Fórum Agenda Bahia 2018: Você sabe o que é um negócio social?

Conceito une profissionalização do mercado e sustentabilidade para promover transformações positivas nas comunidades

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  • Fernanda Santana

Publicado em 8 de julho de 2018 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/CORREIO
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Marcos, de 60 anos, vivia entre ratos, moscas, baratas e muito lixo que catava para sobreviver no reservatório de um conjunto habitacional, em Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador (RMS). Para aguentar a rotina dura, refugiava-se na bebida. Até que, em 2016, quatro jovens empreendedores baianos mudaram sua vida com a proposta de unir a profissionalização do mercado à sustentabilidade. O catador ganhou material adequado para trabalhar, aprendeu a importância do seu ofício para o meio ambiente e ficou sóbrio.

Junto com outros 19 catadores, Marcos participou de oficinas da Toca Ambiental, empresa que, de 2016 para cá, vêm realizando projetos e ações socioambientais que visam transformar a realidade de quem trabalha reciclando lixo. A Toca é um negócio social, conceito cunhado em 2011 para definir as empresas que flertam com o capitalismo, mas trazem na essência os propósitos de uma Organização Não-Governamental (ONG).

A definição de negócio social é explicada por Rogério Oliveira, co-fundador da Yunus Negócios Sociais e um dos palestrantes do seminário Sustentabilidade do Agora, primeiro evento do Fórum Agenda Bahia 2018, que acontecerá em 8 de agosto, em Salvador. Segundo o especialista, o negócio social representa “o melhor de dois mundos. O que define o negócio social é o motivo de seu nascimento. Ele necessariamente surge para erradicar um problema”, explica

O embrião do conceito tem 42 anos, mas só agora, com os novos tempos demandando práticas sustentáveis nas cidades, os negócios sociais se tornam cada vez mais conhecidos e estimulados. Em 1976, o professor bengalês Muhammad Yunus emprestou US$ 27 dólares a 42 mulheres da vila de Jobra, em Bangladesh. O valor era o suficiente para romper um ciclo de dependência de agiotas locais e lançá-las rumo ao empreendedorismo.

Com a ação de Yunus, a população da pequena vila começou a mudar e o professor decidiu criar o Grameen Bank, um fundo de microcrédito para pessoas sem acesso ao capital dos bancos tracionais. A iniciativa representou um salto para a independência dos moradores de Jobra e uma virada no capitalismo clássico. Em 2006, o professor ganhou o Prêmio Nobel de Paz por seu projeto de inclusão social. Mas, a busca por um empreendedorismo consciente prosseguiu. Até que, em 2011, nasceu a Yunus Negócios Sociais, com a intenção de acelerar e realizar investimentos em pequenos negócios com potencial transformador para a sociedade. Dois anos depois, a iniciativa chegou ao Brasil.

“A primeira coisa ao se pensar em um negócio social é ter um propósito definido: o de acabar com algum problema. Sem isso, não há negócio social. Também é importante esclarecer que se trata de uma empresa que tem lucro, mas ele é reinvestido na própria empresa. Também há outra questão muito importante: o negócio precisa ser sustentável, é preciso que ele funcione e seja útil”, detalha Rogério Oliveira, que vai apresentar o tema Yunus: A Transformação das Cidades pelos Negócios, durante o seminário Sustentabilidade do Agora. Autonomia

No caso da Toca Ambiental, o objetivo foi definido desde 2014, quando a empresa efetivamente foi criada: levar sustentabilidade e contribuir para o crescimento de comunidades vulneráveis socialmente. A configuração começou a tomar forma no Instituto de Permacultura da Bahia, onde trabalhavam Daniel Frediani e Rafael Brasileiro, criadores da Toca. Depois, juntaram-se a eles o engenheiro ambiental Victor Vidal e o contador João Lucas Libório.

