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Fantasma do Rio Vermelho: Hotel Pestana completa 500 dias fechado e demite 160


 

Com muita história, primeiro cinco estrelas de Salvador vai do luxo ao declínio em 40 anos e leva prejuízos a trade turístico

  • Alexandre Lyrio

Publicado em 09/07/2017 às 06:00:00
Atualizado em 17/04/2023 às 07:34:07

Do alto da sua suíte presidencial, o rei Pelé encantou-se com a Baía de Todos os Santos, o tenor Luciano Pavarotti avistou o Farol da Barra e a Ilha de Itaparica, e a ex-primeira dama americana Hillary Clinton conseguiu enxergar os contrastes sociais de Salvador. Eles provavelmente não sabem, mas aquele empreendimento em que se hospedaram, antes quase um monumento à hotelaria local, hoje não passa de um fantasma.

Construído sobre as rochas, praticamente pendurado no mar do Rio Vermelho, o Hotel Pestana completa nesta sexta-feira (14) 500 dias com todos os seus 23 andares desativados. Primeiro hotel cinco estrelas da Bahia, inaugurado como Le Méridien, em 1974, o Pestana não tem nem de longe o espírito dos momentos de glória que viveu entre os anos 70 e 90, quando recebia artistas, chefes de estado, celebridades, empresários e muita gente que juntava dinheiro só para se hospedar em seus quartos.

Com as duas torres de apartamentos desativadas desde 1º de março do ano passado, o prédio destoa da vida pulsante do revitalizado Rio Vermelho. Com o cair da noite, o breu toma conta, e o prédio fica ali, solitário, entre as ondas da rebentação, sombrio, sem cor e com as luzes todas apagadas. Nem mesmo o nome do hotel é aceso.(Foto: Betto Jr/CORREIO)O CORREIO esteve no local este mês e pôde constatar o hall de entrada completamente vazio, diferente do grande movimento que antes podia ser visto na recepção. A entrada permanece luxuosa, limpa e com bastante mobília. O acesso às torres está proibido. Por isso, não foi possível verificar as condições atuais dos apartamentos. Mas, mesmo sem acessar os andares, é possível enxergar marcas da decadência.

O teto da entrada não tem mais forro, infiltrações pipocam nas paredes, fiações estão à mostra e a rampa de acesso de veículos, danificada. O Pestana é um gigante que morreu. Sem previsão de investimentos que possam ressuscitá-lo, restam as memórias de quem se hospedou, passou a noite de núpcias, casou, comprou em uma das suas luxuosas lojas ou participou de um dos seus diversos congressos, bailes de carnaval, festas na boate ou réveillons.

Núpcias e festas“O Méridien sempre foi um símbolo para nós. Desde pequeno eu admirava aquele prédio sobre o mar, quase como um segundo Farol da Barra. Hospedar-se lá era coisa de sonho”, afirma o engenheiro mecânico José Augusto Fernandes Neto, 52 anos, que realizou o sonho passando a noite de núpcias em um dos seus quartos, nos tempos em que o hotel ainda tinha o nome antigo. “Encontramos Caubi Peixoto na recepção. Passar a noite no Méridien era algo grande”, lembra José Fernandes.

Quem tem mais de 40 anos se lembra do Bar Canoa e da Boate Regine´s, points de lazer dos ricos que funcionaram por muito tempo dentro do hotel. A Regine´s rivalizava com a Hipopótamos, instalada no Othon, em Ondina. Depois, virou Le Zodiac. “A Regine´s era um luxo. Altas festas”, lembra a professora Ângela Maria Lima Lopes, 64 anos. “Eu frequentava também um salão de beleza famoso. O cabeleireiro era Roberto. Só iam as dondocas”, ri Ângela.

“O esquente era no Canoa antes de entrar na Le Zodiac. O chefe da segurança se chamava Tubarão. A gente fez amizade com ele e entrava sem pagar”, entrega-se o administrador de empresas Bernardo Mello, 41 anos. E as noite de Carnaval? Houve tempos que o Méridien fazia festas à altura dos carnavais de clubes como o Bahiano de Tênis e a Associação Atlética da Bahia.

