Acesse sua conta
Ainda não é assinante?
Ao continuar, você concorda com a nossa Política de Privacidade
ou
Entre com o Google
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Recuperar senha
Preencha o campo abaixo com seu email.

Já tem uma conta? Entre
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Dados não encontrados!
Você ainda não é nosso assinante!
Mas é facil resolver isso, clique abaixo e veja como fazer parte da comunidade Correio *
ASSINE

A favela desafia quem "sabia tudo" sobre a Operação Contenção

Pesquisas mostram que o apoio à megaoperação foi maior dentro das comunidades do que fora delas - um dado que desmonta certezas e exige escuta real

  • Foto do(a) author(a) Flavia Azevedo
  • Flavia Azevedo

Publicado em 1 de novembro de 2025 às 06:00

Apesar de ser considerada favela, Pernambués tem m² mais caro que bairros nobres
Quem vive a comunidade deu a própria opinião Crédito: Paula Fróes/CORREIO

Demorei a formar uma opinião sobre a Operação Contenção. Não escolhi “um lado”, apesar de, nestes dias seguintes à ofensiva policial - a maior da história recente do Rio -, o país estar dividido entre os que batem palmas e os que gritam “genocídio”. Daqui, fui tentando juntar os pontinhos e me perguntei muitas vezes: o que será que as pessoas que moram nas favelas acham? Porque, veja, os “opiniáticos” famosos da academia e da internet não são exatamente as mesmas pessoas que vivem o cotidiano do crime organizado. Ao meu redor, pelo menos, todo mundo tinha opinião, mas zero (ou pouca) vivência do problema. Os mais honestos se questionavam, liam, estudavam, mudavam de ideia. Os menos comprometidos gritavam certezas. Aí chegaram números de pesquisa e eu fiquei impressionada.

Há muitas interpretações possíveis para a informação de que a maioria dos brasileiros aprovou a Operação Contenção. Segundo o AtlasIntel, 55% no país e 62% no Rio disseram “sim” à ação que mobilizou 2,5 mil agentes contra o Comando Vermelho. Ainda parece vago, talvez. O dado pode ser lido como uma aprovação algo abstrata, que mistura muita coisa - um desejo ancestral de “ordem e progresso”, quem sabe até um “ódio endêmico ao povo negro e periférico”. Racismo, aporofobia, qualquer coisa assim. Quem foi ouvido nessa pesquisa? O povo do Leblon? Os brancos? Os ricos? Desconfiar é sempre bom e preserva a seriedade.

Só que, junto, chegou a opinião de quem importa e, para espanto de muita gente, o apoio foi ainda maior entre os moradores das favelas. Precisamente, 87,6% nas comunidades cariocas consideraram a operação necessária. Sim, essa mesma na qual morreram 121 pessoas. Essa que teve corpos empilhados na praça. Essa que produziu imagens para o mundo inteiro e manifestações inflamadas. Pois espero que os “opiniáticos” estejam todos em silêncio neste momento - exatamente porque esses números não cabem nas narrativas fáceis de quem se acostumou a ver a favela apenas como vítima ou vilã. Agora, finalmente, todo mundo vai ter que pensar.

Conhecido como Tomador das Favelas por Reprodução

Os dados são muito interessantes. As pessoas que aplaudiram a operação (e querem é mais) por achar que “só tem bandido” na favela não esperavam que uma maioria, lá de dentro, apoiasse a presença policial. Por outros motivos, aqueles que se proclamam “defensores” e chamaram a ação de “genocídio” também jamais imaginariam essa aprovação. Fato é que quase nove em cada dez moradores das comunidades acharam a Operação Contenção positiva. Como é que a gente lê essa informação? Em primeiro lugar, admitindo que a realidade é mais complexa do que qualquer discurso pronto. Foi o que eu fiz nos últimos dias e, justamente por isso, entendi que era muito difícil cravar uma opinião.

