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Donaldson Gomes
Publicado em 14 de agosto de 2025 às 05:00
O futuro da indústria química no Brasil, que reúne o sexto maior grupo de empresas do tipo no mundo, depende da estruturação da cadeia produtiva, acredita Roberto Garcia, diretor geral da Tronox no Brasil. Para que a atividade atinja o seu potencial de transformação socioeconômica é necessário que se apresente uma solução estruturada, diz. Em Camaçari, a Tronox produz há cinco décadas o dióxido de titânio, substância que está presente no dia-a-dia de pessoas em todo o mundo, já que é o pigmento branco presente nos mais diversos tipos de materiais, do papel ao plástico, passando pelo protetor solar. “Não há um único dia em que as sociedades modernas não lidem com o nosso produto”, diz. Os desafios enfrentados por importantes cadeias produtivas brasileiras estão entre os temas que serão discutidos no fórum Agenda Bahia, que acontece no próximo dia 20, na Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb). >
Quem é>
Roberto Garcia é diretor geral da Tronox no Brasil e presidente do Conselho de Administração da Tronox Pigmentos do Brasil S/A. Baiano, é graduado em Engenharia Química e possui MBA em Administração de Empresas. Com mais de 39 anos de atuação na indústria química, construiu uma trajetória profissional marcada pela liderança em empresas de manufatura e pela condução de processos de transformação cultural. Sua atuação é pautada por uma visão estratégica e pela implementação de iniciativas empresariais orientadas à excelência operacional e à geração de resultados sustentáveis.>
Talvez uma das grandes dificuldades que o setor químico tem seja a de tornar o produto palpável o que vocês produzem. Qual é a importância do pigmento de titânio que a Tronox produz em Camaçari?>
Antes de falar sobre o pigmento, queria concordar com você em relação à dificuldade que as indústrias químicas têm para atingir o grande público. Isso é inerente a quem fabrica substâncias que vão entrar em outras formulações, e que muitas vezes ainda vão entrar em outros níveis, antes de finalmente chegarem ao consumidor final. Às vezes, o problema está em um nome técnico, ou em um papel muito técnico. É exatamente nesta situação em que nós nos encaixamos. O dióxido de titânio é um pigmento. Isso pode nos remeter aos tempos da escola quando brincávamos com lápis de cor, porque eles eram feitos de diferentes pigmentos, de diferentes cores. O dióxido de titânio é um pigmento branco. Você pode dizer que ninguém pinta nada de branco na escola, mas esquecemos que o substrato onde a pintura é colocada é papel branco, onde nós entramos. O nosso produto está no mercado há cerca de 100 anos e até hoje não encontrou um substituto. Por que? Primeiro porque tecnicamente ele desempenha bem a sua função de tingir e cobrir. Além disso, é um produto atóxico que foi usado no início do século passado para substituir o óxido de chumbo, que era altamente tóxico. A produção de dióxido de titânio é um indicador de desenvolvimento, todas as nações do mundo economicamente desenvolvidas têm manufaturas de dióxido de titânio. >
É um produto tão presente em nossas vidas que acaba passando batido, não é?>
Não há um único dia em que as sociedades modernas não lidem com o nosso produto. Está nas tintas, nos móveis, nas folhas de papel, plástico, superfícies brancas, mas também em superfícies coloridas. Toda a nuance das cores é obtida através do uso do dióxido de titânio. A cor verde-clara é obtida com a mistura do pigmento verde com o branco, para dar a tonalidade clara. Superfícies cinzas são na verdade a mistura do pigmento preto com o pigmento branco. Existem aplicações também no campo de vista da saúde. A proteção solar é obtida com o dióxido de titânio, então quanto maior o fator de proteção, maior a presença do dióxido de titânio. É realmente um produto com largo campo de aplicação na nossa sociedade. >
Quais são os maiores desafios deste mercado?>
Eu acho que tem um desafio que é o de qualquer tipo de manufatura. Tem uma tendência no mundo de algumas sociedades não quererem a atividade por perto. Isso é muito forte, por exemplo na Europa. As pessoas querem os produtos, o conforto que eles proporcionam, o bem estar, mas não queremos que ele seja feito perto dela. Em relação ao dióxido de titânio, em particular, existe o fator da concorrência chinesa. O nosso produto é um dos que são fortemente atacados pela capacidade de manufatura chinesa. Hoje já há uma grande concentração da produção na China, que vislumbrou o produto como algo muito interessante de se produzir. >
