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A festa do Bonfim era um festival africano, antes dos "bonfins ligths" e enxaguadas

  • D
  • Da Redação

Publicado em 17 de janeiro de 2019 às 09:45

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: .

A imagens replicadas em cartões postais e quadros de centenas de baianas no cortejo do Bonfim, compuseram um imaginário sobre a Lavagem do Bonfim. No entanto, tal imagem idílica sobre a Bahia se liquefaz na memória e nas lágrimas de um já velho baiano, que sou eu. Há alguns anos, precisamente há uma década, o tal cortejo vem atrasando e, quando chega, é dividido em dois grupos; o do governador e o do prefeito.

Além de já não mais existir o tal cortejo numeroso de baianas, por motivos diversos, desde a crescente evangelização à falta de incentivo das filhas de santo por parte das organizações que se intitulam como gestora da festa. A festa, ao longo da última década, perdeu expressões significativas, desde a padronização das barracas, marca artística das festas populares de Salvador,  à intromissão de órgãos em defesa dos animais, que retiraram via liminar jurídica as carroças.

Ainda ontem, eu olhava as fotos do acervo de Ruth Landes, antropóloga americana que por aqui esteve nos anos 30 do século XX, e acabei chorando ao ver a beleza do cortejo de negros e negras elegantes, desde as filhas de santo de Mãe Menininha do Gantois aos homens, no belo diagonal de linho branco. Essa festa sempre foi um marco da resistência ao opressor, pois é uma ressemantização pública de um rito secreto no candomblé, as Águas de Oxalá, quando, na madrugada de uma quinta, os devotos carregam água nas cabeças para lavar o grande Orixá, que será celebrado ao domingo.

A festa, até recentemente, sempre foi um festival africano, antes dos "bonfins ligths" e enxaguadas da vida, que privatizaram a festa, para que neocapitães do mato divirtam seus novos senhores e sintam se orgulhosos de dizerem que fazem festa de gente bonita - leia-se, branco de classe média.

Retomando a história da festa, o imperador do  México  e príncipe da Áustria, Maximiliano de Habsburgo, fez um breve relato em 1850 da festa e todo seu translado, convicto de um barbarismo africano, entre cânticos e banzos à África. A própria igreja no adro da colina remontava a outros deuses, Orixa Oko, orixá do monte e da agricultura, também a presença de Alá sempre se fez presente entre os negros nagô malê, cuja terminologia Oxalá advém do árabe 'in cha lá', futura denominação de Obatalá, o nosso velho Oxalá associado ao senhor Bom Jesus do Bonfim.

Se falando em  Alá, não podemos esquecer a Revolta dos Malês de 1835, que se deu justamente no dia da lavagem do Bonfim, mês do Ramadã. No entanto, a revolta estaria abençoada por Alá, onde Oxalá, Alá e Senhor do Bonfim é um só. Ao passo que toda gente da cidade estava a se divertir. Poxa! Posso aqui ficar horas entre crônicas, sabores e olores dessa festa entre o rega-bofe, o samba, vassouras e águas de cheiro ao Bom Jesus do Bonfim, que vê hoje mitigar suas principais protagonistas, por falta de um compromisso com a história, com a memória em nome dos desatinos dos novos políticos baianos com as velhas praticas de servilismo, clientelismos dos antigos que atropelam o povo negro dessa cidade e a sua história de resistência.

Em suma, convoco, então, as minhas amigas ativistas contra o racismo e machismo dessa cidade a se vestirem de baianas, em nome de nossas ancestrais que chefiaram essa cidade, ao ponto de Ruth Landes intitular o seu livro de Cidade das Mulheres. Do mesmo modo, convoco os sambistas, com suas charangas e batucadas, os guerreiros da África e os capoeiristas a criarmos um cordão de isolamentos e irmos nos próximos anos ao Bonfim para não deixar que a nossa história seja palco para aqueles que sempre lutaram e lutam contra a nós. Nós Podemos!