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Lei da Misoginia: o que muda com a lei que compara ódio às mulheres ao racismo?

Levar esse ódio histórico ao plano legal não resolve tudo, mas estabelece limites claros e dá novas ferramentas para prevenção, educação e proteção

  • Foto do(a) author(a) Flavia Azevedo
  • Flavia Azevedo

Publicado em 25 de outubro de 2025 às 13:00

Violência contra a mulher
Violência contra a mulher Crédito: Shutterstock

A ideia de transformar a misoginia em crime nasce de uma demanda social que alcançou rapidamente centenas de cidades e dezenas de milhares de apoiadores, e agora está em plena tramitação legislativa: aprovado pelo Senado, o Projeto de Lei (PL) 896/23 segue para votação na Câmara dos Deputados. A proposta é inserir a misoginia no mesmo rol de motivações puníveis da chamada Lei do Racismo, com consequências penais duras, exatamente para que a gente pare de fingir que o ódio sistemático ao feminino é um mero "problema de convivência", "questão de opinião" ou até "engraçado".

Objetivamente, a proposta visa alterar o artigo que hoje regula os crimes de preconceito para incluir, entre as motivações puníveis, a misoginia - definida como conduta que manifesta ódio ou aversão ao feminino, fundada na crença de supremacia masculina. A consequência prática é que manifestações misóginas, quando enquadradas no tipo, serão passíveis das penas mais severas previstas para crimes de ódio, inclusive com caráter imprescritível e inafiançável. Essa alteração desloca o tratamento jurídico da misoginia de episódio individual para fenômeno coletivo e estrutural.

[Edicase]A violência patrimonial contra mulheres deve ser combatida (Imagem: olesia_g | Shutterstock) por Imagem: olesia_g | Shutterstock

No mérito penal, a proposta prevê a criação de injúria misógina com pena mais elevada (dois a cinco anos e multa) e aumento da pena quando a ofensa for praticada em contexto de "descontração, chacota ou ridicularização", mesmo contra vítima indeterminada. Essa medida alcança o fenômeno corrente das "piadas" públicas e dos ambientes que naturalizam o escárnio. Tipo tudo que acontece nos discursos comuns na "machosfera", sabe? Prevê-se também a possibilidade de medidas cautelares imediatas, como encaminhamento a programas de reeducação e acompanhamento psicossocial. Essas medidas buscam combinar reprovação penal com respostas que toquem a dimensão cultural do problema.

Eu sei que a maturidade recomenda resistir, por diferentes razões, tanto ao otimismo ingênuo quanto ao ceticismo absoluto. Também entendo que a crítica antipunitivista é legítima. Porém, confesso: não estou cabendo em mim de tanto contentameno com a possibilidade de, enfim, ser proibido exercer o ódio mais corriqueiro e letal, aquele que é quase um esporte em todos os tempos, profissões, ambientes e sociedades. Em qualquer época e estrutura, mulheres sempre viveram a vulnerabilidade principal de servirem pra ser piada e sofrer violência masculina, de muitas maneiras e cotidianamente alimentada por episódios "inocentes" de desdém, ironia, zombaria e sarcasmo. Sendo assim, desculpe, mas eu quero é mais.

Criminalizar a misoginia é reconhecer, no plano público e simbólico, que o ódio ao feminino é estrutural e mata. Os dados mais recentes do Anuário Brasileiro de Segurança Pública justificam qualquer medida: em 2024 foram registrados 1.492 feminicídios - média de quatro mulheres assassinadas por dia - e quase 3.870 tentativas de feminicídio no mesmo ano. Note que isso é apenas o que foi notificado. As estatísticas mostram também que a maioria das vítimas é negra, que a maioria dos crimes ocorre na residência e que os autores são em sua quase totalidade homens. Esses números provam que a criminalização da misoginia não é "exagero", mas resposta urgente e necessária diante de um padrão de mortes e violências.

Assim como em outros projetos, há ressalvas e debates. Em nosso caso, um dos centrais é instrumental: haverá dificuldades de prova e interpretação? Sim. Haverá risco de decisões divergentes e de aplicação injusta? Claro. Por isso o texto precisa de precisão técnica, o que significa definição cuidadosa do elemento subjetivo (ódio, aversão), delimitação dos atos puníveis e critérios objetivos para distinção entre ofensa, injúria e discurso de ódio. Nada disso impede a aprovação da lei que, assim como tantas outras, entra num campo moral e cultural, funcionando como marco. E mesmo que não solucione um problema social complexo, vai mudar referências, orientar políticas públicas e fortalecer instrumentos de prevenção.

Por fim, o simbólico. O Direito tem o poder de nomear e de estruturar repertórios coletivos. Quando uma lei diz, formalmente, que o ódio às mulheres é crime, ela oferece um ponto de apoio para educação, para medidas preventivas, para o trabalho institucional nas escolas, nas redes sociais e nas delegacias. Ela motiva conversas nas famílias, nos bares, nos grupos de amigos. Ela muda a cultura da gente. Criminalizar a misoginia é reconfigurar o que se aceita nas praças públicas e privadas como opinião, ironia ou normalidade. É estabelecer limites. É, no fim das contas, complicar a vida de homens que lucram - e se divertem - com a humilhação de mulheres. Esse comportamento comprovável em cada esquina e que, conforme sabemos, não é nenhuma novidade.

Siga no Instagram: @flaviaazevedoalmeida