A empresa, define Daniel, “gera independência e atende a questões ambientais que entendemos como muito graves e importantes de serem olhadas”. Todas as atividades são oferecidas gratuitamente e com o intuito de possibilitar autonomia para pessoas como o catador Marcos. No portfólio de ações estão oficinas de plantas medicinais, de produtos de limpeza naturais e cursos para artesãs. A Toca Ambiental orienta, também, a plantação de hortas em ambientes residenciais e corporativos. Nas oficinas com catadores, eles recebem proteção individual, farda de identificação e coletores.

“O grande objetivo, na verdade, é que essas pessoas se desenvolvam e gerem renda com seu trabalho. A nossa visão é de ações que tenham cada vez mais impacto e atinjam sempre o maior número de pessoas. No fundo, nosso trabalho é diferente porque nos relacionamos com as histórias”, acrescenta Daniel.

Gerar renda parece incompatível com a ideia que o senso comum faz dos projetos que levam o substantivo social no nome. Mas para funcionar, os negócios sociais precisam pensar em dinheiro também, como em qualquer outro tipo de empreendimento econômico.

Rogério Oliveira desfaz o mito: “Negócio social é negócio sim. E, como empresa, tem de existir autonomia, profissionais e ganhos. Uma coisa estigmatizada de projetos que se propõem a causar impacto na comunidade é achar que as pessoas não são remuneradas. Mas é o contrário, eles não só são remuneradas como devem ser muito bem remuneradas”, enfatiza. A turma da Diáspora Black montou uma plataforma para todos que desejam valorizar a diversidade (Foto: Divulgação) Foco no impacto

O carioca Carlos Humberto da Silva costumava alugar, via internet, os cômodos do apartamento onde morava, no Rio de Janeiro. Em um desses acordos, em 2012, conheceu o jornalista de Salvador Antônio Luiz. Os dois começaram a discutir situações de discriminação racial vividas por Carlos, com hóspedes. A situação surreal de sofrer racismo na própria casa e as conversas dos dois acabaram resultado na Diáspora Black, startup que também é conhecida como ‘Airbnb negro’.

A plataforma foi lançada em novembro de 2016 e, além de Carlos Humberto e Antônio Luiz, também tem na equipe o designer Bruno Barreto. No ano passado, ao passar por um processo de aceleração na Yunus, os três entenderam que haviam criado um negócio social.

Inicialmente, a Diáspora Black pretendia atender e atingir o público de Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. Hoje, o serviço está disponível em 70 cidades de 15 países e tem dois mil usuários ativos. Ao citar os números, Antônio Luiz explica que o negócio é “uma rede para pessoas que querem valorizar e viver a cultura negra. A diversidade é nossa marca”.

As comunidades negras são parte fundamental do processo. Por isso, a Diáspora incentiva e promove visitas a locais como o Quilombo da Fazenda, em Ubatura, no litoral norte de São Paulo.

Mas, apesar do foco na valorização da identidade e cultura afrodescendentes, Antônio frisa que a plataforma é para todo mundo e não apenas para pessoas negras. “É para quem quer entender e valorizar a diversidade”.

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Aceleração social

Aproximar realidades distintas é também a mola propulsora da Vale do Dendê, empresa criada em 2016, em Salvador. Assim como a Diáspora Black, a Vale do Dendê também quer enfrentar a desigualdade. A empresa funciona como uma rede aceleradora de negócios que se propõem a ultrapassar o mercado e causar impacto social. Em agosto, será finalizado o primeiro ciclo de aceleração da Vale, com 10 empresas baianas, que foram escolhidas após seleção em edital e uma fase de pré-aceleração com 30 empresas.

Para o criador da Vale, Paulo Rogério, em Salvador existe uma influência claramente histórica na marca dos negócios sociais. “No maior polo da escravidão do Brasil, é natural que aconteçam negócios que querem confrontar a desigualdade. Os negócios se adaptam ao local”, afirma.

Paulo esclarece que um ponto importante sobre negócios sociais é a identidade e a noção clara de objetivos. “Muita gente empreende para o social e nem compreende o que faz. Nosso dever também é fazer com que esses negócios compreendam o que são”, diz, definindo o trabalho da aceleradora.

*Com supervisão da editora Andreia Santana