Quantos reis momos e rainhas não foram coroados lá? Tinha também os bailes do Coringa, de Oxum e o Gala Adé, este último um famoso baile gay da época. “Um desfile de plumas do pessoal do mundo alegre”, narra o Correio da Bahia de 28 de fevereiro de 1987. Mas também tinha o pessoal do mundo político.

Muitos chefes de estado optaram pelo Méridien, como Lula, em 2002, os reis da Suécia, em 1984, o primeiro ministro da Espanha Felipe Gonzalez, em 1987, e os presidentes de diversos países no II Encontro Íbero Americano, em 1993. Mas anônimos endinheirados também usufruíam de sua piscina com a Iemanjá desenhada pelos azulejos do fundo ou fizeram compras nas suas lojas do lobby.

“Tinha lojas de souvenir, agências de viagens e até uma H. Stern. É de dar pena o hotel desse jeito”, lamenta um taxista que há 20 anos trabalha na área, referindo-se à loja de joias H. Stern. Se para os famosos, políticos e empresários, o Pestana – ou Méridien - já se destacava pelo luxo, imagine para os reles mortais.

Muita gente usou o dinheiro que guardou por muito tempo só para passar uma noite no hotel e desfrutar de sua vista deslumbrante. “Não só do quarto, mas dos corredores você vê aquele marzão, sabe? Valeu a pena”, disse Rosemeire Freitas, 39 anos, que juntou dinheiro por um ano para passar uma noite do Dia dos Namorados no Pestana.

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DemissõesEntre os funcionários do Pestana ainda existem recepcionistas, seguranças, porteiros, camareiras e manobristas, mas o número exato não foi informado. O Grupo Pestana foi procurado pelo CORREIO, mas preferiu não se pronunciar sobre a situação e nem sobre o futuro do empreendimento. Em crise, a empresa dispensou mais de 160 empregados no total. Ao lado do estabelecimento, há um estacionamento aberto de pelo menos 100 vagas. Dessas, apenas dez estavam ocupadas durante a visita da reportagem.

Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH-Bahia), Glicério Lemos, o impacto da desativação é grande. “Impacta não só na arrecadação da prefeitura e do estado, mas também na geração de empregos e na distribuição de renda. Isso sem contar o impacto turístico que é ter um ícone desse fechado”, disse. Antes da desativação, os 430 quartos eram equipados com TV a cabo, cofre, telefone, ar condicionado, frigobar, wi-fi e mesa de trabalho.

CriseEm 2015, já em crise, quando somente metade dos andares funcionava, o CORREIO entrou no hotel e constatou pequenas infiltrações, desgaste da pintura nas paredes, carpetes danificados e cheiro de mofo nos corredores. Na época do anúncio da desativação total, o diretor do Grupo Pestana no Brasil, Paulo Dias, disse que as razões para o fechamento eram, além da crise econômica, a queda da Bahia do posto de primeiro destino do Norte/Nordeste e, consequentemente, do turismo de lazer.

De acordo com o secretário municipal de Turismo, Cláudio Tinoco, o trade turístico reclama de ausência de promoção, sobretudo do estado, para posicionar a Bahia e Salvador no patamar que um dia ocupou. “Vale lembrar que o Grupo Pestana já tinha avançado na capital, inclusive com o Pestana Convento do Carmo [no Santo Antônio]. Reconhecemos que o hotel precisava de uma reforma e houve uma expectativa de preparação para a Copa, quando a União sinalizou abertura de linhas de crédito para isso, mas não se concretizou”, lembra.

Na Copa, a Fifa exigiu que Salvador tivesse pelo menos 50 mil leitos. Nessa época, a capital tinha 35 mil, o que estimulou o movimento de implantação de novos estabelecimentos, concentrados na região da Avenida Tancredo Neves. Hoje, Salvador tem 40 mil leitos, mas o cenário atual, segundo o secretário, é de retração. Segundo ele, nos últimos três anos, pós-Copa, pelo menos 20 hotéis foram fechados. Em 2016, conforme dados da ABIH, a taxa média anual de ocupação foi a menor em cinco anos, fechando em 40% apenas.

