De Cajazeiras para o mundo: conheça a rapper que falou sobre dismorfia financeira em desfile de moda

Áurea Semiséria começou cantando na igreja; hoje, denuncia em suas canções problemas das minorias em que está inserida

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  • Isis Cedraz

Publicado em 30 de novembro de 2023 às 05:00

MC Áurea Semiséria canta rap no Afro Fashion Day Crédito: Arisson Marinho / CORREIO

“Eu sou uma mulher preta, gorda, lésbica e periférica de Cajazeiras 11”: foi assim que a MC Áurea Semiséria, 25 anos, se declarou orgulhosamente durante sua passagem no Afro Fashion Day, a passarela mais preta do Brasil. Áurea cantou um rap que falava sobre dismorfia financeira, condição que afeta a forma como diferentes pessoas percebem a própria realidade financeira. De acordo com pesquisa realizada pelo will Bank, que foi lançada no último sábado (25) durante o evento de moda promovido pelo jornal Correio, 7 em cada 10 brasileiros não usam palavras positivas para descrever sua vida financeira.

A carreira de rap Áurea começou em 2013, mas a artista conta que sempre teve o canto na sua vida. Ela iniciou seus passos artísticos ainda na igreja em que frequentava no bairro de Cajazeiras e, quando mais velha, engatou no mundo da música como backing vocal de MCs de Salvador. Em 2014, gravou e lançou músicas próprias, estreando com o álbum ROXOGG.

Desde sua estreia no rap a artista já deixava evidente a influência do local em que crescera, Cajazeiras 11. Áurea destaca que o bairro teve um impacto vital em sua formação, tanto como cidadã quanto como artista independente. Fora do eixo sul-sudeste e distante do centro da capital, ela enfatiza a riqueza cultural muitas vezes desconhecida deste local. "As pessoas talvez não saibam o quanto de cultura existe aqui em Cajazeiras. Mas quando você vai parar pra perceber, metade desses artistas tem influência no maior bairro da América Latina", compartilha.

TROCA MÚTUA

A escolha do rap para Áurea tem raízes familiares. Desde pequena aprendeu com seu pai a ouvir o gênero e quando teve oportunidade, se aprofundou no estilo musical. Na verdade, rimar significa mais do que somente uma carreira para ela, é a forma que encontra de falar e ser ouvida. “Eu acho que nunca consegui me expressar tão bem quanto eu me expresso quando estou rimando, compondo. Eu não sou de conversar sobre o que estou sentindo. Mas se eu começo a escrever um beat, são outros quinhentos”, confessa.

Através de suas rimas contundentes, emerge como uma voz autêntica do rap independente. Sua música vai além do entretenimento, mostra complexidades da vida periférica, e seu nome, inspirado na canção Overfluxo de Beirando Teto, torna-se uma expressão coletiva. Suas rimas representam um canal de expressão, uma forma de conectar-se com outros que compartilham suas lutas e pensamentos. “Com o passar do tempo, eu comecei a perceber que outras pessoas passavam pelas mesmas coisas que eu. Elas pensavam da mesma forma que eu. E essas pessoas começaram a se sentir representadas”, afirma.

Mas a esperança de Áurea dentro do rap não se resume em ecoar os sentimentos sobre os problemas compartilhados, ela deseja ver o avanço de mulheres no ramo. “Espero observar outras mulheres fazendo o rap acontecer, vivendo o rap como eu vivi", declara.

SOLUÇÃO DOS PROBLEMAS

De acordo com o estudo do will Bank, a falta de dinheiro que molda o comportamento dos brasileiros é explicada pelo conceito chamado dismorfia financeira. Ser inconsequente com os gastos, lidar com o dinheiro de forma negativa, não sentir realizações com a vida financeira e falta de perspectiva para o futuro são alguns fatores presentes por quem sente a dismorfia. Porém, uma parcela da população é mais atingida por esse sentimento: as mulheres pretas e pardas da classe DE. 80% dessas mulheres não conseguem fechar as contas do mês. Áurea já fez parte dessa parcela do estudo.

Ao falar sobre sua relação com o dinheiro, Áurea não esconde as nuances de sua jornada como artista independente. "O dinheiro sempre foi a solução dos problemas", ela confessa, mas destaca a dualidade dessa verdade. Antes, tinha dificuldade de entender essa afirmação que carrega consigo atualmente, mas têm mudado seu posicionamento em relação à vida financeira. “Existe a vontade de ter e existe o medo de ter [dinheiro]. Hoje em dia eu não sinto mais medo, mas sim a necessidade de ter”, confessa.

No universo de Áurea, a dismorfia financeira é enfrentada com resiliência, e suas rimas são um eco que trazem à tona as realidades muitas vezes silenciadas daqueles que, como ela, encontram na música um espaço para serem ouvidos. Sua honestidade sobre a falta de segurança financeira como artista independente ressoa com aqueles que enfrentam os desafios semelhantes de administrar recursos em uma cidade como Salvador, em que 30,3% da população está nas classes D e E.

Intervenção artística falou da relação com dinheiro na passarela mais preta do Brasil

No Afro Fashion Day, passarela mais preta do Brasil, um tema relevante ganhou destaque: a dismorfia financeira. O will Bank, um dos patrocinadores do evento, marcou presença no desfile para promover uma discussão sobre a relação emocional que os brasileiros mantêm com o dinheiro.

"A gente no will Bank tem a diversidade como um dos pilares principais. A gente está na passarela mais preta do Brasil justamente para discutir como é a relação emocional que os brasileiros têm com o dinheiro. A gente acha que tem tudo a ver [o tema e o evento] e essas pessoas aqui precisam saber que a dismorfia existe, impacta a vida delas mas não precisa ser assim", destaca a head de relações com a sociedade do will Bank, Ana Coelho.

Ana enfatiza a crença da instituição no poder das pessoas e reafirma o compromisso da empresa com a promoção de uma relação saudável e empoderada com o dinheiro. "A gente acredita muito no poder dessas pessoas de serem protagonistas das suas vidas financeiras. A gente tá aqui nesse evento para olhar para essas pessoas por esse viés de potência. Nós queremos que elas saiam daqui acreditando que é possível fazer e viver um hoje melhor do que ontem", ressalta Ana.

ENTENDA OS TERMOS

O que é dismorfia: preocupar-se de forma excessiva com algo;

Dismorfia financeira: condição que afeta a forma como diferentes pessoas percebem a própria realidade financeira;

A incerteza é uma realidade: 90% dos brasileiros não conseguem comprar tudo o que precisam e não contam com reservas que permitam fazer planos e pensar no futuro;

O recorte racial faz diferença: 1/3 dos pretos e pardos não conseguem fechar as contas do mês e/ou tem dificuldade de deixar as contas em dia;

A grama do vizinho é mais verde: 71% acham que outros ganham facilmente aquilo que preciso conquistar com muito esforço, enquanto 52% acreditam que “ser rico” significa pertencer a outros grupos distantes da sua realidade;

A satisfação é influenciada pela opinião alheia: 88% das pessoas sentem satisfação ao conquistar algo que outras pessoas duvidaram;

A frustração durante o início da vida interfere na vida adulta: 79% tem desejo de consumir hoje muitas coisas que não puderam consumir no passado (infância, adolescência).

O Afro Fashion Day é um projeto do jornal Correio com patrocínio da Vult, Bracell e will Bank, apoio do Shopping Barra, Salvador Bahia Airport, Wilson Sons e Atacadão, apoio institucional do Sebrae e Prefeitura Municipal de Salvador e parceria do Clube Melissa.