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Andreia Santana
Publicado em 6 de agosto de 2018 às 06:00
- Atualizado há 2 anos
Do CPF digitado no caixa do supermercado durante o pagamento das compras às informações de cadastro nas redes sociais, os dados pessoais dos brasileiros não poderão mais ser negociados por empresas sem o consentimento do titular das informações. Ao menos, é isso o que prevê o marco legal que regulamenta o uso, a proteção e a transferência de dados pessoais no Brasil. Aprovado pelo Senado, por unanimidade, no último dia 10, a lei agora aguarda a sansão do presidente da República. >
Depois de sancionado, o PLC 53/2018 terá um período de 18 meses de adaptação para empresas e órgãos públicos e depois entrará em vigor. A lei foi aprovada na Câmara Federal em maio e é inspirada no General Data Protection Regulation – GDPR, da União Europeia. Em resumo, vai permitir ao cidadão um controle maior sobre suas informações pessoais e, entre outras coisas, estabelece que será necessário o consentimento explícito do titular dos dados antes da coleta e uso tanto pelo poder público quanto por empresas privadas. >
A nova lei estará em discussão no seminário Sustentabilidade de Agora, durante o Fórum Agenda Bahia 2018, que acontece no dia 8 de agosto. O painel ‘Privacidade e segurança em tempos de conectividade’ vai acontecer à partir das 14h30, com duas palestras: ‘A importância da segurança cibernética na era das Smart Cities e da Internet das Coisas’, com Fernanda Vaqueiro, gerente de Segurança de Inteligência de Rede e MSS da Oi; e ‘A nova lei de proteção de dados e seu impacto para empresários e consumidores’, apresentada por Ana Paula de Moraes, advogada especialista em Direito Digital.>
O PLC 53/2018 obriga ainda que sejam oferecidas opções para o usuário visualizar, corrigir e excluir os dados que desejar de forma clara e explicita. E que, a qualquer momento, o titular possa revogar a permissão de uso das suas informações pessoais.>
A lei prevê também a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão regulador que será vinculado ao Ministério da Justiça. E determina punição para as empresas infratoras, prevendo desde advertência até multa diária de até R$ 50 milhões, além de proibição parcial ou total das atividades relacionadas ao tratamento de dados.>
O que diz Lei de Proteção de Dados?>
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Países vizinhos>
Chile, Colômbia, Costa Rica, Peru, Uruguai e Argentina já possuem leis de proteção de dados pessoais. A legislação argentina, inclusive, se destaca pela semelhança com a GDPR europeia. >
No Brasil, o tema ganhou fôlego no Congresso após os vazamentos de dados de usuários do Facebook coletados pela empresa Cambridge Analytica e usados, sem conhecimento ou consentimento dos titulares, para influenciar os resultados da última disputa presidencial dos Estados Unidos, em 2016, quando Donald Trump foi eleito.>
Recentemente, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios também realizou investigação de uma suposta acusação de comercialização de dados pessoais por uma empresa pública federal de processamento de dados. A Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização, Controle e Defesa do Consumidor do Senado (CTFC) chegou a convocar audiência pública para discutir a questão. Mauricio Fiss: 'É necessário uma mudança de cultura das pessoas saberem quais são seus direitos' Dados sensíveis>
Maurício Fiss, sócio-diretor da área de tecnologia da consultoria global Protiviti, explica que em linhas gerais, a nova lei impedirá, entre outras coisas, que dados sensíveis como nome, telefone, endereço e CPF sejam usados como moeda de troca entre empresas e organizações sem que o titular dos dados saiba. >
Ainda segundo o especialista, somente com o uso de tecnologia será possível garantir o controle de forma rápida e efetiva. Fiss enumera o que as empresas que coletam e tratam dados precisão fazer para se adequar à nova lei:>
- Identificar onde estão as informações, pois muitas não têm ideia e precisarão de um inventário completo, como checar sistemas, computadores, backups e até arquivos em papel; - Criar um processo de gestão das informações, para impedir o uso indevido e o roubo por hackers ao passar essas informações para terceiros; - Trabalhar com tecnologias que controlam dados e tenham sistemas eficientes anti-vazamentos; além de treinar as pessoas que vão manipular esses dados. >
“Pesquisas mostram que empresas que trabalham com informações privadas compartilham com até 50 tipos de serviços diferentes que atuam no processando dessas informações. É preciso estabelecer como essas informações serão passadas e o que vai ser passado. Fazer uma limpeza dos dados disponibilizados antes de enviar”, acrescenta Maurício Fiss.>