Por que é importante para a Bahia ter uma empresa como a Tronox operando aqui?>
Esta fábrica da Bahia já está aqui há muito tempo, há cerca de 50 anos. Ela surgiu como um grupo brasileiro, foi mudando de propriedade e de nomes. Depois se associou com um grupo alemão, até que em 1998 passou a fazer parte de um grupo multinacional. Desde então, este grupo vem mudando de nome, ou participando da dinâmica de fusões e aquisições, como acontece em todo o mundo. É uma empresa que tem um processo extremamente tecnológico e isso requer profissionais bastante qualificados, tanto em relação à tecnologia, quanto relacional. Lidamos com colegas e clientes em várias partes do mundo. Precisamos ter muita capacidade de relacionamento e de entender diferentes culturas. Até por estas especificidades, a gente tem um programa robusto de treinamento e optamos por treinar os nossos profissionais. Mesmo os nossos operadores são treinados internamente. Todos são altamente qualificados e com um bom nível salarial, assistência, além de um ótimo clima organizacional. Isso fica demonstrado no tempo de casa médio que temos aqui, superior a 15 anos. Quem chega aqui, chega para ficar. >
Você mesmo é um exemplo de profissional com muito tempo de casa. O que você destaca em termos de inovação nos processos desde que chegou?>
Na parte ambiental, somos uma empresa completamente diferente do que fomos na década de 1970, assim como acontece com qualquer empresa. Passamos por transformações para nos dar mais eficiência em processos, mais capacidade de detecção e medição. Nosso produto evoluiu bastante. É o mesmo produto, mas com uma qualidade bem melhor do que era nas décadas iniciais. Desde a entrada até a saída, os produtos ficam aqui entre seis e sete dias. Durante este processo são muitas medições e avaliações. >
Falando sobre inovação, diariamente surgem novas ferramentas e caminhos possíveis. Qual é a bússola de vocês neste processo?>
Um guia quase óbvio é a concorrência. Não precisamos estar necessariamente na vanguarda, mas precisamos manter uma equivalência com os tempos. Você faz uso de diversas ferramentas para isso. Mais recentemente, passamos a usar muito a análise de dados e a inteligência artificial para realizar predição de propriedades e analisar dados de mercado. >
A indústria química brasileira vem perdendo competitividade ao longo dos anos. O que fazer para recuperar o espaço perdido?>
Este é um tema muito interessante e do qual eu gosto muito. Eu faço parte do Cofic (Comitê do Fomento Industrial de Camaçari) e da Abiquim (Associação Brasileira da Indústria Química), então é um assunto que eu acompanho de perto. O Brasil hoje lança mão de ferramentas que ao meu ver têm um efeito de curta duração, como incentivos, linhas de crédito. Na verdade, o nosso país deveria ter um plano mais robusto de industrialização. Nossa indústria química é grande, somos a sexta ou sétima do mundo. Mas infelizmente vivemos um processo de declínio com novos entrantes. A China já é uma realidade, mas tem outros países entrando, como a Índia, que está crescendo bastante, além outros países, como a Arábia Saudita. Eu acredito que o primeiro passo é fortalecer as cadeias. As indústrias químicas são de capital intensivo e precisam estar numa cadeia robusta. Uma unidade sozinha, que vai importar tudo e transpor barreiras de logística, se torna inviável. Ao meu ver, o Brasil precisa caminhar na direção de um planejamento mais estruturado, com metas claras para áreas de competências. Eu vou dar um exemplo, atualmente se fala muito em terras raras. O Brasil tem a segunda maior reserva do mundo e recentemente o Bndes lançou um edital para que empresas interessadas em se desenvolver neste segmento apresentem o seu plano de negócios. O que acontece é que temos a segunda maior reserva, mas pouco há no sentido de estruturar uma cadeia de produção. Nós vamos nos contentar em produzir os estágios iniciais? A China produz do minério ao magneto que é utilizado nos aviões, turbinas, trens elétricos, enfim. Eles cobrem toda a cadeia porque se estruturam para isso. O Brasil precisa pensar assim. >
O Agenda Bahia é uma realização do jornal Correio com patrocínio da Acelen, Sebrae, Tronox e Unipar, apoio institucional da FIEB e da Prefeitura Municipal de Salvador, apoio do Salvador Bahia Airport e Veracel, e parceria da Braskem.>