RotatividadeO taxista Primo Souza, que trabalha na região há mais de 25 anos, percebeu no bolso a queda da ocupação do Pestana. “Aqui, de manhã, botavam 80 táxis e saía tudo. Hoje, colocam 10 e não sai quase ninguém”, lamenta Primo. “Infelizmente, acabaram com nosso turismo. A culpa do hotel estar assim não é da administração, é do governo, até porque muitos outros hotéis fecharam”, acredita.

O fechamento do Centro de Convenções é uma das reclamações do trade pelas dificuldades em atrair grandes eventos. “Claro que há aspectos conjunturais, como a crise econômica dos dois últimos anos, mas, acima de tudo, temos o problema da infraestrutura, do Centro e do Aeroporto”, avalia Tinoco. Para ele, o impacto do fechamento é significativo também porque o empreendimento comportava hospedagens de grandes grupos, com uma localização estratégica e com serviço de referência.

Bangalôs ainda funcionamApesar de tudo, o Pestana não está completamente parado. O Pestana Bahia Lodge, bangalôs anexos que abrigam moradores e hóspedes esporádicos, ainda funciona. Ao todo, neste espaço, são 63 casinhas rústicas com piscina panorâmica, vista para o mar, academia, sauna e outros serviços, que ainda atestam o luxo do lugar. “Estamos com os serviços normalizados”, disse Ramon Xavier, morador do Lodge. Ele informou que a administração, porém, já adiantou que o espaço será desmembrado do Pestana em breve e a administração do Lodge será própria. Por enquanto, os moradores e hóspedes acessam o local pela recepção do Pestana. Até porque, o elevador que dava acesso exclusivo ao Lodge foi atingido por um raio e parou.

Numa breve pesquisa no site do hotel, constata-se os preços das suítes do Lodge: de R$ 237 a R$ 465 a diária, a depender das comodidades e das especificações. Um usuário do site de viagens Trip Advisor que esteve no local em abril descreveu o lugar como bonito e amplo, mas com falhas estruturais. “O acesso do hotel ocorre por dentro de um prédio desativado, com pouca iluminação e com a recepção distante dos apartamentos. Os quartos são amplos e bem conservados com uma linda vista”, comentou. Outra usuária que viajou em casal no final do ano passado comentou a beleza e a amplitude do lugar, mas criticou a manutenção. “O hotel encanta pela enorme piscina de borda infinita e a vista para o mar. Os quartos são espaçosos. No entanto, a entrada pelo prédio desativado deixa uma impressão ruim e é uma boa caminhada até o quarto. O elevador panorâmico da entrada direto para o lodge estava desativado”, relatou.

Programa nacionalO secretário municipal Cláudio Tinoco apontou uma alternativa para o caso do hotel com a possibilidade de uma nova investida na melhoria da infraestrutura soteropolitana com a chegada do Programa Nacional de Desenvolvimento do Turismo, que pode beneficiar o Pestana e outros tantos. “No caso da hotelaria, uma medida é a redução do Imposto Sobre Serviços (ISS) para obras de reforma. Vamos formalizar a proposta ao Grupo Pestana assim que tiver o regramento. Isso pode não só ajudar o grupo a encontrar condições de mantê-lo, mas também a própria negociação com grupos que venham a operar”, cita.

"Pestana está mal no mundo todo”, diz secretário da SeturDe acordo com o secretário estadual de Turismo (Setur), José Alves, a hotelaria do Grupo Pestana não está mal apenas em Salvador, mas no mundo todo. “A informação que eu tenho é que eles se desviaram, priorizando outros negócios”, conta. Segundo a Setur, não há o que ser feito por parte do estado, já que se trata de um empreendimento privado. Ainda segundo Alves, esta crise hoteleira é localizada apenas na capital, diferindo das regiões do Litoral Norte, Chapada Diamantina, Porto Seguro e Ilhéus, que têm boa ocupação.

