É para a senhora de todas as cabeças que pedimos equilíbrio de pensamentos

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  • Da Redação

Publicado em 2 de fevereiro de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Contam os antigos, que toda a vida que existe na terra veio do mar. Os seres que rastejam e os andantes, até os bichos que voam, tempos atrás, já fizeram parte da existência aquática. As próprias areias brancas da lagoa do Abaeté, onde repousa a estrutura física do Axé Abassá de Ogum é uma indicação geológica que toda essa região era, anteriormente, o fundo do mar. Sim, vivemos, trabalhamos, lutamos nas cidades, sentimos amor, rancor e cansaço, mas, em nossa ancestralidade, nunca deixaremos de ser peixes. Filhas e filhos da grande mãe primordial, a rainha do mar, Iemanjá.

Se toda a vida surgiu de suas entranhas marítimas, não há, então, útero mais frutífero e acolhedor. Fartos também são os seios de Iemanjá. São eles que acalentam todos os descendentes de África, que foram arrancados do continente e obrigados a atravessar o Atlântico, se reinventando aqui, no Brasil, em forma de resistência, beleza e cultura. É verdade, porém, que muitos dos nossos ancestrais ficaram pelo caminho na travessia. Mulheres e homens que optaram pela morte, ao se lançarem nas profundezas do oceano, antes de sofrerem os desmandos escravistas. Assim também se faz presente a força de Iemanjá. É o mistério das águas, a calunga grande: com um dos seus seios, Iemanjá faz jorrar a vida e abundância e com o outro, acolhe as almas e as confortam.

Em tempos de violência epidêmica e crimes ambientais, é para a senhora de todas as cabeças que pedimos equilíbrio de pensamentos. Que diante do seu espelho, nossa alma possa brilhar como suas águas mais límpidas. Que nossas oferendas sejam formadas principalmente de fé, respeito e amor, para que nenhum material não biodegradável agrida sua natureza. A mãe sabe a intenção de cada filho e filha que tem e o que lhe faz feliz não é seu ouro, mas a força do seu axé.

Mas Iemanjá não está apenas nas águas, reinando submersa. Se nossos corpos são formados primordialmente por esse elemento, a Rainha também reside em cada um de nós. Sua força acolhedora de mãe repousa em cada mulher que luta diariamente por um futuro digno para suas filhas e filhos. Sua habilidade de guerreira implacável é percebida em cada mulher que, corajosamente, busca seus sonhos diante de uma sociedade extremamente machista.

As oferendas para Iemanjá, levadas com fé e entusiasmo pelos seus devotos, ao tocarem as profundezas do mar, são transformadas em preces a tantas vítimas do racismo, da intolerância e do feminicídio. Mãe Gilda, Beatriz, Marisa, Marielle Franco: todas são Iemanjás e a festa da Rainha coroa cada uma delas.

Jaciara Ribeiro é ialorixá do Axé Abassá de Ogum

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