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Evento teve participação de MC Áurea Semiséria, de Fernando Guerreiro e dos atores Luís Salém e Lyu Arisson
Gil Santos
Publicado em 26 de novembro de 2023 às 00:21
Enquanto produtores de moda, modelos e estilistas corriam de um lado para o outro para ajustar os últimos detalhes para o desfile do Afro Fashion Day, no Terreiro de Jesus, um homem observava a cena em silêncio e com atenção. Sentado nos degraus da escada no fundo do salão, em meio a araras vazias e cabides balançando, o coreógrafo José Carlos Arandiba, o Zebrinha, parecia estar bastante à vontade. Ele mesmo é quem conta.
“Eu já conhecia o Afro Fashion Day, mas nunca estive tão perto das pessoas. Eu trabalho muito no continente africano, conheço vários países e etnias, e o que me bateu é que isso aqui é uma pequena África. Tem pessoas com características iorubá, bantu, hutus e pessoas com etnias diferentes do continente africano. E se o tema [do desfile] é Mãe África está se cumprindo o que prometeu”, afirmou.
O coreógrafo, professor e bailarino baiano foi convidado do evento e desfilou. Ao pisar na passarela Zebrinha foi reconhecido e ovacionado pelo público. Ele também comentou sobre o fato de todos os modelos serem negros.
“Fazer moda é fazer política, e com certeza esse desfile é um movimento político necessário no Brasil. Quando se fala de coletivo o preto sempre é cota, o 1%, portanto, ter a coragem de investir em um evento onde o critério é ser preto reverbera para o mundo todo. É grandioso, e fazer parte dessa história é motivo de orgulho para mim”, disse.
A identidade e a representatividade também foram destacadas pela cantora Majur, convidada para cantar e desfilar. Em 2018, ela subiu na passarela do Afro Fashion Day pela primeira vez e, logo depois, a carreira decolou. Ela cantou ‘Africanei’, canção que fala em igualdade racial e o público acompanhou em coro.
“Em uma cidade que tem a maior população preta fora de África é o mínimo que se pode fazer, falando em representatividade. O que estamos fazendo é representar a cidade, um desfile que enaltece a população negra de Salvador. Essa foi a primeira passarela em que eu subi, tudo começou aqui, é um sentimento de gratidão”, afirmou.
Antes de Majur desfilar na passarela, a MC Áurea Semiseria também fez apresentação de uma música autoral feita especialmente para o evento em uma intervenção do Will Bank, desfilando com dados da pesquisa Dismorfia Financeira. A letra dizia “consciência financeira é um direito nosso/ essa dismorfia financeira não é páreo para os nossos/ informação, noção e inclusão te mostram/ quando a coisa aperta e não dá pra gritar o próximo”.
A artista explicou que a moda é um ato de resistência e ter tantas pessoas exercendo esse papel hoje é de grande importância. "Amei as seletivas e estou maravilhada porque era um sonho pisar nessa passarela sendo uma mulher gorda, preta e lésbica”, disse.
Na passarela do Afro Fashion Day 2023, MC Aurea Semiséria ( @carretadaonze ), de Cajazeiras, falou sobre uma pesquisa inédita sobre “Dismorfia Financeira”, de will Bank. O estudo, que teve seus dados traduzidos na roupa vestida pela MC, expõe o abismo financeiro existente entre homens brancos de classe alta (AB) e mulheres pretas e pardas de baixa renda (classe DE).
Entre os dados que mais chamam atenção na pesquisa está o fato de que quase 10% das pessoas pretas sentem tristeza ao lidar com dinheiro, enquanto nove em cada dez brasileiros (90%) não conseguem comprar tudo o que precisam e não contam com reservas que permitam fazer planos e pensar no futuro. Seis em cada 10 mulheres pretas (61%) da classe D e E utilizam palavras negativas para descrever sua situação financeira. Clique aqui e leia mais sobre a dismorfia financeira.
Público
A plateia ficou lotada e o público ocupou também o gradil que circundava o Terreiro e Jesus e as sacadas dos prédios envolta para acompanhar o desfile. A atriz Marisa Orth, a Magda do Sai de Baixo, fez fotos e vídeos.