Ainda entre os “opiniáticos”, há quem ache que “mataram pouco”. Também há quem diga que “não precisavam matar ninguém”. Eu prefiro não comentar, mas 89,5% dos moradores de favelas disseram considerar o nível de violência policial adequado. Ou seja, a ONU escrevendo nota, entidades se manifestando, o país inteiro discutindo “excesso de força”, e quem vive dentro do território dizendo que “foi o necessário”. A diferença entre o discurso e a vida concreta é brutal. Para quem está de fora, “violência policial”, “enfrentamento”, “guerra civil” são apenas conceitos aplicáveis no TCC, na tese, no boteco e no discurso de rede social. Para quem está lá, conhece as pessoas e a geografia... é outro papo.

A morte de 121 pessoas em 15 horas - número que inclui quatro policiais - se transformou em estatística disputada. O debate público virou palco de certezas ideológicas muito infantis: ou eram todos inocentes, ou todos culpados; todos morreram em confronto, ou foram todos assassinados mesmo querendo se entregar. Pois as pesquisas também mostram a divisão moral sobre os mortos: 51% dos brasileiros acham que eram criminosos; 37% os veem como criminosos e vítimas ao mesmo tempo. Entre os cariocas, 65% afirmam que eram bandidos. Na favela, a distinção é mais ambígua porque o morador sabe que o menino que carrega fuzil hoje era o que jogava bola na rua semana passada. Que é o filho da amiga querida, mas nem por isso vai deixar de matar.

O apoio expressivo vem com compreensíveis ressalvas. Nos fóruns e comentários de notícias, moradores reclamam que a operação “matou os vaporzinhos e deixou os chefões no Leblon”. Criticam a seletividade: “morre o pobre do beco, o rico do condomínio continua blindado”. Também há desconfiança sobre as motivações: 42% dos brasileiros acham que a operação teve objetivos políticos. Na favela, é comum a sensação de que o Estado só lembra dela em ano eleitoral - e muitas vezes de farda.

Mesmo entre os que apoiaram, o sentimento dominante é o cansaço de ver o mesmo roteiro repetido: operação, mortes, manchete, luto e volta à rotina sob domínio do crime organizado. Segundo levantamento da Arrow Pesquisas, os sentimentos mais comuns entre os fluminenses foram esperança (42%) e alívio (22%), mas também medo (19%) e revolta (17%). É o resumo emocional do Brasil: esperança cansada, medo disciplinado. Ou seja, a favela aprova, mas não confia mais.

Eu escrevo este texto não para defender a operação, nem para condená-la. Talvez o resumo dele seja mesmo aquela famosa frase de Xuxa: “Senta lá, Cláudia”. Um recado para todos nós. Há muitas coisas a pensar sobre o crime organizado. Esse problema - que atinge a todos, mas de diferentes maneiras - traz muitos desafios, e o maior deles é à nossa honestidade. Tentar entender um pouco mais tem me afastado de todas as respostas fáceis. Por ora, minha única certeza é a de que o Brasil continua olhando de cima pra baixo para as favelas - inclusive aquelas pessoas que fetichizam, “estudam” e se autoproclamam “representantes” de uma população que, se conhecem, é apenas uma parte.

As favelas são territórios ocupados, e não apenas no Rio de Janeiro. Também na Bahia, elas são enclaves com leis próprias, comércio próprio e barricadas. O Estado brasileiro não entra, o SAMU não chega, a polícia é recebida com fuzis, drones e granadas. Não se trata mais de “guerra às drogas”. Aos desinformados românticos que ainda dizem “legaliza a maconha que resolve o problema”, informo que a venda de drogas, em 2025, representa apenas algo em torno de 10% da receita das facções. Observe que manter como está também é uma opção. O país pode decidir que tudo bem e deixar rolar, abandonar a população dos “enclaves” como se fosse um "outro povo". Inclusive, podem todos seguir consumindo os produtos e louvando todo o soft power desse “país à parte”. Mas aí vamos assumir essa posição e parar de presepada. A outra opção é entender que a guerra está posta e os confrontos (inclusive com muitos mortos) não são mais opcionais.

Siga @flaviaazevedoalmeida