonio Imbassahy, assinou um decreto que finalmente organizava a atividade, padronizava tabuleiros e vestimentas, além da tão polêmica distância entre as bancas. 

Dessa guerra, todos saíram ganhando, afinal, os três tabuleiros continuam como referências turístico-gastronômicas de Salvador até hoje, e cada um que escolha o que melhor lhe agrada. No meu caso, o de Regina.