Receba por email.
Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Linha Fina Lorem ipsum dolor sit amet consectetur adipisicing elit. Dolorum ipsa voluptatum enim voluptatem dignissimos.
Marcio L. F. Nascimento
Publicado em 14 de agosto de 2018 às 16:00
- Atualizado há um ano
A história é verdadeira, e foi publicada num jornal cientifico há pouco tempo. Um fraudador, capturado pelo FBI, réu confesso, escreveu na cadeia como conseguiu fraudar oito milhões de dólares. Seu nome: Nathan John Mueller (n. 1974), contador americano e ex-funcionário de importante e centenária instituição multinacional especializada em seguros, investimentos e gestão de ativos.
Para tanto, Mueller solicitou a colaboração de um especialista acadêmico em fraudes: o bacharel em comércio sul-africano Mark John Nigrini (n. 1957), conhecido por aplicar a Lei de Newcomb-Benford em casos de falcatruas, abusos e erros fiscais forenses desde 1994, e autor de conhecido livro sobre auditoria em 2011 (Forensic Analytics, Wiley). Tal lei da matemática foi descrita de modo independente por Simon Newcomb (1835 - 1909), astrônomo e matemático americano-canadense, e Frank Albert Benford Jr. (1883 - 1948), engenheiro elétrico e físico americano.
Basicamente, tal princípio assegura que existe uma enorme chance de coletarmos números com os primeiros dígitos tendo um, dois, três e menos sete, oito, nove. Isto parece ser um contrassenso a princípio, pois espera-se que os dígitos dos números se apresentem igualmente distribuídos. De forma simplificada, a Lei de Newcomb-Benford simplesmente apresenta as frequências esperadas de dígitos em qualquer tabela de números e pode servir como indicador de risco de fraudes. Mas não-conformidade não significa erro ou certeza de fraude. Nigrini ilustra muitos exemplos em seus livros e artigos, principalmente em como esta lei pode ser testada como um indicador de fraudes.
O artigo de Mueller e Nigrini, de título “Lessons from an $8 Million Fraud” (“Lições de uma Fraude de 8 Milhões de Dólares”), foi publicado no J. Accountancy em agosto de 2014. Mueller embolsou tal quantia em 4 anos e três meses, até ser descoberto. Iniciou na empresa em 2000, já tendo experiência na área numa companhia que havia sido incorporada, implementando o esquema em fins de 2003. Foi descoberto em 2009 e sentenciado e preso por 8 anos, sendo liberto em 2015 por bom comportamento.
Mueller recebeu atribuições que lhe permitiam assinar e mesmo aprovar cheques de até 250 mil dólares. Ao iniciar um casamento e formar uma família, com nascimento do primeiro filho em 2003, sentiu a pressão para melhor provisionar recursos. Junto a esta pressão houve a tentação, a oportunidade e a racionalização. Indícios de riqueza rápida não foram considerados num primeiro momento: aquisição de bens como carros de luxo, jóias e noites extravagantes com viagens frequentes a Las Vegas. Por sinal, sua explicação familiar para o repentino sucesso financeiro era sobre a sorte que passou a ter com jogos de azar...
Começou emitindo cheques de pequenos valores para si mesmo, não rastreados pela firma. Depois, passou a emitir cheques de quantias mais altas, ao abrir uma conta de uma empresa fantasma que era na verdade dele mesmo, referentes a pagamentos de seguros, comissões e gastos administrativos, entre outras coisas. Após o casamento ruir, a ex-esposa começou a procurar explanações na empresa de Mueller, e os indícios de fraude começaram finalmente a surgir.
De acordo com os dados adulterados por Mueller, foi possível verificar que as frequências dos primeiros dígitos em suas planilhas não seguiam o que seria esperado pela Lei de Newcomb-Benford. Grosso modo, haviam muitos dígitos iniciando com oito e nove, ao invés de iniciarem com um e dois, por exemplo.
Assim, o artigo de Mueller e Nigrini é revelador do raciocínio de uma mente criminosa, e aponta caminhos de como prevenir e eventualmente descobrir indícios fraudulentos. Ironicamente, Mueller é hoje um requisitado consultor de fraudes... Marcio Luis Ferreira Nascimento é professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química e do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA
Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade exclusiva dos autores.