“Essa é minha primeira vez no desfile. Soube que tem atividades especiais para todo o mês de novembro, um período que já é especial por conta da consciência negra, mas que este ano está ainda mais especial. Chama a atenção do Brasil o que está acontecendo aqui. Eu gosto de vir a Salvador e já sabia que estava acontecendo coisas. Eu gosto de moda, poderia me interessar mais, é verdade, mas acho bonito e gosto muito”, afirmou.
Durante o evento houve intervenções artísticas com bailarinos e apresentações de cantores. A atriz Lyu Arisson (O Paí Ó) sentou na primeira fileira. Ela contou que o filme, lançado na semana passada, teve aceitação em massa e que pessoas estão vendo a película mais e uma vez. A artista também comentou sobre a presença no desfile.
“Essa é minha primeira vez e estou maravilhada com o empoderamento. Conversei com alguns dos estilistas, vendo a identidade de cada um e fiquei impressionada. Já estava no momento de a gente ocupar um lugar que é nosso”, afirmou.
O ator Luiz Salém buscou um lugar próximo à passarela para prestigiar a participação de uma aluna dele, Lara Mendes, que foi selecionada para desfilar no Afro Fashion Day. “Essa é a quarta vez que venho ao desfile. É um projeto maravilhoso. Esse ano não aconteceu de cair no dia do meu aniversário, em 20 de novembro, como já aconteceu em outros anos. A cada ano melhora a criatividade dos estilistas e a beleza do elenco”, disse.
Já o presidente da Fundação Gregório de Matos (FGM), Fernando Guerreiro, destacou o pioneirismo do evento ao falar de moda negra e economia criativa, e destacou a inclusão de novos corpos e conceitos ao desfile. Um dos jovens selecionados para desfilar foi convidado para participar de um trabalho com Guerreiro.
“É a possibilidade de trazer a grande força da Bahia para o mercado. É importante para a autoestima também. Uma das coisas que mais gostei esse ano foram as eliminatórias no metrô. Desmontar essa história de que modelo tem que ser magro, bonito e de padrão clássico. Esse ano tivemos uma diversidade impressionante. Modelos de todo os tipos e isso é importante independentemente e seguir carreira ou não”, afirmou.
Apoio
O Afro Fashion Day é um projeto do jornal Correio com patrocínio da Vult, Bracell e will Bank, apoio do Shopping Barra, Salvador Bahia Airport, Wilson Sons e Atacadão, apoio institucional do Sebrae e Prefeitura Municipal de Salvador e parceria do Clube Melissa.
A gerente de comunicação da Bracell, Cíntia Liberato, sentou próximo a passarela e registrou tudo de pertinho. “É um prazer e um privilégio pode participar de um evento desse porte, lindíssimo, sobre diversidade, afro empreendedorismo e moda. Os organizadores estão de parabéns e estamos muito orgulhosos de fazermos parte desse evento”, disse. Um dos looks de destaque para ela foi um vestido longo azul e verde inteiramente em viscose, feito com fibras de celulose biodegradável. A viscose é uma fibra feita de celulose, matéria-prima natural biodegradável encontrada em itens de uso diário, como diversos tipos de papel, produtos de higiene pessoal e alimentos. Na moda, o tecido versátil e leve é usado para produzir roupas de caimento suave e elegante, conferindo fluidez, delicadeza e conforto às peças. O tecido é produzido com celulose solúvel, insumo fabricado pela Bracell.
Já a head de relações com a sociedade do will Bank, Ana Coelho, destacou a importância da pluralidade.
“A diversidade é um dos nossos pilares principais. Estamos na passarela mais preta do Brasil trazendo uma discussão como é a dismorfia financeira justamente para discutir a relação emocional que os brasileiros têm com o dinheiro para que as pessoas saibam que isso existe e que impacta a vida delas, e que não precisa ser assim. Estamos contentes com essa parceria. São pessoas que têm o poder de serem protagonistas da sua vida financeira”, afirmou. A empresa lançou durante o evento sua pesquisa sobre dismorfia financeira.
O piaf da Vult, Yam Yunes, também destacou a importância do apoio a diversidade. “É o segundo ano que a Vult participa apoiando o Afro Fashion Day. É uma marca que fala com o povo e focada na mulher brasileira, em entender e criar produtos para atender as necessidades desse público. Estar aqui é muito gratificante, principalmente por ser a passarela mais negra do país”, disse.