A marca da mão afro-brasileira: veja a influência africana na arquitetura e urbanismo na cidade de Salvador

Entenda mais sobre o tema em reportagem especial

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  • Luiza Gonçalves

Publicado em 2 de dezembro de 2023 às 05:00

Terreiro da Casa Branca, o mais antigo da cidade de Salvador
Terreiro da Casa Branca, o mais antigo da cidade de Salvador Crédito: Reprodução/Instagram

De mãos que ergueram a cidade aos princípios civilizatórios que unem natureza, religiosidade e espaço geográfico. Na arquitetura, a contribuição dos povos africanos trazidos para o Brasil se faz presente na cidade de Salvador desde a construção de habitações, igrejas e casarões até a criação de espaços religiosos de matriz africana que conservavam ancestralidade, coletividade e espiritualidade.

“A principal questão para entendermos sobre essa participação, sobre essa importantíssima contribuição que eu vou chamar de mão afro-brasileira, lembrando o [artista plástico] Emanoel Araújo, é justamente na cidade como um todo. A arquitetura do Centro Histórico talvez não mostre de forma evidente esses contributos, essas influências diretamente ligadas ao mundo africano em seus estilos, em seus detalhes, mas tem que se destacar que tudo foi construído pela mão afro-brasileira, inclusive muitas das obras de arte, das imagens sacras, pinturas. Mesmo nos elementos que não carregam de forma nítida, ela está presente no processo de construção da cidade como um todo” explica o professor e historiador Rafael Dantas.

Um exemplo emblemático da mão de obra negra em Salvador é a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, que foi financiada e construída pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, fundada em 1685 e constituída apenas por pessoas negras. Começando como uma pequena capela no séc. XVIII, foi edificada por escravizados e ex-escravizados como um local negro que, além do catolicismo, buscava preservar a cultura religiosa africana, adotando sincretismo em seus cultos e expressando uma tradição afro-católica em Salvador.

Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos no Pelourinho
Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos no Pelourinho Crédito: Reprodução

O historiador e arquiteto Francisco Senna, explica que foi a partir de meados do século XIX, quando se dá o início do processo abolicionista com a Lei Eusébio de Queirós, que se tem a notícia dos primeiros terreiros de candomblé em Salvador, onde africanos tinham a liberdade de expressão do seu modo de vida e arquitetura. No quintal da Igreja de Nossa Senhora da Barroquinha, pertencente à irmandade negra de Nossa Senhora da Boa Morte, e próximo Rio das Tripas, onde hoje é a Baixa dos Sapateiros, surgiu o Ilê Axé Airá Intilê, que foi o primeiro candomblé de Salvador.

“O terreiro de candomblé é um espaço de resistência e cultura própria em que os africanos escravizados aqui puderam de fato mostrar sua concepção urbanística no sentido da relação do edificado com a natureza, na tipologia arquitetônica, implantando muito do que existia na África em termos de espacialidade religiosa. Cito dois exemplos importantes e muito conhecidos, que são o Terreiro da Casa Branca e o Ilê Axé Apô Afonjá. Nesses lugares, nos vamos encontrar uma leitura explícita do que são os elementos da natureza, como as árvores sagradas, as folhas, os cursos d’água sagrados, as fontes, pedras e solo sagrado, a edificação e como esse conjunto se relaciona com a celebração do culto. Uma arquitetura própria, muito distinta da portuguesa, inclusive na sua espacialidade, nas disposições do salão, nos modos de viver” afirma Francisco Senna.

A distribuição geográfica dos terreiros veio de uma necessidade de sobrevivência e conexão com a natureza, explica o arquiteto. Instalaram-se em lugares distantes do centro da cidade e próximos à mata, onde podia se cultuar livremente as divindades. Hoje representam fontes da união entre o sagrado, o meio ambiente e a ancestralidade negra na capital. Além dos terreiros, ele cita espaços urbanos como Pedra de Xangô, que recentemente foi tombada, o Dique do Tororó, o Rio Vermelho com o presente de Iemanjá, a Lagoa do Abaeté, as árvores sagradas Iroko, enroladas com tecido branco e que representam uma divindade, a reserva florestal de São Bartolomeu, com as quedas d’água e a mata que é espaço sagrado para o culto do candomblé. “[eles] Trazem consigo esse registro, esse legado, que nos permite através de sua leitura reconhecer e identificar a presença de uma cultura própria, de uma cultura raiz que veio da África”, arremata Senna.

A Pedra de Xangô fica no bairro de Cajazeiras. Local é sagrado para o povo de santo.
A Pedra de Xangô fica no bairro de Cajazeiras. Local é sagrado para o povo de santo. Crédito: Foto: Marina Silva/ CORREIO

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