Ele acredita ainda que haverá um processo de adaptação a longo prazo, tanto nas empresas quanto das pessoas. “Não é um processo fácil, mas quem não fizer será multado, sofrerá sanções e risco de processo”, diz.>
No caso do cidadão comum, ele recorda que foram precisos pelo menos dez anos para as pessoas se adaptarem ao Código de Defesa do Consumidor, entenderem e conhecerem os próprios direitos. “Acredito que com a lei de proteção de dados será a mesma coisa. Uma mudança de cultura, das pessoas saberem quais são seus direitos e exigir que quem recebe seus dados diga para quem e para que os está disponibilizando”, completa. Marcelo Crespo: 'As pessoas vão concordar em fornecer os dados, porque elas querem o serviço' Empresas preparadas>
O advogado especialista em Direito Digital e autor de livros sobre crimes digitais, Marcelo Crespo, do escritório Peck Advogados, afirma que o modelo de negócios baseado em análise massiva de dados não tem mais volta. >
“O que muda é o consentimento do titular e o fato desse titular poder revogar o consentimento - não quero mais que trate meus dados -, e as empresas terão de estabelecer plataformas e mecanismos multifuncionais para atender essa exigência”, explica.>
Como exemplo ele cita as empresas que coletam dados por cadastros pela internet, whatsapp, Messenger do Facebook, etc. Nesses casos, pela nova lei, o cliente deverá ter o direito de cancelar qualquer um deles de forma tão fácil quanto é para a empresa coletar as informações. >
“Não vai mais ser o cliente ligar e falar com uma atendente, mas a ferramenta já prever de forma fácil o recurso para ele fazer o cancelamento”, pontua.>
Em linhas gerais, todas as empresas e organizações que tratam dados terão de rever como obter o consentimento das pessoas de forma explicada em detalhes e não genérica, como ocorre atualmente.>
“E as pessoas vão concordar em fornecer os dados, porque elas querem o serviço. Mas elas atualmente não sabem o que é feito. As empresas terão de ser mais claras na descrição do uso dos dados, se vai compartilhar, com quem, para quê e o que quem terá acesso poderá fazer com as informações”, acrescenta o advogado.>
Para Marcelo Crespo, caberá também ao cidadão uma mudança de postura. “A lei não obriga, mas é importante o titular dos dados se interessar em saber o que vai ser feito das informações”, afirma. Debates sobre aprovação de uma lei de proteção de dados ocorrem no Brasil desde 2009; A lei da UE serviu de referência para a PLC 53/2018 Transparência é outra coisa>
A Lei de Acesso à Informação – LAI (Lei nº 12.527/2011), voltada para a transparência de dados públicos e que ajuda os cidadãos na fiscalização das administrações federal, estadual e municipal, não é a mesma coisa que o novo marco regulatório para proteção de dados pessoais aprovado no Senado. >
Quem desfaz o equívoco que vem confundindo muita gente nos fóruns de discussão na internet é Eduardo Magrani, coordenador da área de direito e tecnologia do ITS-Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio). “A nova lei é complementar ao marco civil da internet que já é um complemento da LAI. Com essa lei há a possibilidade legal de coletar, tratar e transferir dados no Brasil de forma responsável”, afirma.>
O advogado Marcelo Crespo complementa: “A LAI possibilita acesso a informações específicas, como por exemplo quanto ganha um determinado funcionário de cargo público. A lei de proteção de dados resguarda o cidadão até da administração pública. Por exemplo: a Receita Federal recebe meus dados de Imposto de Renda e não pode tratar esses dados e passar para outros órgãos sem meu consentimento”, diferencia.>
Ainda de acordo com Eduardo Magrani, o debate que possibilitou a aprovação do PLC 53/2018 ocorre desde 2009 no Brasil, com projetos colocados sob consulta pública e com discussões envolvendo a sociedade civil, universidades e Ministério da Justiça.>
“Já existem algumas leis de proteção da privacidade no país, como o Código Civil, a Constituição, o Marco Civil da Internet e o Código de Defesa do Consumir. Mas faltava a proteção de dado sensíveis, como opinião política, etnia, etc. Não havia delimitações. Essa lei protege contra abusos. Pois existem empresas que coletam dados atualmente que não tem relação com o serviço prestado por elas”, diz o coordenador do ITS-Rio.>
O Fórum Agenda Bahia 2018 é uma realização do CORREIO, com patrocínio da Revita e Oi, e apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador, Federação das Indústrias da Bahia (Fieb), Fundação Rockefeller e Rede Bahia. >