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Jolivaldo Freitas
Publicado em 7 de março de 2019 às 05:00
- Atualizado há 3 anos
Foi a partir de um dia de orgia, lá pelos anos 62 antes de Cristo, que ficou célebre a frase “À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”, dita pelo imperador romano. A libertinagem fazia parte da filosofia de Roma em que tudo podia ser motivo para subversão da ordem social e cair na folia sem pecado – algo assim como um radical dia de Carnaval - e foi o que ocorrera dias antes da frase ser proferida, durante os festejos em homenagem à Boa Deusa ou “Bona Dea”, sob as bênçãos do deus Baco. Um bacanal só para mulheres. Esta quem organizou foi a Pompeia Sula, segunda esposa de Júlio César.>
Um coquete de então, chamado Público Clódio, apaixonado pela imperatriz, arrumou uma fantasia de tocadora de lira e entrou clandestinamente. Foi flagrado pela sogra de César. Não deu tempo de acontecer nada, mas os fofoqueiros espalharam a história por Roma. Júlio César decidiu se separar da mulher, mesmo sabendo que ela não teve culpa. Os senadores perguntaram o porquê do divórcio e ouviram a frase aludida anteriormente.>
Pois toda a citação remete à saia-justa que incidiu sobre o deputado-cantor Igor Kannário neste Carnaval. Ele, pela primeira vez em sua vida, tentou passar a ideia de um líder popular dentro das normas da lei e tocando conforme a música. Mas sua imagem é tão desgastada perante a opinião pública, digamos, careta e junto às autoridades constituídas em várias vertentes, que de nada adiantou se fantasiar de policial estilizado, pois, por não parecer sério, ficou parecendo a mulher de Júlio César. Para a Polícia Militar, a fantasia de Kannário era um acinte, mais uma tentativa de desmoralizar a corporação.>
O problema é que o compositor - oriundo do gueto e também muito querido e copiado pelos jovens das comunidades - tem um passivo inigualável de problemas com a PM e com outros que viraram desafetos crônicos. E ninguém acreditou em sua nova plumagem. Kannário já ofendeu uma soldado da Polícia Militar numa micareta de Feira de Santana. A Polícia Militar já o processou. Ele já procurou o governador Rui Costa para denunciar o que vê como excessos da polícia. Já se indispôs com seus pares vereadores quando disse que na Câmara havia resquícios de facções, já trocou porrada na porta da Câmara dos Vereadores com um inimigo declarado, foi criticado por apologia ao uso da maconha e mais algumas questões. Eu acredito, piamente, que a bela fantasia que usou era a busca de uma nova postura, fazer as pazes com a PM. Ele disse ser admirador da corporação e mandou um abraço para o comandante da PM.>
Mas, aí, como eu disse, é aquela coisa da mulher de César. E, para piorar, talvez por ato falho – e olha que não tenho simpatia pelo trabalho de Igor Kannário – ele se complicou quando colocou na fantasia o dístico: “Comando da Paz”. Aí ficou uma certa ambiguidade que levou à livre interpretação na forma da cabeça de cada um. Seria uma apologia à facção criminosa Comando da Paz? Para a Associação dos Policiais foi um abuso e não uma homenagem. Disse que vai processar por apologia ao crime. O deputado do PSL Capitão Alden vai denunciar no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados. O prefeito ACM Neto tem a mesma ótica que eu tenho, pois se juntar a imagem do cantor com sua postura neste Carnaval e as palavras ditas, fica claro que se tratou de uma tentativa de remissão dos pecados. Se tratava mesmo de fazer as pazes. O próprio cantor, através da sua assessoria, procurou realçar esse detalhe, mas ninguém quer acreditar na sua palavra, por causa da sua postura pregressa. Comando da Paz tinha tudo para um recomeço, mas virou uma infeliz coincidência. Acontece desde a antiga Roma.>
Jolivaldo Freitas é escritor e jornalista>
Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade dos autores>