Os mamilos polêmicos de Gal Costa durante fim de turnê na Bahia

Então com 48 anos, cantora reagiu às críticas por mostrar os seios em turnê histórica sobre a MPB em 1994

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  • Da Redação

Publicado em 13 de novembro de 2022 às 05:01

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Reprodução/Edson Ruiz/Arquivo CORREIO

A afinação e emissão perfeitas de um canto suave e algo comedido, lá no início da carreira, renderam a Gal Costa o apelido de 'João Gilberto de saias'. Parecia um elogio tajmahônico a uma principiante (comparada a seu ídolo maior), mas não adiantou muito: apesar do enaltecimento entre os pares, a carreira não decolou de imediato. Caetano Veloso, seu parceiro no disco de estreia – ‘Domingo’, de 1967 –, já identificara nela “a maior cantora do Brasil”, mas o público parecia não ouvir. 

Precisou de um chacoalhão, ou alguns gritos, que vieram no Festival de MPB de 1968, na TV Record. Por lá, a bossanovista low profile virou uma superstar. A ponte atravessada foi em direção ao rock, que virou sua melancia pendurada no pescoço, bunda pintada de vermelho, desaguando depois no close do ventre bem na capa do álbum ‘Índia’, de 73 – com o bônus dos seios à mostra na contracapa. 

Diante do histórico, não deixa de ser estranho saber que houve quem se escandalizasse com os mesmos mamilos no show ‘O Sorriso do Gato de Alice’, marco na carreira da artista, com turnê em 1994. Já se passavam quase três décadas do início de sua saga camaleônica, da ascensão ousada e estratosférica, quando aparecera toda se bulindo na TV cantando ‘Divino, Maravilhoso’. Roupas espalhafatosas, cabelos esvoaçantes, Gal estava maravilhosamente irreconhecível naquele novembro de 68, semanas antes do AI-5. Levou o 3º lugar do Júri Especial, e iniciava ali a ascensão ao primeiro posto na preferência popular, que viria com o sucesso de ‘Baby’, outro rock.

À mostra Mesmo com os militares no poder, a linha dura não fez Gal retroceder nunca, jamais se render, e essa força estranha é citada na reportagem de Cláudia Pedreira, no Correio da Bahia de 16 de abril de 1994. Com o título ‘Brasil, mostra sua cara!’, a reportagem focava mais na polêmica que envolvia mostrar os seios no palco.

A linha de apoio, ao menos, demonstrava que não era um ato puro e simples de ‘se amostrar’, mas de libertação, demonstração de força: ‘Este show é um ato de coragem’. E o texto abria com Gal começando a colocar os pingos nos is.“Sou corajosa. Em 1974, época braba, já mostrava o peito no LP Índia”, disse a cantora em entrevista coletiva no antigo Hotel Othon, em Ondina. Na conversa com os jornalistas, Gal explicava com mais detalhes, e paciência, o intuito dos mamilos retirados do sigilo do sutiã, como descreve a repórter: “Na verdade, a intenção é contar um pouco a história da MPB, na qual se insere a sua trajetória de cantora influenciada pelo Tropicalismo, de posturas irreverentes e rebeldia com o padrão estético e comportamental. O instrumento para esta narrativa foi expor sua alma e corpo durante a interpretação de ‘Tropicália’ (Caetano Veloso) e ‘Brasil’ (Cazuza)”.

Cláudia Pedreira lembra ainda que “a cantora nunca foi de fugir de querelas e mudanças”, e retomou a crítica à repercussão geral do espetáculo. “Quanto à polêmica gerada pelo show dirigido por Gerald Thomas, ela (Gal) interpreta com simplicidade. ‘Eu queria isto. Mas o problema é que a imprensa é sensacionalista. É claro que eu, com o peito de fora, vai vender jornal’. Ela não se mostra desgostosa pelo fato de parte do seu público ter relacionado o arrojo mais à Gal símbolo sexual do que entendido a sua mensagem política”.

Sem igual Após a morte de Gal Costa, aos 77 anos, na última quarta-feira (9), o diretor Gerald Thomas gravou um depoimento emocionado, falando sobre a amiga e a tal turnê histórica, que se encerrou no Teatro Castro Alves na ocasião aqui mencionada. “Era a voz de Deus, uma coisa fantástica. (...) Não vai ter uma outra Gal tão cedo, nem tão tarde, nem tão nunca”, comentou na quarta, logo após receber a má notícia.

O contexto de perda que vivemos hoje, com a ida de Gal, era semelhante ao que ela vivia naquela turnê concluída em sua Bahia. Animava-se com algumas boas notícias, entristecia com tantas outras. “Achava que vivia um momento muito legal de sua vida, depois de tempos de perdas e dor. Separara-se do marido Marco e a amiga e mãe [Mariah] havia morrido. ‘Quando a gente perde mãe, pai, é como perder um ponto de referência’, registra ela, que se sentiu meio solta e teve que buscar fórmulas para sobreviver”, relata o texto.

Conta ainda que Gal, àquela altura, cobiçava o equilíbrio e tentava transformar a dor numa coisa positiva. “Assim cresceu internamente - e externamente ficou mais bela, exibindo o largo sorriso no desfile da Mangueira 94”.

Mas e os seios? Por que tanta fixação, tanta agoniação com aquele corpo aberto no espaço? Gal, em parte, não entendia, mas tentou matar a polêmica na caixa dos peitos.“Fazer esse espetáculo foi um ato de coragem. Eu poderia entrar com a barriga de fora (lembra que está esbelta aos 48), reduzir a isto”. A repórter percebeu o incômodo da artista. Gal reforçava que não optou “pelo mais fácil” e apostava, na ocasião, que anos mais tarde, os comentários sobre ‘O Sorriso do Gato de Alice’ não envolveriam suas divinas tetas. Dizia que diríamos o seguinte: “Aquele espetáculo era do cacete, revolucionou o show business”. 

Bom, não é bem isso que está acontecendo aqui, embora isto seja um relato crítico de uma polêmica que não deveria ter progredido. Mas como há tantos corações fora do peito, e como o choro não tem jeito, cumpra-se o desejo da maior de todas: “Aquele espetáculo era do cacete, revolucionou o show business”. Obrigado, Gal!