“O trade turístico credita a crise à falta do Centro de Convenções porque ele atraía eventos para 4 mil, 5 mil pessoas. Mas, se você não pode fazer eventos desse tamanho, pode fazer menores, pelo menos enquanto o Centro não vem”, defende. Uma parte do equipamento desabou em setembro de 2016. A Secretaria de Comunicação do Estado (Secom) informou que a decisão sobre o local de construção do novo Centro ainda está sendo pensada pelo Governo.

É justamente neste quesito que o Pestana tem feito falta, aponta Sílvio Pessoa, presidente da Federação Baiana de Hospedagem e Alimentação (FeBHa). “Estamos vivendo de eventos de pequeno e médio porte, então faz falta o centro de convenções do Pestana, que tinha mais de 20 salas conjugadas e espaço para 2.500 pessoas”. Como alternativa para receber o turismo de eventos, Alves sugere os conventions centers de hotéis como Fiesta, Othon, Catussaba e Deville, que têm capacidade para receber de 1.500 a 2 mil pessoas.

Em contrapartida, o secretário destaca que o desempenho da Bahia em atividades turísticas cresceu 4,6% em relação ao ano passado, segundo pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A expectativa do gestor é que se cresça ainda mais após o anúncio do governo de redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do querosene de 12% para 18%.

“Isso atraiu maior número de voos para cá e essa oferta ajudará a trazer mais turistas, mas ele tem que chegar aqui e gostar da cidade”, aponta. Segundo a Setur, a Gol realizará 528 voos extras no período de férias entre esta primeira semana de julho e 16 de agosto, já a Azul oferecerá mais de 120 voos extras para o estado. Conforme o anuário de 2016 da Infraero, o aeroporto de Salvador teve queda de 16,81% no movimento de passageiros em relação ao ano anterior, sendo a maior queda entre os principais aeroportos brasileiros.

De acordo com Alves, outra ação da secretaria é a promoção da Bahia através de propaganda. “Nós temos investido nisso e hoje ela está muito voltada para as mídias sociais. A TV fora do estado é muito cara e o retorno não é tão bom, então temos comprado espaço dentro do Google, no Facebook e Instagram, mas a gente precisa que os empresários acompanhem esse movimento”, explica. Para ele, a capital precisa reinventar o seu roteiro de visita e criar mais atrações para que as pessoas tenham vontade de retornar.

A Setur acrescenta que prevê a participação da Bahia em 24 feiras de turismo internacionais e 38 nacionais este ano. No entanto, na avaliação de Pessoa, o marketing do estado não é feito da maneira adequada. “O que é feito é feito internamente e nós precisamos estar no Sul, Sudeste, Centro Oeste. Tem que ser inovador, com mídia digital. Chega de colocar baiana com fitinha em feira de turismo porque ninguém mais quer saber de revista e folheto, agora tudo está ao alcance do celular, do computador”, opina.

HistóricoFechado há 500 dias, o Hotel Pestana foi inaugurado como Le Méridien, em 1974. Até a década de 90 foi considerado o melhor, mais luxuoso tradicional hotel da Bahia. Conheça as datas mais simbólicas nas lutas para se manter de pé nas mais de quatro décadas do empreendimento.

1974 - Conhecido por ser o primeiro hotel cinco estrelas da Bahia, o Le Méridien foi inaugurado na década de 70.

15 de maio de 2000 - O Le Méridien fechou devido a uma dívida de R$ 1,2 bilhão da empresa administradora Sisal Bahia Hotéis Turismo com o Banco do Brasil (BB), proprietária do imóvel.

15 de novembro de 2001 - O grupo Pestana, que comprou o prédio do BB por R$ 17 milhões e gastou mais R$ 20 milhões para reformá-lo, reinaugurou o estabelecimento com o nome de Carlton Bahia. Nessa época, já tinha 433 apartamentos. Em pouco tempo, o Carlton passou a se chamar Pestana.

2015 - Devido à crise no setor hoteleiro, o maior hotel da capital  baiana - o Hotel Pestana Salvador - demitiu pelo menos 130 funcionários. Dos 23 andares do prédio, 12 estão desativados, segundo um funcionário que não quis se identificar. O hotel diz que 310 apartamentos estão funcionando.